O MP e os litígios estruturais

 

O MP E OS LITÍGIOS ESTRUTURAIS

http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1606558/Fredie_Didier_jr_%26_Hermes_Zaneti_Jr_%26_Rafael_Alexandria_de_Oliveira.pdf

https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=2225

 

 

A noção de processo estrutural surgiu nos Estados Unidos, a partir do ativismo judicial que marcou a atuação do Poder Judiciário norte-americano entre 1950 e 19703

Tudo começou em 1954, com o caso Brown vs. Board of Education of Topeka. A Suprema Corte norte-americana entendeu que era inconstitucional a admissão de estudantes em escolas públicas americanas com base num sistema de segregação racial. Ao determinar a aceitação da matrícula de estudantes negros numa escola pública até então dedicada à educação de pessoas brancas, a Suprema Corte deu início a um processo amplo de mudança do sistema público de educação naquele país, fazendo surgir o que se se chamou de structural reform

Segundo Owen Fiss, “o sistema de Ensino público foi o objeto do Caso Brown, mas com o tempo as reformas estruturais foram alargadas para incluir a polícia, prisões, manicômios, instituições para pessoas com deficiência mental, autoridades públicas de auxílio à moradia e agências de bem-estar social”6. Ou seja: o modelo de decisão proferida no caso Brown vs. Board of Education of Topeka expandiu-se e foi adotado em outros casos, de modo que o Poder Judiciário dos Estados Unidos, por meio de suas decisões, passou a impor amplas reformas estruturais em determinadas instituições burocráticas, com o objetivo de ver atendidos determinados valores constitucionais.

Problemas estruturais à Processos estruturais à Decisões estruturais

O problema estrutural se define pela existência de um estado de desconformidade estruturada – uma situação de ilicitude contínua e permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que não propriamente ilícita, no sentido de ser uma situação que não corresponde ao estado de coisas considerado ideal. Como quer que seja, o problema estrutural se configura a partir de um estado de coisas que necessita de reorganização (ou de reestruturação).

Há um problema estrutural quando, por exemplo: (i) o direito de locomoção das pessoas portadoras de necessidades especiais é afetado pela falta de adequação e de acessibilidade das vias, dos logradouros, dos prédios e dos equipamentos públicos numa determinada localidade; (ii) o direito à saúde de uma comunidade é afetado pela falta de plano de combate ao mosquito aedes aegypti pelas autoridades de determinado município; (iii) o direito de afrodescendentes e de indígenas é afetado pela falta de previsão, em determinada estrutura curricular do ensino público, de disciplinas ou temas relacionados à história dessa comunidade; (iv) a dignidade, a vida e a integridade física da população carcerária são afetadas pela falta de medidas de adequação dos prédios públicos em que essas pessoas se encontram encarceradas.

Mas os problemas estruturais não se restringem àqueles vivenciados na esfera pública, ou que se ligam aos direitos fundamentais ou às políticas públicas, como a enumeração dos exemplos acima pode sugerir. As ações concursais – como, por exemplo, a falência e a recuperação judicial – também se baseiam em problemas estruturais. Elas partem de uma situação de desorganização, em que há rompimento da normalidade e do estado ideal de coisas, e exigem uma intervenção (re)estruturante, que organize as contas da empresa

O processo estrutural é aquele em que se veicula um litígio estrutural, pautado num problema estrutural, e em que se pretende alterar esse estado de desconformidade, substituindo-o por um estado de coisas ideal.

O processo estrutural se caracteriza por: (i) pautar-se na discussão sobre um problema estrutural, um estado de coisas ilícito, um estado de desconformidade ou qualquer outro nome que se queira utilizar para designar uma situação de desconformidade estruturada; (ii) buscar uma transição desse estado de desconformidade para um estado ideal de coisas (uma reestruturação, pois), removendo a situação de desconformidade, mediante decisão de implementação escalonada; (iii) desenvolver-se num procedimento bifásico, que inclua o reconhecimento e a definição do problema estrutural e estabeleça o programa ou projeto de reestruturação que será seguido; (iv) desenvolver-se num procedimento marcado por sua flexibilidade intrínseca, com a possibilidade de adoção de formas atípicas de intervenção de terceiros e de medidas executivas, de alteração do objeto litigioso, de utilização de mecanismos de cooperação judiciária; (v) e, pela consensualidade, que abranja inclusive a adaptação do processo (art. 190, CPC).

PROCEDIMENTO: constatação do estado de desconformidade à implementação da meta estabelecia na decisão estrutural à Definição do tempo, modo e grau de reestruturação, do regime de transição e da forma de avaliação/fiscalização das medidas estruturantes

Características típicas, mas não essenciais: a multipolaridade, a coletividade e a complexidade

O objetivo imediato do processo estrutural é alcançar o estado ideal de coisas19 – um sistema educacional livre de segregação, um sistema prisional em que sejam asseguradas a dignidade do preso e a possibilidade de ressocialização, um sistema de saúde universal e isonômico, e, também, por exemplo, a preservação da empresa recuperanda.

