O MP e os litígios estruturais
O MP E OS LITÍGIOS ESTRUTURAIS
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A noção de
processo estrutural surgiu nos Estados Unidos, a partir do ativismo judicial
que marcou a atuação do Poder Judiciário norte-americano entre 1950 e 19703
Tudo
começou em 1954, com o caso Brown vs. Board of Education of Topeka. A Suprema
Corte norte-americana entendeu que era inconstitucional a admissão de
estudantes em escolas públicas americanas com base num sistema de segregação
racial. Ao determinar a aceitação da matrícula de estudantes negros numa escola
pública até então dedicada à educação de pessoas brancas, a Suprema Corte deu
início a um processo amplo de mudança do sistema público de educação naquele
país, fazendo surgir o que se se chamou de structural reform
Segundo
Owen Fiss, “o sistema de Ensino público foi o objeto do Caso Brown, mas com o
tempo as reformas estruturais foram alargadas para incluir a polícia, prisões,
manicômios, instituições para pessoas com deficiência mental, autoridades
públicas de auxílio à moradia e agências de bem-estar social”6. Ou seja: o
modelo de decisão proferida no caso Brown vs. Board of Education of Topeka
expandiu-se e foi adotado em outros casos, de modo que o Poder Judiciário dos
Estados Unidos, por meio de suas decisões, passou a impor amplas reformas
estruturais em determinadas instituições burocráticas, com o objetivo de ver
atendidos determinados valores constitucionais.
Problemas
estruturais à
Processos estruturais à Decisões estruturais
O problema estrutural se define pela existência de um
estado de desconformidade estruturada – uma situação de ilicitude contínua e
permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que não propriamente
ilícita, no sentido de ser uma situação que não corresponde ao estado de coisas
considerado ideal. Como quer que seja, o problema estrutural se configura a
partir de um estado de coisas que necessita de reorganização (ou de
reestruturação).
Há um
problema estrutural quando, por exemplo: (i) o direito de locomoção das pessoas
portadoras de necessidades especiais é afetado pela falta de adequação e de
acessibilidade das vias, dos logradouros, dos prédios e dos equipamentos
públicos numa determinada localidade; (ii) o direito à saúde de uma comunidade
é afetado pela falta de plano de combate ao mosquito aedes aegypti pelas
autoridades de determinado município; (iii) o direito de afrodescendentes e de
indígenas é afetado pela falta de previsão, em determinada estrutura curricular
do ensino público, de disciplinas ou temas relacionados à história dessa
comunidade; (iv) a dignidade, a vida e a integridade física da população
carcerária são afetadas pela falta de medidas de adequação dos prédios públicos
em que essas pessoas se encontram encarceradas.
Mas os
problemas estruturais não se restringem àqueles vivenciados na esfera pública,
ou que se ligam aos direitos fundamentais ou às políticas públicas, como a
enumeração dos exemplos acima pode sugerir. As ações concursais – como, por
exemplo, a falência e a recuperação judicial – também se baseiam em problemas
estruturais. Elas partem de uma situação de desorganização, em que há
rompimento da normalidade e do estado ideal de coisas, e exigem uma intervenção
(re)estruturante, que organize as contas da empresa
O processo estrutural é aquele em
que se veicula um litígio estrutural, pautado num problema estrutural, e em que
se pretende alterar esse estado de desconformidade, substituindo-o por um
estado de coisas ideal.
O processo
estrutural se caracteriza por: (i) pautar-se na discussão sobre um problema
estrutural, um estado de coisas ilícito, um estado de desconformidade ou
qualquer outro nome que se queira utilizar para designar uma situação de
desconformidade estruturada; (ii) buscar uma transição desse estado de
desconformidade para um estado ideal de coisas (uma reestruturação, pois),
removendo a situação de desconformidade, mediante decisão de implementação escalonada;
(iii) desenvolver-se num procedimento bifásico, que inclua o reconhecimento e a
definição do problema estrutural e estabeleça o programa ou projeto de
reestruturação que será seguido; (iv) desenvolver-se num procedimento marcado
por sua flexibilidade intrínseca, com a possibilidade de adoção de formas
atípicas de intervenção de terceiros e de medidas executivas, de alteração do
objeto litigioso, de utilização de mecanismos de cooperação judiciária; (v) e,
pela consensualidade, que abranja inclusive a adaptação do processo (art. 190,
CPC).
PROCEDIMENTO:
constatação do estado de desconformidade à implementação da meta estabelecia
na decisão estrutural à Definição do tempo, modo e grau de
reestruturação, do regime de transição e da forma de avaliação/fiscalização das
medidas estruturantes
Características
típicas, mas não essenciais: a multipolaridade, a coletividade e a complexidade
O objetivo
imediato do processo estrutural é alcançar o estado ideal de coisas19 – um
sistema educacional livre de segregação, um sistema prisional em que sejam
asseguradas a dignidade do preso e a possibilidade de ressocialização, um
sistema de saúde universal e isonômico, e, também, por exemplo, a preservação
da empresa recuperanda.
Tomando por
base a lista de exemplos dos problemas estruturais enunciada no item anterior,
podemos dizer que são exemplos de processos estruturais aqueles deflagrados
por: (i) demanda que visa à concretização do direito de locomoção das pessoas
portadoras de necessidades especiais, por meio de um plano de adequação e
acessibilidade das vias, dos logradouros, dos prédios e dos equipamentos
públicos de uma determinada localidade; (ii) demanda que visa assegurar o
direito à saúde e que, considerando o crescimento do número de casos de
microcefalia numa determinada região e da sua possível relação com o zika
vírus, pugna seja estabelecido impositivamente um plano de combate ao mosquito
aedes aegypti, prescrevendo uma série de condutas para autoridades municipais;
(iii) demanda que, buscando salvaguardar direitos de minorias, pede que se
imponha a inclusão, na estrutura curricular do ensino público, de disciplinas
ou temas relacionados à história dos povos africanos ou dos povos indígenas; (
A partir
dessas situações pontuais, passou-se a designar como decisão estrutural (structural injunction) aquela que
buscasse implementar uma reforma estrutural (structural reform) em um ente,
organização ou instituição, com o objetivo de concretizar um direito
fundamental, realizar uma determinada política pública ou resolver litígios
complexos.
