TRIBUNAS COMPILADAS

CUMPRIMENTO

CUMPRIMENTO O PROCURADOR Geral de Justiça e Presidente DA COMISSÃO de ConcurSO, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEISS,
E estendo AOS MEMBROS da ILUSTRE banca as minhas SAUDAÇÕES.

FALAR DO TEM

O tema que me foi CONFIADO, de extrema relevância nos dias atuais, é o de número ... QUE diz respeito à/ao ...

FALAR DO MP

Nesse contexto, é inegável que o Ministério Público, a partir da Constituição da REPÚBLICA de 1988, ESTRUTURA-SE, tanto no ordenamento jurídico quanto no PLANO INTERNO, como INSTITUIÇÃO permanente e dotada de autonomia, CONSTITUINDO VERDADEIRA cláusula pétrea do sistema brasileiro.

E, SENDO essencial à prestação jurisdicional do Estado, deve ZELAR pelo INTERESSE PÚBLICO primário, promovendo a DEFESA da ordem jurídica, a MANUTENÇÃO do regime democrático e a PROTEÇÃO dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

ISSO PORQUE, no Estado Democrático de Direito, onde o POVO é o titular do PODER SOBERANO, não se concebe que as ATIVIDADES PÚBLICAS, em particular no seu mínimo existencial – como a GARANTIA DA LIBERDADE, saúde, educação, segurança –, sejam TOLHIDAS POR CONTA DE fins escusos e antirrepublicanos.

VISTO SOB ESSA PERSPECTIVA, a Constituição DESTINA ao Ministério Público, de forma prioritária, o cuidado dos mais relevantes INTERESSES da coletividade.


PARA OBTER ÊXITO, CUMPRE-LHE vasto rol de FUNÇÕES, a exemplo do OFERECIMENTO da ação penal pública, a PROPOSITURA do inquérito civil e da ação civil pública, o controle de CONSTITUCIONALIDADE, a representação INTERVENTIVA, a REQUISIÇÃO de diligências e do inquérito policial.


CONCLUSÃO ECA

Traz-se a contribuição da pesquisadora Josiani Petry Veronese, para quem
“O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função, ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este último não se constitua em letra morta. 
No entanto, a simples existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só, não consegue mudar as estruturas. 
Antes há que se conjugar aos direitos uma política social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já positivados”.
Atividade, essa, para concluir, que cabe ao Ministério Público, em conjunto com o Estado, a família e a sociedade, desempenhar.

CONCLUSÃO IDOSO

“Sociedades que excluem seus idosos oferecem poucas oportunidades às novas gerações de construir relações saudáveis com a própria velhice e prejudicam a continuidade cultural. A solução para essas ocorrências depende mais de ações que se cumprem e acompanham no dia a dia do que do voluntarismo ocasional dos idosos ou dos profissionais que os atendem, ou mesmo da existência de leis, decretos ou estatutos” (NERI, 2007, p. 44).
Guimarães Rosa bem disse que “as verdades da vida são sem prazo”.
Hermann Melville bem disse que "Saber envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver."
Jean De La Bruyere bem disse que "Esperamos envelhecer e tememos a velhice; quer dizer, amamos a vida, e tememos a morte. "

CONCLUSÃO TRIBUTO
Nada demonstra tão claramente o caráter de uma sociedade e de uma civilização quanto a política fiscal que o seu setor público adota. (Schumpeter)

CONCLUSÃO MEIO AMBIENTE
“Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, a humanidade irá entender que dinheiro não se come”. (Greenpeace)


CONCLUSÃO ACESSO À JUSTIÇA

Nosso sistema judiciário já foi descrito assim por Mauro Cappelletti e Bryan Garth: “Ele é, a um só tempo, lento e caro. É um produto final de grande beleza, mas acarreta um imenso sacrifício de tempo, dinheiro e talento”.
Como diz Norberto Bobbio, o problema grave do nosso tempo sobre os direitos do homem não é a justificação, e sim a garantia.
E aqui, finalizando com citação de Bryan Garth e Mauro Cappelletti, que bem elucida a busca pela proteção e a justiça dos vulneráveis: “A titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta (Rui Barbisa).
“Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” (Rui Barbosa).

CONCLUSÃO IMPROBIDADE

A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito de bom administrador, o que nos leva a considerar, segundo o legislador grego Sólon (594 a. C), que “O homem desmoralizado não poderá governar”.
O ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética, porque nem tudo que é legal é honesto. A moral comum é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve a finalidade de sua ação: o bem comum (MEIRELLES, Hely Lopes).
“Uma conduta compatível com a lei, mas imoral será inválida”. (Justen Filho, Marçal).

CONCLUSÃO PENAL
Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências. (Pablo Neruda)

CONCLUSÃO LIBERDADE
A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições (Rui Barbosa).


CONCLUSÃO IGUALDADE

Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize (Boaventura de Souza Santos).
Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos).
A força do direito deve superar o direito da força (Rui Barbosa).

CONCLUSÃO ELEITORAL

CONCLUSÃO GENÉRICA

ENCERRAMENTO
Agradeço o tempo que me foi disponibilizado, 
Coloco-me à disposição para eventuais questionamentos
E EXTERNO minha satisfação em estar aqui presente.
Muito obrigada.
Sumário
1. A IMPORTÂNCIA DA CONAMP NA EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 6
2. O uso de algemas - GIAN 7
3. RELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL 9
4. 5. A atuação do Ministério Público como alternativa à prestação jurisdicional - GIAN 11
5. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 14
6. 7. INQUÉRITO CIVIL - FELIPE 16
7. 8. Descriminalização do uso de tóxicos 18
8. Pedido de absolvição pelo Promotor de Justiça no Tribunal do Júri 21
9. 10. Ofensas irrogadas em plenário do júri e os crimes contra a honra 22
10. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO JULGAMENTO DO JÚRI 22
11. LIMITES ÉTICOS NA PERSUASÃO DOS JURADOS 22
12. 14. O Ministério Público e a tutela dos hipossuficientes - GIAN 25
13. Reforma do Judiciário. Emenda Constitucional nº 45/2004.  Esquematização das principais novidades 27
14. DANO MORAL COLETIVO 35
15. 18. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – FELIPE 38
16. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO 40
17. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO 43
18. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO DE ALIMENTOS. 45
19. ADOÇÃO INTERNACIONAL 48
20. A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 50
21. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPUNIDADE 53
22. 25. Pena de Morte e Prisão Perpétua: Visão Crítica 55
23. LITISCONSÓRCIOS  ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS 58
24. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL 60
25. 31. O Ministério Público e a Atividade Político-Partidária 62
26. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INTERESSE PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL 64
REFERÊNCIAS 66
27. RACIONALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL 67
REFERÊNCIAS 69
28. 28. O Ministério Público e o Regime Democrático 69
29. 32.  Relações entre Ministério Público e o Poder Judiciário – DÉBORA 72
30. O CRIME ORGANIZADO E PROPOSTAS PARA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 74
31. - Influência dos cursos de Direito no processo de seleção das carreiras jurídicas 78
32. CASUÍSMO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 80
a) Conseqüências do Casuísmo no Direito Penal 80
33. A ANENCEFALIA E O DIREITO 82
Anencefalia: conceito. 82
34. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: LIMITES E POSSIBILIDADES NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL VIGENTES 86
35. VIDEOCONFERÊNCIA (NO PROCESSO PENAL) 89
36. 39. A Atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição da República 91
37. 40.  Ministério Público nos 20 anos da cidadania – DÉBORA 93
38. A ATUAÇÃO DO MP CONTRA A CORRUPÇÃO E O QUE VOCÊ TEM A VER COM A CORRUPÇÃO? 95
39. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FATOR DE REDUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL. ÁREA CRIMINAL: JUSTIÇA PENAL E PACIFICAÇÃO 98
40. 46. O MP como fator de redução de conflitos e construção da paz social: Áreas da Política Institucional e Administrativa – Interação corporativa e responsabilidade funcional como condição de fortalecimento  institucional. 100
41. 41. A Aproximação do Ministério Público com a sociedade – DÉBORA 103
42. 48.  O Ministério Público na Tutela do SUS 105
43. 49.  O MP e a Proteção do Idoso 108
A atuação do Ministério Público na Proteção dos direitos do idoso. Roberta Terezinha Uvo. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. V.4, n. 8, jan/abr. 2006 – Florianópolis – pp. 123 a 132. 110
44. 50 - A atuação do Ministério Público Estadual na proteção do meio ambiente 111
45. 41. A evolução do Ministério Público e a responsabilidade ambiental – DÉBORA 113
46. DEONTOLOGIA 114
47. 53. MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNÇÕES INSTITUCIONAIS – FELIPE 117
48. 54. NEPOTISMO – FELIPE 119
49. 55. Reformas no Processo Penal – MÁRCIA 122
50. 56. Ações Afirmativas e Política de Cotas na Educação 127
51. PLANO GERAL DA ATUAÇÃO 130
52. SANEAMENTO BÁSICO 134
53. LEI MARIA DA PENHA 137
54. Nova súmula vinculante garante acesso aos autos - Caroline 140
55. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08 - Caroline 142
56. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS 143
57. UNIÃO HOMOAFETIVA 146
58. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA 148
59. SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVATIZAÇÃO – Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) 151
60. SÚMULA VICULANTE 153
61. A prova ilegal no Processo Penal. 155
62. Relativização da coisa julgada material. 158
63. A defesa do consumidor como elemento de fortalecimento da cidadania 160
64. A revisão jurisprudêncial do STJ sobre o alcance objetivo e subjetivo dos efeitos da sentença coletiva 162
65. A LEI MARIA DA PENHA E A ATIVIDADE DO MP 166
66. PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 168
67. O tema que me foi confiado é afeto à tutela do idoso em situação de risco e o Ministério Público. 171
68. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO 174
69. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: LIMITES NA APLICAÇÃO PELO MP 177
70. O CONSELHO NACIONAL DE POLÍCIA E O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 179
71. O instituto da falência e a ação de cobrança 181
72. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 182
73. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E PRISÕES PROCESSUAIS 190
74. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AS PRISÕES CAUTELARES. 193
75. A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E O MINISTÉRIO PÚBLICO 197
76. A redução da maioridade penal 199
77. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AFASTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO - PODER GERAL DE CAUTELA 201
78. LEI MARIA DA PENHA 203
79. O MP E O CUMPRIMENTO EFETIVO DAS DECISÕES JUDICIAIS 205
80. RESIDÊNCIA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA 207
81. Tributação Ambiental: Princípio do preservador premiado ou protetor-recebedor 209
82. 14 - Lei de Responsabilidade Fiscal e a atuação dos municípios. -  Thiago 213
83. OS MEMBROS DO MP COMO AGENTES POLÍTICOS 215
84. UM NOVO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PARCIAL 218
85. ATO INFRACIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA 224
86. Sistema PRISIONAL 228
87. atuação social do mp 231
88. DIFERENÇA DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM RELAÇÃO À DEFENSORIA PÚBLICA 233
89. O ECAD E A FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 236
90. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 240
91. Fungibilidade das Tutelas de Urgência 245
92. O MINISTÉRIO PÚBLICO COM A IMPRENSA 248
93. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 250
94. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 253
95. O Ministério Público e o Planejamento Urbano 256
96. Reflexos da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, nas Justiças Militares Estaduais 259
97. Relacionamento do mp com o poder judiciário 263
98. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA 265
99. A importância do SUS e a sua implementação 269
100. TRANSGÊNICOS E O DIREITO À INFORMAÇÃO 271
101. Tribunal do Júri 273
102. O uso de algemas - GIAN 277
103. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 281
104. O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A CORRUPÇÃO 284
105. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 286
106. OFENSAS NO JÚRI 289
107. O Ministério Público e o Planejamento Urbano 291
108. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 293
109. DEFESA DOS VULNERÁVEIS 297