Tomando por base a lista de exemplos dos problemas estruturais enunciada no item anterior, podemos dizer que são exemplos de processos estruturais aqueles deflagrados por: (i) demanda que visa à concretização do direito de locomoção das pessoas portadoras de necessidades especiais, por meio de um plano de adequação e acessibilidade das vias, dos logradouros, dos prédios e dos equipamentos públicos de uma determinada localidade; (ii) demanda que visa assegurar o direito à saúde e que, considerando o crescimento do número de casos de microcefalia numa determinada região e da sua possível relação com o zika vírus, pugna seja estabelecido impositivamente um plano de combate ao mosquito aedes aegypti, prescrevendo uma série de condutas para autoridades municipais; (iii) demanda que, buscando salvaguardar direitos de minorias, pede que se imponha a inclusão, na estrutura curricular do ensino público, de disciplinas ou temas relacionados à história dos povos africanos ou dos povos indígenas; (

A partir dessas situações pontuais, passou-se a designar como decisão estrutural (structural injunction) aquela que buscasse implementar uma reforma estrutural (structural reform) em um ente, organização ou instituição, com o objetivo de concretizar um direito fundamental, realizar uma determinada política pública ou resolver litígios complexos.

Essa decisão tem conteúdo complexo. Primeiro, ela prescreve uma norma jurídica de conteúdo aberto; o seu preceito indica um resultado a ser alcançado – uma meta, um objetivo – assumindo, por isso, e nessa parte, a estrutura deôntica de uma norma-princípio. Segundo, ela estrutura o modo como se deve alcançar esse resultado, determinando condutas que precisam ser observadas ou evitadas para que o preceito seja atendido e o resultado, alcançado – assumindo, por isso, e nessa parte, a estrutura deôntica de uma norma-regra.

O Supremo Tribunal Federal já proferiu algumas decisões que podem ser consideradas como estruturais20.

Mandado de Injunção nº 708/DF, em que o STF cuidou do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis. Na oportunidade, constatou-se que a omissão legislativa quanto à regulamentação do tema persistia, a despeito de anteriores decisões em que se reconhecia haver mora dos órgãos legislativos. Entendeu-se que, para não se caracterizar uma omissão judicial, era preciso superar essa situação de omissão e, em face disso, determinou-se, entre outras coisas, que se aplicasse ao caso a Lei nº 7.783/1989, que regulamenta o direito de greve dos trabalhadores celetistas em geral, com as adaptações devidas, “enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII)”

Uma das principais características da decisão estrutural é a acentuada intervenção judicial na atividade dos sujeitos envolvidos no processo, sejam eles particulares ou públicos41. Isso impõe a necessidade de revisão de diversos conceitos, como, no caso de decisão que vise à reestruturação de ente público ou a implementação de política pública, a ideia de insindicabilidade do mérito administrativo pelo Judiciário por força da separação dos Poderes. Segundo Sérgio Cruz Arenhart, “é preciso um sistema jurídico maduro o suficiente para compreender a necessidade de revisão da ideia da ‘separação de Poderes’, percebendo que não há Estado contemporâneo que conviva com a radical proibição de interferência judicial nos atos de outros ramos do Poder Público”42. Como consequência disso, é preciso também repensar a ideia de que o Judiciário não pode imiscuir-se na análise do chamado “mérito administrativo”

 

O MP: por ter como características típicas a multipolaridade, a coletividade e a complexidade, bem como visar a implementação de direitos fundamentais, é tema que toca à atuação do MP, enquanto titular da ação civil pública/função essencial à justiça/representante adequado/legitimado universal/palavras/etc.

Em sua atividade fim, busca solucionar litígios estruturais, seja de forma demandista através dos processos estruturais, seja de forma resolutiva (mencionar instrumentos).

Ao recomendar, por exemplo, que determinado município construa: I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;  II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar (art. 35 LMP);

Ademais,  Em ação do MPSC, Justiça determina que Município de Itajaí providencie creche a todas as crianças em fila de espera pelo serviço (https://www.mpsc.mp.br/noticias/em-acao-do-mpsc-justica-determina-que-municipio-de-itajai-providencie-creche-a-todas-as-criancas-em-fila-de-espera-pelo-servico)

o MP visa solucionar um problema estrutural, que não se faz simplesmente através das técnicas decisórias tradicionais de “condenação em obrigação de fazer”, sendo necessário prever metas, prazos, etapas, questões orçamentárias, etc. para essa estruturação.

Igualmente, em exemplo mais complexo, cita-se uma ação civil pública em que o Ministério Público pretenda impor a determinada concessionária de rodovia federal o dever de realizar múltiplas obras na malha rodoviária e no seu entorno, exatamente como previstas no contrato de concessão firmado uma década antes. Imagine que, se implementadas nos exatos termos previstos no contrato, essas obras terminariam por segregar um bairro inteiro, que floresceu nos últimos 10 anos ao redor de certo trecho da rodovia; a implantação de guard rails na rodovia, que corta o bairro ao meio, associada à inexistência, no projeto inicial do contrato, de vias de acesso para veículos, de passarelas para pedestres e de retornos, tudo isso terminaria por impedir – ou, ao menos, por tornar muito difícil – o trânsito de moradores locais de um lado para o outro, segregando famílias e vizinhos.

Nesses casos, a lógica binária do processo individual – que contrapõe os interesses de dois polos (autor e réu), sob a premissa de que esses interesses são sempre antagônicos e de que os interesses dos litisconsortes que eventualmente ocupem cada um desses polos são sempre convergentes – dificilmente se aplica aos processos estruturais.

Embora o Ministério Público seja, por lei, legitimado a dar voz à vontade coletiva, é bem possível que haja, entre o Ministério Público que formulou a demanda e a comunidade do bairro em questão, severa dissintonia de interesses; e entre eles e a concessionária, outras tantas divergências; e ainda entre eles, a concessionária e a agência de regulação (no caso do exemplo, a ANTT), mais tantas discordâncias. São inúmeras as questões potencialmente envolvidas com inúmeras possibilidades de acomodação dos diversos interesses.

 

EPÍLOGO

CONCLUSÃO

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