Essa
decisão tem conteúdo complexo. Primeiro, ela prescreve uma norma jurídica de
conteúdo aberto; o seu preceito indica um resultado a ser alcançado – uma meta,
um objetivo – assumindo, por isso, e nessa parte, a estrutura deôntica de uma
norma-princípio. Segundo, ela estrutura o modo como se deve alcançar esse
resultado, determinando condutas que precisam ser observadas ou evitadas para
que o preceito seja atendido e o resultado, alcançado – assumindo, por isso, e
nessa parte, a estrutura deôntica de uma norma-regra.
O Supremo
Tribunal Federal já proferiu algumas decisões que podem ser consideradas como
estruturais20.
Mandado de
Injunção nº 708/DF, em que o STF cuidou do exercício do direito de greve pelos
servidores públicos civis. Na oportunidade, constatou-se que a omissão
legislativa quanto à regulamentação do tema persistia, a despeito de anteriores
decisões em que se reconhecia haver mora dos órgãos legislativos. Entendeu-se
que, para não se caracterizar uma omissão judicial, era preciso superar essa
situação de omissão e, em face disso, determinou-se, entre outras coisas, que
se aplicasse ao caso a Lei nº 7.783/1989, que regulamenta o direito de greve
dos trabalhadores celetistas em geral, com as adaptações devidas, “enquanto a
omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores
públicos civis (CF, art. 37, VII)”
Uma das
principais características da decisão estrutural é a acentuada intervenção
judicial na atividade dos sujeitos envolvidos no processo, sejam eles
particulares ou públicos41. Isso impõe a necessidade de revisão de diversos
conceitos, como, no caso de decisão que vise à reestruturação de ente público
ou a implementação de política pública, a ideia de insindicabilidade do mérito
administrativo pelo Judiciário por força da separação dos Poderes. Segundo
Sérgio Cruz Arenhart, “é preciso um sistema jurídico maduro o suficiente para
compreender a necessidade de revisão da ideia da ‘separação de Poderes’,
percebendo que não há Estado contemporâneo que conviva com a radical proibição
de interferência judicial nos atos de outros ramos do Poder Público”42. Como
consequência disso, é preciso também repensar a ideia de que o Judiciário não
pode imiscuir-se na análise do chamado “mérito administrativo”
O MP: por ter como características típicas a
multipolaridade, a coletividade e a complexidade, bem como visar a
implementação de direitos fundamentais, é tema que toca à atuação do MP,
enquanto titular da ação civil pública/função essencial à justiça/representante
adequado/legitimado universal/palavras/etc.
Em sua
atividade fim, busca solucionar litígios estruturais, seja de forma demandista
através dos processos estruturais, seja de forma resolutiva (mencionar
instrumentos).
Ao
recomendar, por exemplo, que determinado município construa: I - centros de
atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes
em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em
situação de violência doméstica e familiar (art. 35 LMP);
Ademais, Em ação do MPSC, Justiça determina que
Município de Itajaí providencie creche a todas as crianças em fila de espera
pelo serviço (https://www.mpsc.mp.br/noticias/em-acao-do-mpsc-justica-determina-que-municipio-de-itajai-providencie-creche-a-todas-as-criancas-em-fila-de-espera-pelo-servico)
o MP visa
solucionar um problema estrutural, que não se faz simplesmente através das técnicas
decisórias tradicionais de “condenação em obrigação de fazer”, sendo necessário
prever metas, prazos, etapas, questões orçamentárias, etc. para essa
estruturação.
Igualmente,
em exemplo mais complexo, cita-se uma ação civil pública em que o Ministério
Público pretenda impor a determinada concessionária de rodovia federal o dever
de realizar múltiplas obras na malha rodoviária e no seu entorno, exatamente
como previstas no contrato de concessão firmado uma década antes. Imagine que,
se implementadas nos exatos termos previstos no contrato, essas obras
terminariam por segregar um bairro inteiro, que floresceu nos últimos 10 anos
ao redor de certo trecho da rodovia; a implantação de guard rails na rodovia,
que corta o bairro ao meio, associada à inexistência, no projeto inicial do
contrato, de vias de acesso para veículos, de passarelas para pedestres e de
retornos, tudo isso terminaria por impedir – ou, ao menos, por tornar muito
difícil – o trânsito de moradores locais de um lado para o outro, segregando
famílias e vizinhos.
Nesses
casos, a lógica binária do processo individual – que contrapõe os interesses de
dois polos (autor e réu), sob a premissa de que esses interesses são sempre
antagônicos e de que os interesses dos litisconsortes que eventualmente ocupem
cada um desses polos são sempre convergentes – dificilmente se aplica aos
processos estruturais.
Embora o
Ministério Público seja, por lei, legitimado a dar voz à vontade coletiva, é
bem possível que haja, entre o Ministério Público que formulou a demanda e a
comunidade do bairro em questão, severa dissintonia de interesses; e entre eles
e a concessionária, outras tantas divergências; e ainda entre eles, a
concessionária e a agência de regulação (no caso do exemplo, a ANTT), mais
tantas discordâncias. São inúmeras as questões potencialmente envolvidas com
inúmeras possibilidades de acomodação dos diversos interesses.
EPÍLOGO
CONCLUSÃO
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