1. A IMPORTÂNCIA DA CONAMP NA EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Disponível em http://www.conamp.org.br/index.php?a=conamp_historico.php.


A história da CONAMP nasce no final dos anos 60. O país vivia sob a ditadura militar quando o presidente Castelo Branco enviou ao Congresso Nacional um projeto de Constituição, que resultaria depois na Carta de 1967.
Em um período de censura, corria-se o risco de que se centralizasse o modelo do Ministério Público, e que se tivesse o padrão do Ministério Público Federal - o que não convinha aos Estados. Na época, não existia a concepção de que o Ministério Público se dedicasse exclusivamente à defesa da sociedade, o que acabava induzindo o legislador a seguir o modelo federal: o Procurador da República era, ao mesmo tempo, membro do MP e Advogado da União. Um modelo prejudicial, pois o advogado representa o cliente. E o Ministério Público não poderia representar a vontade do Governo e, ao mesmo tempo, defender interesses sociais colidentes com as pretensões do governante. Promotores de Justiça não concordavam com isso.
Por este motivo, enquanto o projeto da Constituição de 67 tramitava no Congresso, membros do Ministério Público estiveram em Brasília para tentar manter os direitos e prerrogativas já assegurados a eles pela Legislação então vigente. Percebeu-se então a necessidade de um organismo de representação nacional, para que os Promotores se fizessem ouvir.
As Associações Estaduais passaram a trocar mais informações, a se unir em um momento em que a palavra autonomia do Ministério Público não era muito receptiva. O Estado do Rio de Janeiro fazia anualmente um congresso, convidando Promotores de todo o Brasil. Foi em um destes encontros que nasceu a idéia de se fundar uma entidade que reunisse todas as Associações do MP do país.
Em 1971, a entidade foi fundada em Ouro Preto, Minas Gerais, para que houvesse cada vez mais um aperfeiçoamento institucional e fosse promovida a defesa dos direitos e interesses gerais dos Promotores. Os pioneiros foram João Lopes Guimarães, Oscar Xavier de Freitas, Lauro Guimarães, Amâncio Pereira, José Cupertino e Castellar Guimarães, Pedro Iroíto, Valderedo Nunes, Massilton Tenório e Jerônimo Maranhão.
O primeiro nome foi Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público - CAEMP. Mais tarde, com a adesão dos ramos do Ministério Público da União, o nome mudou para Confederação Nacional do Ministério Público - CONAMP. Recentemente, a entidade, buscando alcançar legitimação para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade - Adin's, mudou a natureza jurídica e passou a chamar-se Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Mas manteve a sigla CONAMP, por já estar consagrada na história da instituição.
A união de Promotores por meio das Associações e o nascimento da CONAMP levaram o Ministério Público a inúmeras conquistas: em 1981, a Lei Orgânica Nacional do MP (Lei Complementar 40) – a primeira que unificou a organização dos MPs nos Estados.
Em 1985, veio a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347), que conferiu legitimação para o Ministério Público atuar na defesa dos interesses difusos e coletivos.
Já em 1988, o Ministério Público passou a ser uma instituição independente e defensora dos interesses da sociedade, como prevê a Constituição. Muitos estados tiveram dificuldade de adotar o modelo implantado pela Lei Maior, principalmente no que se referia às autonomias administrativa e financeira. Vieram, então, em 1993, a nova Lei Orgânica Nacional - Lei 8.625, dispondo sobre normas gerais para organização do Ministério Público dos Estados e a Lei Complementar 75, sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União. Ambas regulamentaram os avanços obtidos com a nova Carta Política.
Após um período de conquistas e com a consolidação do Ministério Público, foi inevitável o aparecimento de reações contra a instituição e tentativas de se diminuir as atribuições dos Promotores e Procuradores, como a "Lei da Mordaça”, que pretende inibir a atuação livre e independente do MP. Por isso, a CONAMP hoje entra numa nova luta, exercendo um papel de vigília permanente para a manutenção das prerrogativas e atribuições de defesa da sociedade.

2. O USO DE ALGEMAS - GIAN

Inicialmente, cumpre mencionar que embora frequente o uso de algemas na atividade policial repressiva e na rotina de condução de pessoas presas, visando sempre à manutenção da segurança da população, a verdade é que nossa legislação processual penal, até o presente momento, não disciplinou a utilização do objeto em questão, sendo omisso, nesse particular, o nosso Código de Processo Penal. Registre-se que a única referência expressa na legislação, no que diz repeito às algemas, foi taxada no art. 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), dispositivo que remete a regulamentação de seu emprego à emissão de decreto federal, o qual jamais restou elaborado.
Diante da situação lacunosa instalada no que toca ao uso de algemas, a possibilidade de emprego do objeto começou a ser analisada por intermédio de interpretações doutrinárias dos institutos jurídicos em vigor, mas respeitando, principalmente, a disciplina trazida no art. 5º, incisos III (2ª parte) e X, da Constituição Federal, dispositivos estes que proíbem a submissão do agente a tratamento desumano e garantem o direito à intimidade, à imagem e à honra. Vale lembrar que a Carta Magna, em seu art. 1º, prevê como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, regra da qual decorrem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Nesse mesmo passo, convém trazer à tona que as regras mínimas da ONU a respeito do tratamento de prisioneiros, quando trata dos instrumentos de coação, estabelecem que o uso de algemas jamais poderá ocorrer como medida de punição. Inexiste dúvida de que as regras mínimas da ONU não possuem a natureza de norma cogente, mas indubitavelmente serviram como parâmetro para a interpretação da validade do emprego das algemas.
Por outro lado, mesmo não fazendo menção expressa no que refere ao uso de algemas, o Código de Processo Penal, em alguns dispositivos, admite a utilização de força física, desde que a estritamente necessária, nos casos de resistência à prisão ou tentativa de fuga, conforme previsão dos art. 284 e 292 da lei em comento. Dessa maneira, partiu-se do entendimento de que, quando realmente necessário o uso de força, a utilização de algemas poderia ser aceita, a fim de impedir fuga ou conter a violência de pessoa que está sendo segregada. Constata-se, assim, que o emprego do objeto em ações policiais sempre foi tratado de modo excepcional, nas situações relacionadas.
De acordo com o entendimento firmado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) por vezes entendeu que não existiria constrangimento ilegal no uso de algemas, quando necessárias para a ordem dos trabalhos e à segurança da população. Em contrapartida, havia entendimentos na jurisprudência no sentido da anulação de sessões de julgamento pelo Tribunal do Júri, quando da utilização de algemas sem a necessidade fundada na possibilidade de fuga do agente.
Foi assim que, considerando a omissão legal no que toca à possibilidade de utilização de algemas, além da superveniência de decisão no sentido da anulação de julgamento perante o Tribunal de Júri da comarca de Laranjal Paulista/SP, por ter havido o uso abusivo do objeto (HC nº 91.952-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 7/8/2008), o Supremo Tribunal Federal acabou editando, no dia 13 de agosto de 2008, a Súmula Vinculante nº 11, que possui o seguinte teor: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência ou de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Portanto, logo se nota que a posição tomada pelo Supremo, quando da elaboração do enunciado da Súmula Vinculante nº 11, veio apenas referendar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais atinentes à possibilidade do uso de algemas.
Atente-se a patente pertinência das decisões tomadas pelo Supremo, no que diz respeito à anulação do julgamento e edição da Súmula Vinculante nº 11, pois objetivam, sem dúvida, a adequação e coerência na interpretação do uso da algema, além da prevenção ao cometimento de abusos diuturnamente cometidos por agentes policiais no exercício de suas atividades. É bem verdade que tal medida deveria ser tomada no âmbito legislativo ou valendo-se do que a Lei de Execução Penal dispõe acerca da regulamentação do tema, entretanto, não se questiona o objetivo buscado pela Suprema Corte, no sentido de dar concreção aos direitos dos presos, em especial o direito ao resguardo de sua dignidade humana e de sua intimidade. Mencione-se que tal parâmetro serviu como base para vários precedentes do Supremo Tribunal Federal, em casos dessa natureza.
Examinando, ainda que superficialmente, o teor da Súmula Vinculante nº 11, percebe-se que o entendimento firmado pelo STF parte de três requisitos básicos, justificadores do uso de força e, em consequência, do emprego de algemas, quais sejam: a) a indispensabilidade dessa medida; b) a necessidade do meio utilizado; c) a justificação, consubstanciada para a defesa ou para vencer a resistência. Assim se denota a imprescindibilidade da concomitância desses três elementos para tornar legítimo o uso de algemas.
Ressalte-se a preocupação no que pertine à observância dos termos trazidos na Súmula Vinculante nº 11, a fim de que não sejam cometidos abusos, pois: a) eventual abuso constitui crime; b) o desatendimento dos requisitos poderá importar violação ao princípio de presunção de inocência; c) a dignidade da pessoa humana é princípio expresso na Constituição Federal. Portanto, o cuidado do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de taxar que não se proíbe o uso de algemas, mas sim o seu abuso, sendo que estabeleceu parâmetros visando à verificação de eventual excesso, circunstância que tornaria a prisão ou a medida ilegal.
Nesse ponto, importante aduzir que a prisão, mesmo que legal, torna-se humilhante e até mesmo vexatória quando há abuso no uso de algemas, sendo que a previsão não autoriza esse tipo de constrangimento. Desse modo, o uso de algemas deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso. Havendo excesso, poderá estar configurado crime de abuso de autoridade, nos termos do arts. 3º, alínea “i” (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, alínea “b” (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei), ambos da Lei nº 4.898/65.
Por essas razões, que o teor da Súmula Vinculante nº 11 previamente controlou eventual excesso no emprego das algemas, tendo em vista que obriga a fundamentação escrita do modo excepcional que justificará o uso do objeto. Havendo irregularidade nesse ponto, referente à desnecessidade da utilização de algemas, poderá, inclusive, ser tratava a prisão em flagrante como ilegal, importando imediato relaxamento.
Relevante, por fim, apontar que mesmo diante da preocupação tomada pelo STF quanto ao alcance da Súmula Vinculante nº 11, o subjetivismo de seus termos poderá gerar discussões no momento do exame do caso concreto, especialmente no que toca aos limites dos requisitos    de indispensabilidade, necessidade e justificação.
Concluindo, no entanto, deve-se dar todo crédito ao Supremo, pois a Súmula Vinculante nº 11 veio inspirada pelo elogiável intenção de evitar o aviltamento da dignidade da pessoa humana de indivíduos presos, evitando 
excessos e constrangimentos desnecessários.
3. RELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A relação do Ministério Público com os meios de comunicação social pode ser analisada sob duas óticas distintas:
1) o papel do Ministério Público no controle dos meios de comunicação social e;
2) o papel da mídia como instrumento de legitimação social do Ministério Público.  (mais importante e que gera mais desconforto aos que detêm o poder político e econômico).  
1) Após os anos setenta, a mídia tem cada vez mais exercido um papel predominante na formação de opinião pública por dificultar a formação do senso crítico e massificando determinado pensamento. A mídia faz caminhar a imagem do mundo como um todo, com a capacidade de alterar conteúdos e a própria realidade de um determinado fato. Esta característica faz surgir a preocupação com o controle dos abusos nos meios de comunicação. Em nosso ordenamento jurídico, tivemos recentemente dois modelos de controle dos meios de comunicação social: o controle total, caracterizado pela censura do regime ditatorial pós-1964 e a fase de liberdade de imprensa, percebida com o advento da CF/88, e caracterizada apenas pelas recomendações de caráter etário.
Nesta fase em que estamos vivendo percebe-se que o relaxamento do controle dos meios de comunicação fez com que fatores econômicos ditassem as regras da seleção da programação das rádios e canais televisivos, o que por seu turno desvinculou o seu conteúdo do interesse público. Por exemplo, o papel da televisão não é mais o de informar, mas sim, como toda empresa, vender os seus espaços de propaganda. 
Neste sentido o Ministério Público, em face de suas funções institucionais de proteção dos interesses sociais preconizadas pela CF/88, possui legitimidade para exercer o controle dos meios de comunicação social, buscando adequar os excessos das programações aos padrões de normalidade e respeito aos direitos e interesses previstos na Constituição Federal. 
Exemplos desta atuação podem ser sentidos nas ações tomadas pelo Ministério Público:
a) Programa do Ratinho exibido pelo SBT viesse a se adequar aos padrões ditados pela ordem pública, especialmente no que concerne ao respeito à dignidade humana. 
b) Filme Calígula – ofensa ao direito das crianças e dos adolescentes;
c) mais recentemente, a condenação na editora Abril S/A em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa Catarina porque ela divulgou anúncio de circulação nacional intitulado “filhota”. No a anúncio, uma menina obtém autorização do pai para fazer "sexo selvagem" e acordar "a vizinhança toda";
d) igualmente, a condenação da empresa de telefonia Claro, postulada pelo Ministério Público de Santa Catarina, porque veiculou publicidade considerada abusiva. Na peça publicitária, o menino chama o pai de "picareta", porque teria adivinhado o valor da fatura telefônica que a mãe manuseia.
2) Devido às atribuições definidas para o Ministério Público pelo texto constitucional resta claro que este se tornou um dos mais importantes agentes políticos que compõe nossa estrutura social. Esse fato impõe ao parquet um relacionamento estreito com a sociedade, principal destinatária de sua atuação. 
Por isso, deve o Ministério Público divulgar didaticamente sua atuação e demonstrar o sentido e a finalidade de suas ações. O membro do Ministério Público deve considerar que a maior parte da população não tem o mínimo conhecimento de seus direitos básicos e, neste sentido, a divulgação didática e importância de sua atuação, além de legitimar a instituição perante a sociedade também cumpre uma finalidade social, que é a dar à sociedade o conhecimento mínimo de seus direitos e deveres. 
Porém, essa divulgação por meio da imprensa das atuações do Ministério Público deve ser pautada pela precaução e cautela, principalmente quando se tratar de ações penais ou relacionadas à improbidade administrativa. 
É que a imprensa tem o poder de distorcer, ainda que involuntariamente, o sentido das informações apresentadas pelo membro do Ministério Público. Além disso, as informações oferecidas pelo membro do Ministério Público à imprensa podem dar início a chamada publicidade opressiva, que pode estigmatizar uma pessoa inocente perante a sociedade. 
Não faltam exemplos de julgamentos antecipados pela mídia, destacando-se no cenário nacional o caso da Escola Base de São Paulo . O direito à imagem e à intimidade dos “investigados” é o principal argumento contra a divulgação das investigações para os meios de comunicação social e destes para o público. Com a cautela necessária, o membro do Ministério Público evita de ser taxado de autoridade-show e não compromete a imagem da instituição como um todo.  
Outra crítica sofrida pelo Ministério Público está relacionada ao abastecimento da imprensa com notícias de crimes e investigações, que depois são utilizadas pelo próprio Ministério Público como “prova” nas ações que ajuíza. Ou seja, alimenta a imprensa e depois se vale dela para justificar suas ações.   
Os abusos cometidos e das críticas recebidas nasce a vontade política de restringir o campo de atuação do Ministério Público e limitar sua relação com os meios de comunicação social, como, por exemplo, a lei da mordaça, que estipula sanções penais ao agente público que “revelar (...) ou permitir, indevidamente, que cheguem ao conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas”. 
Disso tudo, pode-se concluir que:
a) No controle dos abusos dos meios de comunicação social o membro do Ministério Público deve se pautar pelos termos da lei, pelo interesse público e pela própria convicção.
b) No uso da mídia como instrumento de legitimação da atuação do Ministério Público, o Promotor ou Procurador de Justiça deve agir com cautela e 
procurar sempre fazer deste um canal em benefício da sociedade e da 

própria instituição. 

4. 5. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ALTERNATIVA À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - GIAN
De início, necessário mencionar que o Ministério Público é classificado na Constituição Federal como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas, referentes ao órgão e a sua atuação em juízo. Muito embora a legislação discipline o exercício de atividades que se empreendem essencialmente em juízo, o Ministério Público também possui instrumentos efetivos na esfera extraprocessual, revelando-se parcela substancial da atuação ministerial.
Sempre que possível, é preferível que o Ministério Público atue extraprocessualmente, de modo a evitar o dificultoso caminho das ações judiciais. Mais que simples recomendação, tal atuação é dever do membro do Ministério Público. Nesse ponto, disciplina o art. 82, inciso IV, da Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina que: “são funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável, realizar audiências públicas sobre temas afetos a sua área de atuação, visando dirimir, prevenir conflitos e buscar soluções, envolvendo a sociedade civil e os setores interessados”. Da mesma forma, prescreve o art. 81 da referida lei: “o órgão do Ministério Público, nos inquéritos civis ou nos procedimentos administrativos preparatórios que tenha instaurado, e desde que o fato esteja devidamente esclarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos, compromisso do responsável quanto ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou das obrigações necessárias à integral reparação do dano, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Atente-se que existem disposições correlatas na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e na Lei do Ministério Público da União, sedimentando a atuação extraprocessual da instituição.
Como decorrência da obrigação institucional de defesa do regime democrático, o órgão do Ministério Público deve exercer sua atuação extraprocessual observando dois aspectos em especial: a) colaborando com o processo de organização da sociedade civil; b) implementando o contato com a sociedade. No que diz respeito à colaboração na organização social, o órgão ministerial deve manter relação próxima com entidades que tenham objetivos relacionados a suas funções institucionais, as quais fornecerão ao Ministério Público informações, subsídios e orientações técnicas para o aprimoramento da instituição. Com relação à aproximação com a sociedade, cumpre ao membro Ministério Público manter contato constante com associações de moradores, sindicatos, comunidades de base ou qualquer outro agrupamento organizado de cidadãos que busque a defesa de direitos ou a realização de um fim social. Nesse aspecto, vê-se, frequentemente, a atuação ministerial na realização de audiências públicas, com objetivo de solucionar problemas que afetam diretamente a comunidade.
De outra parte, necessário referir que os principais focos desta atuação extrajudicial são conflitos envolvendo interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, os quais por vezes são solucionados por meio dos compromissos de ajustamento de condutas. É bem verdade que a esta atuação preventiva da instituição não fica circunscrita a atividades na defesa de interesses difusos e coletivos, pois o órgão ministerial também terá a oportunidade de atuar previamente em outras áreas. São exemplos a defesa de interesses individuais indisponíveis, ainda que não homogêneos (p. ex., num conflito envolvendo a prestação de alimentos a menor, bem poderá o Ministério Público referendar um instrumento de transação entre o devedor da prestação e o representante do menor, o qual terá a natureza de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil). Pode-se citar, ainda, sua atuação na área dos direitos da criança e do adolescente, por intermédio da concessão da remissão, antes mesmo de iniciado o processo judicial para a apuração de ato infracional, o que acarreta exclusão do processo em tela, na forma do disposto no art. 126 da Lei nº 8.069/90.
Vamos nos fixar, entretanto, nos conflitos que envolvem os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, tendo em vista constituírem o campo onde a atuação do Ministério Público, como alternativa à prestação jurisdicional, se encontra mais desenvolvida.
Nesse particular, o primeiro caso de atuação extrajudicial do Ministério Público que se tem notícia, envolvendo interesses dessas espécies, ocorreu em 1980 e ficou conhecido como o caso da “Passarinhada do Embu”, referente a uma ação civil pública movida contra Prefeito da cidade, que havia oferecido a seus correligionários um churrasco de cinco mil passarinhos. Após a condenação definitiva do Prefeito no processo de conhecimento, transacionaram as partes – Prefeito e Ministério Público –, durante o processo de execução, no sentido de que o pagamento da condenação seria realizado em diversas parcelas, assegurado o recolhimento de juros e correção monetária.
Ainda não possuíamos na época, contudo, legislação que legitimasse a transação destes direitos, o que era essencial, tendo em vista que, tratando-se de interesses transindividuais, em tese, não poderiam os legitimados extraordinários disporem sobre o conteúdo material da lide. A consagração da possibilidade excepcional de transação nessas espécies de ações surgiu somente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu art. 211 dispôs que os órgãos públicos legitimados poderiam tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual teria eficácia de título executivo extrajudicial. A atuação preventiva, contudo, era limitada à resolução de conflitos envolvendo crianças e adolescentes. Entretanto, não tardou para que adentrasse em nosso ordenamento jurídico o Código de Defesa do Consumidor, legislação que, ao inserir um novo parágrafo ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, permitiu fosse celebrado compromisso de ajustamento em matéria relacionada à tutela de qualquer interesse transindividual.
Portanto, a transação nas ações para defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ganhou nome especial: compromisso de ajustamento de conduta. Ressalte-se que tal instrumento de atuação preventiva não é exclusivo do Ministério Público, podendo dele se utilizar qualquer dos órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva.
Assim, as principais características do compromisso de ajustamento de conduta são as seguintes: a) é tomado por termo por um dos órgão públicos legitimados à ação civil pública (por isso muitas vezes os operadores jurídicos a ele se referem como termo de ajustamento de conduta); b) por meio dele o causador do dano assume obrigação de fazer ou não fazer ou mesmo de indenizar o dano, sob pena de multa cominatória, podendo, caso não honradas as obrigações pactuadas, ser executado; c) não são necessárias testemunhas; d) em regra, não é colhido nem homologado em juízo, o que não impede que venha a ser, caso a transação só ocorra após o ajuizamento da ação civil pública ou coletiva.
O compromisso de ajustamento de conduta, uma vez firmado pelo Ministério Público e independentemente de homologação do Conselho Superior da instituição, torna-se plenamente eficaz. Pode, porém, tratando-se de compromisso de ajustamento tomado antes da propositura da ação judicial, o Conselho rever o ato e, se entender insatisfatória a solução alcançada, determinar outras diligências no inquérito civil ou até mesmo determinar a propositura de ação civil pública por outro membro da instituição. Caso o compromisso tenha sido tomado após a propositura da ação judicial, ensina a doutrina que, entendendo-o o juiz inadequado, deve, em analogia com o disposto no art. 9º da Lei da Ação Civil Pública, remeter os autos ao Conselho Superior do Ministério Público.
Cabe consignar que, após tomado o compromisso de ajustamento de conduta, deve o Ministério Público velar pelo seu efetivo cumprimento e, em caso de não observância dos termos pactuados, aí sim buscar a tutela estatal por meio de processo de execução.
Concluindo, resta clara a atuação do Ministério Público como alternativa à Prestação Jurisdicional, sendo que sua atividade pode partir de diversas possibilidades, das quais se destaca o compromisso de ajustamento de conduta.
5. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu em nosso ordenamento um novo Ministério Público, voltado para o exercício de relevantes atribuições na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis.
Nesse contexto, dentre as várias funções institucionais atribuídas ao Ministério Público, encontradas no art. 129 da Constituição Nacional, destaca-se o exercício do controle externo da atividade policial, objetivando, assim, a fiscalização de atos que digam respeito à chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações penais, quando exercidas pela Polícia Civil. Pode, ainda, o Ministério Público, excepcionalmente, controlar as atividades da Polícia Militar, desde que esta esteja atuando na função de polícia judiciária repressiva, como nos casos do Inquérito Policial Militar.
Tal função institucional e constitucional fundamenta-se na defesa da ordem jurídica e, principalmente, na defesa do regime democrático, e tem por origem abusos cometidos pela polícia durante o período da Ditadura Militar.
No Estado Democrático de Direito, é de fundamental importância a participação efetiva de uma instituição capaz de conter os arroubos autoritários verificados em face do Estado. Daí a função do Ministério Público no controle da atividade policial, fazendo com que esta atue sempre pautada nos princípios constitucionais e legais regentes do inquérito policial, salvaguardando a sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos constitucionais sociais e individuais indisponíveis.
Com este desiderato, a Constituição Nacional garante à instituição ministerial sua independência funcional, tendo o constituinte originário desmembrado o liame que a vinculava e a subordinava ao Executivo, conforme previa o ordenamento constitucional anterior.
Com a edição da Carta Constitucional de 1988, coube ao Ministério Público a titularidade exclusiva da Ação Penal Pública, com a única ressalva da Ação Penal Privada Substitutiva, na hipótese de omissão daquele. Daí porque ser o maior interessado na verificação da normalidade e eficácia com que se procedeu ao procedimento investigatório do delito, diga-se, o Inquérito Policial, do qual se servirá para formação de sua opinio delicti, para eventual propositura da peça acusatória.
O controle externo da atividade policial tem a exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste controle. Não há, portanto, poder disciplinar. Em tais casos, a própria Administração Pública detém o poder de controlar os seus próprios atos, através da chamada autotutela administrativa, consoante entendimento evidenciado pela súmula 473 do STF: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, por que deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Por duas razões básicas a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. Primeiramente, para garantir a qualidade da investigação, estando o Parquet na condição de seu destinatário imediato, principalmente no que se refere à fidelidade e voluntariedade dos testemunhos, bem como para dar maior valoração à prova técnica, visando revestir o inquérito policial de elementos fortes de convencimento, e suficientes à propositura da ação penal. Ou seja, o controle externo deve ser entendido como um instrumento de realização do jus puniendi. Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia, sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo. Além disso, Constituição da República, ao conferir ao Ministério Público a atribuição do controle externo, teve em vista a teoria da separação de poderes, conjugada com a teoria de freios e contrapesos.
Encontram-se, na Lei Complementar n.º 75, de 25/05/93, e na Lei n.º 8.625, de 12/06/93, vários dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo, pelo órgão ministerial, das atividades policiais. Saliente-se que as regras referentes ao Ministério Público da União são subsidiariamente aplicáveis aos Ministérios Públicos dos Estados, por expressa disposição legal (art. 80, Lei 8.625/93).
Regulamentando o art. 129, VII, da Constituição Federal, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 20, de 28.05.2007.
No Estado de Santa Catarina, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público está devidamente regulado pelo Ato 63/2006, da Procuradoria Geral de Justiça.
Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas ao Ministério Público, ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; promover a ação penal por abuso de poder.
Não se deve esquecer que, de acordo com o art. 129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições, notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas cabíveis no âmbito administrativo e judicial.
Munido dos instrumentos legais supra, revela o Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção da justiça.


REFERÊNCIAS

TOLEDO NETO, Geraldo do Amaral. O Ministério Público e o Efetivo Controle da Atividade Policial. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2812.
PALADINO, Carolina de Freitas. Investigação pelo Ministério Público e controle externo da atividade policial: limites e possibilidades. Disponível em http://www.lfg.com.br.
FONTANELLA, Ricardo. Controle Externo da Atividade Policial. Disponível em www.mp.rr.gov.br/Intranet/pageDirectory/artigos/controleexterno.pdf.
LUZ, Rafael Meira e ZIESEMER, Henrique da Rosa Obrigatoriedade do inquérito policial: insegurança e retrocesso. Disponível em www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_materia_capa.php&ID_MATERIA=2969.
6. 7. INQUÉRITO CIVIL - FELIPE
O inquérito civil foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 7.347/85, em seus arts. 8º, § 1º, e 9º. Com a boa receptividade que teve, foi constitucionalizado na mesma década pela Carta Magna de 1988, que, no art. 129, inciso III, previu-o como uma das funções institucionais do Ministério Público. Depois da promulgação da Constituição da República, alguns outros diplomas legais trouxeram a figura do inquérito civil, com textos semelhantes àquele da Lei da Ação Civil Pública. Foi o que fez a Lei nº 7.853/89 (dispõe sobre apoio a portadores de deficiência física), Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Lei nº 8.628/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e Lei Complementar nº 75/2000 (Lei Orgânica do ministério Público da União). Com isso, o inquérito civil ampliou seu objeto, passando a ser o instrumento capaz de amealhar elementos para o ajuizamento de Ação Civil Pública, visando a defesa dos interesses individuais indisponíveis, além dos interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos.
O inquérito civil é um instrumento administrativo, pré-processual, que se realiza extrajudicialmente. É privativo do Ministério Público, constituindo meio destinado a coligir provas ou quaisquer outros elementos de convicção, que possam fundamentar a atuação processual do Parquet. Em suma, é um procedimento preparatório destinado a viabilizar o exercício responsável da ação civil pública. Com ele, frustra-se a possibilidade, sempre eventual, de instauração de lides temerárias.
Além da exclusiva titularidade do Ministério público, o inquérito civil possui como características a facultatividade, a inquisitividade, a publicidade mitigada, a formalidade restrita e a auto-executoriedade. 
A instauração do inquérito civil não é obrigatória. Se o Ministério público possuir outros elementos de convicção para o ajuizamento imediato da ação civil pública (representação de terceiros, outros procedimentos administrativos, inquérito policial, etc), poderá fazê-lo. Em outras palavras, o inquérito civil é útil, mas não imprescindível para o ajuizamento da demanda.
Diz que o inquérito civil é inquisitivo, pois a ele não se aplicam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Não se trata de processo administrativo (com possível aplicação de sanção ), mas procedimento preparatório.
A despeito de ser inquisitivo, o inquérito civil é público, em regra. Deve respeitar o princípio constitucional da publicidade (tanto em sua instauração quanto em seu arquivamento). No entanto, quanto à vista dos autos, pode-se determinar o seu sigilo por necessidade da própria investigação.
O inquérito civil possui, ainda, como característica a formalidade restrita. As normas que disciplinam sua instauração e tramitação têm caráter administrativo, de organização interna da própria instituição. Eventuais irregularidades não têm o condão de invalidar a ação civil pública ajuizada.
Por fim, o inquérito civil é auto-executável. Detém o Ministério Público o poder de realizar por si próprio as diligências investigativas ou de determinar sua realização diretamente a terceiros.
No tocante as fases do inquérito civil, têm-se: 1) instauração; 2) instrução; e 3) conclusão.
A instauração do inquérito civil, nos termos do art. 2º da Resolução n. 23 do CNMP, se dará: I – de ofício; II - em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização; e III - por  designação do Procurador-Geral  de  Justiça,  do Conselho Superior  do Ministério Público, Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos cabíveis. A instauração é feita por portaria (art. 4º da Res. 23 do CNMP).
N instrução, o Ministério Público detém amplos poderes para produzir provas suficientes para o aforamento da Ação Civil Pública. O órgão ministerial pode realizar as diligências investigativas ou determinar a sua realização diretamente a terceiros, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário ou qualquer outro ente público. Dentre os poderes investigativos conferidos ao Parquet podemos citar: requisição de entrega de certidões e documentos, realização de exames e perícias, uso de força policial, poder de notificação para depoimentos e esclarecimentos, poder de inspeção e requisição de matérias protegidas por sigilo.
Possível, no bojo do inquérito civil, o Ministério Público expedir recomendação e firmar compromisso de ajustamento de conduta (art. 5º, § 6º, Lei 7.347/85).
As recomendações devem ser devidamente fundamentadas, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como aos demais interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover (art. 15 da Res. 23 do CNMP). O compromisso de ajustamento de conduta, por sua vez, é firmado com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados (art. 14 da Res. 23 do CNMP).
Na conclusão do inquérito civil, ou ele é arquivado (art. 9º da Lei 7.347/85) ou o Ministério Público ajuíza a ação civil pública.
Esgotadas todas as possibilidades de diligências, caso se convença da inexistência de fundamento para a propositura de ação civil pública, o membro do Ministério Público promoverá, fundamentadamente, o arquivamento do inquérito civil (art. 10 da Res. 23 do CNMP). Essa promoção de arquivamento deve ser submetida, em três dias, ao Conselho Superior do Ministério Público. Este órgão colegiado pode: 1) homologar o arquivamento; 2) converter o julgamento em diligências; e 3) rejeitar a promoção de arquivamento, designando outro membro para a propositura da ação.
De outro lado, havendo provas ou quaisquer outros elementos de convicção da lesão aos interesses e direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, o ajuizamento da ação civil pública é medida que se impõe.
No âmbito do Ministério Público catarinense, o inquérito civil está regulamento pelo ato 81/2008/PGJ.
Trata-se, portanto, de importante instrumento destinado privativamente ao Ministério Público. Mais do que um eficiente instrumento de investigação, o inquérito civil tem sido um meio extrajudicial de solução de conflitos, não só pela pactuação de compromissos de ajustamento de condutas, como também pela realização imediata, por parte dos infratores, de atos voltados à prevenção ou reparação de danos, em atendimento a solicitações informais apresentadas por membros da instituição.

7. 8. DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE TÓXICOS
Droga é toda substância entorpecente que causa no homem alteração em seu estado psíquico, dando-lhe sensação de mudança da realidade.
Por convenção legal, no Brasil algumas são toleradas socialmente e outras não.
A Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, é a nova Lei Antitóxicos.
Essa lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção do usuário e dependentes de drogas, e estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito, além de definir ilícitos penais.
As Leis n. 6.368/76 e 10.409/02, que tratavam do tema, foram expressamente revogadas.
O tratamento jurídico dispensado ao usuário de drogas é um tema que, com a edição da Lei 11.343/06, em seu art. 28, tem sido foco de constantes críticas e ensejado posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes.
A descrição do tipo penal, embora tenha se mantido próxima da anterior (art. 16, da Lei 6.368/76), refere-se agora ao consumo pessoal de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal:
Lei n. 6.368/76, art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Lei n. 11.343/06, art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas.

Há posicionamento no sentido de que a posse de droga para consumo pessoal deixou de ser formalmente crime, bem como há entendimento a conduta continua a ser crime. Uma terceira tese, classifica-a como uma nova infração penal, ao lado das contravenções penais e dos crimes.
A primeira corrente, a discussão em volta da descriminalização do uso de drogas seria hipótese de abolitio criminis, para tanto, ele se vale do artigo 1º da LICP. Segundo Luiz Flávio Gomes, se crime é a infração penal punida com reclusão, a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta não conduzem a nenhum tipo de prisão. Tampouco passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa).
Para a segunda corrente (Capez e Nucci), o fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e as pena (Capítulo III), além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei), portanto, caráter de infração de ínfimo potencial ofensivo.
Há, ainda, uma terceira corrente, que sustenta que o art. 28 encerra nova infração penal, ao lado dos crimes e das contravenções penais, tendo sido operada uma “descriminalização branca”. Os defensores dessa tese afirmam que, em termos de Política Criminal, a Lei de Drogas não atendeu à corrente doutrinária que defendia a pura e simples descriminalização da conduta consistente no porte para uso pessoal de substância entorpecente. Mas, também não manteve a solução da lei anterior, que cominava pena privativa de liberdade para esse tipo de infrator.
Isto porque, a rigor, a conduta de porte para consumo pessoal não pode ser considerada crime ou contravenção, que são as duas espécies de infração admitidas em nosso sistema penal. Nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, crime é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. 
Concluem asseverando que a Lei Antidrogas acabou criando uma nova espécie de infração criminal para a qual foram cominadas penas distintas da detenção e da reclusão. Assim, a partir de agora, nosso sistema penal estaria convivendo com duas espécies de crimes, quanto à natureza das penas cominadas. A conduta típica de consumir drogas seria o único crime não punido com pena de detenção ou reclusão, enquanto que todos os demais crimes, previstos no Código Penal ou nas leis especiais, continuariam legalmente classificados pela marca da pena privativa de liberdade.
Nada obstante as correntes contrárias, analisando-se os termos do dispositivo legal que trata do porte de drogas para consumo próprio, observa-se que o legislador, em vários momentos, sinalizou sua manutenção como crime, seja inserindo-o no Capítulo “Dos Crimes e das penas”, seja ao afirmar que quem cometer uma das condutas descritas no caput do artigo 28 será submetido às penas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
E não há que falar em contrariedade ao art. 5º, XLVI, da Constituição da República, porquanto esse dispositivo prevê que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes”.
A pena de advertência - até então, desconhecida do Direito Penal brasileiro - representa uma autêntica inovação, e consiste no esclarecimento, pelo juiz, ao condenado, sobre as conseqüências, nocivas à saúde, do uso de drogas. 
A pena de prestação de serviço à comunidade já integra o rol das penas restritivas de direitos previsto no art. 43, do CP.
Quanto à medida educativa de comparecimento a programa ou curso, trata-se de sanção penal nova. Deve o programa ou curso ser previamente habilitado para que a nova medida possa ser aplicada pelo juiz.
Desta forma, o fato de o art. 28 da Lei n. 11.343/06 não mais prever (assim como fazia a Lei n. 6.368/76) a aplicação de pena privativa de liberdade em caso de posse de droga para consumo pessoal, não lhe retira o caráter criminoso e punível do fato. 
O STF, no RE-QO 430105/RJ, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, adotou a segunda corrente, consolidando o entendimento doutrinário já prevalecente, de que o art. 28 da nova lei de drogas não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal. E, para tal conclusão, sustentou os seguintes argumentos: 
1. “O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII)”. 
2. “Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30)”. 
3. “Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30)”. 

Diante do exposto, conclui-se pela não descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, continuando as condutas previstas no art. 28 da Lei 11.343/06, não obstante a não aplicação de pena privativa de liberdade, serem consideradas crimes e, como tal, penalizadas.
Nesse contexto, a Lei 11.343/06 apresenta o artigo 28 como uma medida despenalizadora mista, pois as hipóteses dos incisos I e III (advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento a programa ou curso educativo) configuram medidas despenalizadoras próprias ou típicas, pois afastam, por completo, a aplicação de uma pena – aplica-se uma medida educativa, e a hipótese do inciso II configura medida despenalizadora imprópria ou atípica, pois apesar de evitar a prisão, não afasta a aplicação de uma pena prevista na Constituição da República (art. 5º, XLVI, "d") e no Código Penal (art. 32, II, c/c art. 43, IV, CP) - prestação de serviços à comunidade.
Vale destacar, por fim, que o maior significado penal dessa alteração foi, sem, dúvida a opção por uma Política Criminal de rejeição da prisão como instrumento válido de resposta punitiva à conduta do consumidor de drogas.


Fontes:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4460/Houve-descriminalizacao-da-posse-de-drogas-para-consumo-pessoal
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2922/Politica-criminal-e-a-Lei-no-11343-2006-descriminalizacao-da-conduta-de-porte-de-drogas-para-consumo-pessoal
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8949
http://jusvi.com/artigos/37125
8. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI
O tema a ser discutido é o pedido de absolvição pelo Promotor de Justiça no Tribunal do Júri.

Primeiramente, deve-se levar em consideração que o Promotor de Justiça não pode ser visto como acusador insano, querendo de todas as formas condenar o réu mesmo diante da comprovação efetiva de total irresponsabilidade pela prática do crime que lhe foi imputado.

Aliás, diante do novo Sistema Constitucional, compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme estabelece o art. 127, da Carta Magna, circunstância que evidencia a necessidade de os membros buscarem a efetivação da verdade processual e não a condenação de alguém a qualquer custo, incumbência habitualmente relegada aos assistentes de acusação. 

Os membros do Ministério Público não são acusadores autômatos, máquinas produzidas para, infalivelmente, acusar, tendo a obrigação primordial de zelar para que haja justiça nos julgamentos.

Existem abalizados julgamentos no sentido de que deve ser utilizada a regra exposta no art. 385, do Código de Processo Penal, que por extensão e na falta de outro dispositivo, aplica-se também ao processo dos crimes da competência do Júri.

Outrossim, o Promotor de Justiça precisa atuar com ética, analisando o réu não como mero objeto do processo, mas como sujeito de direitos para o qual a Constituição Federal previu uma série de garantias processuais que devem ser obrigatoriamente respeitadas.

Ademais, já se foi a época que o Promotor de Justiça era um cego e sistemático acusador público, perseguidor implacável do réu, profissional que representava a sociedade e tentava a todo custo a condenação, pouco importando que tivessem sido dadas ao acusado as condições plenas de provar a sua inocência. Ele não pode contribuir para a condenação de alguém, sem que para isso haja justa causa indiscutível, ou seja, uma consistência probatória tendente a efetivar a responsabilização penal absoluta do réu, principalmente ante a existência de um leque probatório à sua disposição.

A propósito, o Promotor de Justiça deve ser imparcial, pois ao mesmo tempo em que lhe cabe a condição de parte acusadora, deve promover e fiscalizar a lei, nos termos do art. 257, do Código de Processo Penal.

Embora a acusação pública seja feita em nome da sociedade, jamais pode ser movida por sentimentos de ódio ou vingança, deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas numa eloqüência vazia de argumentação.

O verdadeiro papel do Promotor de Justiça é a busca incessante da justiça. Por isso, é seu dever propugnar pela verdade real, zelar cuidadosamente para que os julgamentos sejam imparciais, tentando evitar, assim, eventual erro judiciário.

Atue na área criminal ou não, o membro do Ministério Público deve procurar sempre a verdade, devendo conhecer com altivez, quando for o caso, a improcedência da sua pretensão.

Em face do preceito constitucional, a instituição do Ministério Público deve ser sempre legal e juridicamente democrática, cuidando para que haja coerência em todos os julgamentos, sejam eles proferidos pelo Juiz Singular ou pelo Tribunal do Júri, sendo certo que tais ações caracterizarão, sem sombra de dúvidas, o verdadeiro, real e responsável papel de guardião da Constituição da República e fiscal da lei.

Então, se estiver presente no julgamento em plenário do Júri qualquer causa que possa redundar na decretação da inocência do réu pronunciado por quaisquer dos crimes dolosos contra a vida, cumpre ao Ministério Público, operador do direito e defensor do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis (dentre os quais a liberdade de um cidadão que foi injustamente acusado da prática de um delito), postular sua absolvição, mesmo que ele seja condenado posteriormente pelo Conselho de Sentença.
Assim, estará cumprindo seu mister institucional, bem como tranqüilizando sua consciência, posto que a função de Promotor de Justiça não se coaduna com a possibilidade de ser cometida qualquer injustiça.
Concluindo, cumpre salientar que o próprio Montesquieu já deixou registrado que “a injustiça feita a um é uma ameaça feita a todos”.
(O texto acima foi extraído do material para a prova de Tribuna que foi elaborado pelos candidatos do Concurso do MP/SC de 2005). 

9. 10. OFENSAS IRROGADAS EM PLENÁRIO DO JÚRI E OS CRIMES CONTRA A HONRA

O Código Penal tipifica, nos artigos 139 a 140, os crimes contra a honra, que são: calúnia, injúria e difamação.
Honra é o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua auto-estima. Divide-se em: honra objetiva (sentimento que o grupo social tem a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de alguém) e honra subjetiva (sentimento que cada um tem acerca dos próprios atributos).
O Código Penal pune quem caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime (calúnia); quem difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (difamação); e quem injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (injúria).
A calúnia e a difamação ferem a honra objetiva, sendo necessário à consumação o conhecimento de terceiros, enquanto a injúria atinge a honra subjetiva, consumando-se quando a ofensa chega ao conhecimento do ofendido.
O Código Penal prevê, no art. 142, algumas causas de exclusão da antijuricidade dos crimes de difamação e injúria, dentre as quais se destaca a do inciso I, também chamada de imunidade judiciária, segundo a qual não constitui injúria ou difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.
Quanto à natureza jurídica desse dispositivo, a doutrina diverge: o art. 142 contém causas excludentes de ilicitude; b) a hipótese é de inexistência do elemento subjetivo do tipo, afastando a tipicidade penal; e c) trata-se de causa excludente da punibilidade. Prevalece o entendimento de que o art. 142 elenca causas excludentes de ilicitude ou da antijuridicidade, de maneira que haverá o fato típico na injúria e na difamação, porém, nas hipóteses elencadas, ele não será antijurídico.
Essa excludente abrange tanto a ofensa oral, que pode ocorrer em Júris e debates em audiência, quanto a ofensa escrita, por meia de petições, alegações finais, recursos e outras peças processuais, desde que exista nexo entre a ofensa e a discussão da causa.
Vale destacar que o dispositivo abrange apenas ofensas feitas em juízo, que não consistam na imputação de crimes, porquanto apenas afasta a difamação e a injúria.
Ponto que precisa ser esclarecido refere-se aos limites subjetivos (ativo e passivo) da imunidade judiciária.
No que concerne aos limites subjetivos, é necessário que a conduta tenha sido praticada pela parte ou seu procurador, tal como dispõe expressamente o texto legal, ou pelo Ministério Público quando intervir como parte processual. Parte é qualquer dos sujeitos da relação processual: autor, réu, litisconsorte e interveniente etc.; procurador, por sua vez, é o representante legal da parte com capacidade postulatória, ou seja, o advogado, que "é indispensável à administração da justiça" (art. 133 da CF, 1a parte).
Ainda, no caso do Ministério Público, o art. 41, V, da Lei n. 8.626/93 (LONMP) prevê a inviolabilidade dos membros do MP pelas opiniões externadas ou pelo teor de suas manifestações processuais ou em procedimentos, nos limites de sua independência funcional.
Outros "agentes processuais", como, por exemplo, juiz, escrivão, perito, testemunha não estão acobertados pela imunidade judiciária, podendo, eventualmente, resguardarem-se pelo inciso III, na condição de funcionário público ou, ainda, pelo art. 23, III (1a parte), desde que ajam no "estrito cumprimento de dever legal".
Como o texto legal não refere que a injúria ou difamação deve ser dirigida contra a parte contrária ou seu procurador, não exclui a imunidade mesmo quando a ofensa é dirigida contra alguém estranho à relação processual (exemplo: testemunha, perito ou qualquer terceiro), desde que haja conexão com a causa em discussão. Essa ausência de restrição legal adequa-se ao princípio da ampla de defesa.
Há divergências apenas no tocante à ofensa ao juiz. Para alguns aí existiria o crime, por ser o magistrado imparcial e presidir o processo. Para outros não subsiste a ofensa uma vez que a lei não ressalva, além do que eventual ofensa, ainda que relacionada ao processo, poderia configurar desacato.
No caso dos advogados, o art. 133 da Constituição da República dispõe que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seu atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Essa lei era justamente o artigo 142, I, do Código Penal. Porém, com relação aos advogados, surgiu uma regra especial que se encontra no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB):
O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.

Trata-se de regra mais abrangente, pois exclui a injúria e a difamação até fora do Juízo estendendo-se à esfera policial, civil, comissão parlamentar de inquérito etc. Não ficando também restrita a causa sub iudice, bastando que esteja no exercício regular da advocacia. 
Por essa regra, aplica-se o art. 142, I, apenas a quem não exerce a advocacia, já que para estes prevalece o tratamento especial do artigo 7º, § 2º, do Estatuto da OAB.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1127 e 1105 que questionavam diversos dispositivos do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94), julgou constitucional a norma que estabelece que no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações. Todavia, derrubou a expressão “ou desacato” no parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto. Com essa decisão, o desacato passou a ser punido.
Quanto aos limites objetivos, a regra é a mesma para o Júri, para audiências ou mesmo no caso de ofensas em petições. Para que haja a exclusão, a ofensa deve relacionar-se diretamente com a causa em questão, ou seja, somente incidirá a excludente se a ofensa irrogada em juízo tiver nexo com a discussão da causa. Logo, dois requisitos precisam fazer-se presentes: a) que a ofensa seja irrogada em juízo; e b) que se relacione com a causa em discussão, havendo, necessariamente, relação causal entre o embate e a ofensa.
A excludente, neste caso, justifica-se por duas razões básicas: de um lado, para assegurar a mais ampla defesa dos interesses postos em juízo, sem o receio de que determinado argumento ou determinada expressão possa ser objeto de imputação criminal; de outro lado, a veemência dos debates, o ardor com que se defende esses direitos pode resultar, eventualmente, em alusões ofensivas a honra de outrem, embora desprovidas do animus ofendendi.
Em suma, deve-se ter em mente que é o ânimo de debater, movido pelo interesse público e pela utilidade processual, que justifica a exclusão do crime, e não de ofender a honra dos denunciantes, havendo limites à imunidade judiciária.

Fonte:
Capez
Sinopse 8
http://www.conjur.com.br/2006-mai-17/supremo_derruba_dispositivos_estatuto_advocacia

10. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO JULGAMENTO DO JÚRI


O funcionamento do Tribunal do Júri é pautado pela conjugação do entendimento do senso comum de justiça do homem, representado pelo jurado, com a aplicação técnico-jurídica do conhecedor do Direito (o Juiz togado). Sua essência reside, pois, não na idéia de que os leigos em Direito julgam melhor do que os conhecedores da técnica jurídica, e sim na lógica de que uma pena quase não deve ser aplicada enquanto a culpa não for manifesta aos olhos do senso comum.
Paralelamente a isso, tem-se o papel da imprensa na construção, solidificação e expansão da democracia, uma vez considerado que, inegavelmente, as informações veiculadas na mídia influenciam sobremaneira a opinião pública, como tal considerada o senso comum vigente na sociedade civil a respeito de um determinado assunto. Contudo, sem liberdade de imprensa certamente não há democracia. 
De todo modo, as relações entre imprensa e o Poder Judiciário nunca deixaram de ser conturbadas, e na geografia do Júri a questão adquire maior relevo, dada a emotividade em que ordinariamente são envolvidos os julgamentos em plenário. E isso possui um forte apelo junto à opinião pública. Mães de vítimas que pranteiam durante a sessão de julgamento; advogados que anunciam novos fatos bombásticos, capazes até de mudar o curso do processo; grupos organizados que mobilizam protestos, com faixas, cartazes e alto-falantes, defronte ao prédio do Fórum, e exigindo a condenação ou – o que é menos corrente – a absolvição do réu. Tudo isso é notícia, a matéria-prima da imprensa.
Some-se a essa observação a circunstância de que a imprensa possui uma função social, cumprindo-lhe noticiar adequadamente como se desenvolvem as atividades jurisdicionais, inclusive, um julgamento em plenário.
Ocorre que a imprensa desconhece, em todos os seus meandros, a estrutura e o modus faciendi da atividade jurisdicional. Em determinados casos, as cautelas legais, que em sua maioria se justificam em respeito aos princípios constitucionais garantidores de certos direitos aos réus, são confundidos com regalias e benesses concedidas graciosamente pelos magistrados. Daí origina-se uma distorção no conteúdo da informação levado ao cidadão que, por esse motivo, passa a formar uma opinião a respeito do assunto a partir de premissas equivocadas ou insuficientes.
Em verdade, a imprensa possui o poder de absolver ou condenar previamente um réu perante a opinião pública e, com isso, influir no convencimento dos jurados e na atuação da acusação e da defesa em plenário. Há sempre muitos interesses em jogo, principalmente em se tratando de casos que alcançam repercussão maciça. Em situações tais, quando a concorrência imprime entre os setores da imprensa uma verdadeira competição pela informação privilegiada, os chamados "furos de reportagem", a primeira vítima é sempre a verdade.
Tem-se tornado comum que repórteres e redatores de jornais, iludidos pelas primeiras aparências, no atabalhoamento da vida jornalística, cometam gravíssimas injustiças, lavrando a priori “sentenças” de condenação ou absolvição, que pesam na opinião pública e têm grande responsabilidade pelos veredictos.
Ora, poder-se-ia dizer justamente que, em razão do livre exercício do direito à informação, que de uma só vez assiste ao cidadão e ao agente de imprensa, não há controle algum sobre o conteúdo da notícia que se dá a respeito do aludido caso, de tal sorte que a imprensa, ou uma parte dela, poderá apresentar sem maiores obstáculos a sua própria versão, atribuindo desde logo a responsabilidade pelo delito ao réu ou, o que nem sempre acontece, absolvendo-o da acusação. 
Por esse motivo, cumpre à própria imprensa realizar um autocontrole prévio – o que em hipótese alguma se confunde com censura – a fim de preservar a imagem das pessoas submetidas a investigação ou julgamento em juízo e, principalmente, os valores intrínsecos ao processo criminal. Trata-se de entender que a atividade jurisdicional se realiza com sustentação em determinados princípios, tais como o do devido processo legal e o da presunção de inocência. Se o limite da legalidade se antepõe até mesmo ao julgador, com maior razão a premissa se aplica aos agentes de informação. 
A imprensa responsável está preocupada na mantença da ordem democrática, o que é vital para o seu livre desempenho, mas também deve estar consciente de que a liberdade de informação jornalística não pode ultrapassar os limites da legalidade, ameaçando e lesando direitos. Cabe à própria imprensa, pois, no nascedouro de suas publicações e edições, coibir abusos e excessos que constituam mácula à legalidade e aos princípios democráticos.
Se os jurados são prestigiados em nosso ordenamento pelo fato de julgarem com um "sentimento de justiça", torna-se importante que somente os fatos atinentes à causa sejam trazidos à sua apreciação, nunca as versões de determinados segmentos da imprensa, revestidos de aparente legitimidade em função da aquiescência que a opinião pública lhes outorga. A pressão da opinião pública afeta sobremaneira a atuação do jurado na sessão de julgamento, a tal ponto que, principalmente em casos de grande repercussão, seu veredicto já encontra-se elaborado antes mesmo do sorteio de seu nome para compor o Conselho de Sentença, a despeito do que ele possa ouvir ou ver durante a sessão. Decerto, à imprensa cabe noticiar, ainda que emitindo juízos de valor, mas em hipótese alguma lhe é deferido o direito de julgar, à mercê dos princípios processuais que assistem ao acusado. 
Conseqüências processuais ocasionadas pela influência da opinião pública no julgamento dos crimes afetos ao Júri
Atualmente os limites territoriais do País não mais são obstáculos à mobilização da população pela opinião pública nos casos de grande repercussão, em face do papel fundamental que exerce a imprensa, de difundir nacionalmente a matéria jornalística.
Entretanto, na tentativa de ao menos minorar os efeitos que a pressão popular pode exercer sobre o julgamento pelo Júri, o Código de Processo Penal disciplinou o desaforamento, que nada mais é do que o deslocamento da competência para o julgamento de um foro para outro nos casos em que a ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, segurança pessoal do réu ou mora na realização do julgamento.
Interessa, para efeito da presente abordagem, o desaforamento quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, fundamental que é na realização da justiça. Estará ela comprometida quando o crime, apaixonando a opinião pública, gera no meio social animosidade, antipatia e ódio ao réu. Evidentemente, o simples noticiário não reflete, em regra, manifestação da coletividade ou estado de ânimo da população, sendo necessário comprovação de que existe uma predisposição desta contra o acusado para que se defira o desaforamento, comprovação que se faz por meio de indícios capazes de produzir receio fundado sobre a mesma, não necessitando de juízo de certeza. 

11. LIMITES ÉTICOS NA PERSUASÃO DOS JURADOS

O ponto culminante do procedimento dos delitos dolosos contra a vida é, sem dúvida, o julgamento pelo Tribunal do Júri. 
Para seus defensores, o júri é a garantia democrática do indivíduo, em determinados crimes, ser julgado por seus concidadãos, acima das normas inflexíveis da lei. Entendem que a sociedade é representada por membros de ilibada idoneidade, que procura restabelecer o equilíbrio quebrado pela ofensa ao direito. Afirmam que o júri, julgando o criminoso e não o crime, não está adstrito ao critério legal e às prevenções profissionais, é capaz de humanizar a lei e melhor discernir sobre os réus merecedores de pena. Por fim, sustentam que a verdade proclamada por sete cidadãos é mais segura que a proclamada por apenas um. A este respeito Canelutti formulou a seguinte metáfora: “O juízo colegiado é comparado a uma visão binocular: se a natureza nos dotou de dois olhos, em lugar de um só, é porque uma única imagem não basta para que seja visto o que deve ser completamente visto e o que devemos ver”.
Para outros, certo é que o Júri, nos seus primórdios, foi um respiradouro às reinvindicações populares, suprimindo o julgamento dos acusados pelos juízes togados, integrantes da nobreza que desapareceram depois que os ditos juízes passaram a vir do povo. Afirmam, no entanto, que a justiça comtemporânea assumiu feições que está a exigir pessoas especializadas e de alto espírito crítico, deixando-se os juízes leigos demasiadamente a julgar pelo sentimentalismo, para deixarem impunes os mais graves crimes. Acrescentam que, a julgar pelos resultados alcançados em outros países, o júri somente aprova quando existem condições favoráveis para uma democracia direta, o que não existe no Brasil devido à condição geográfica, ao baixo nível cultural, à baixa moralidade, à falta de educação cívica e ao desinteresse pela coisa pública.
Essa corrente foi capitaneada por Nelson Hungria, para o qual “O famigerado Tribunal do Júri, osso de megatério que persiste em ligar repressão penal e regime democrático, redundou pela sua incompetência e frouxidão, em favor indireto da criminalidade”.
Para opositores ou defensores dessa instituição, no entanto, é certo que nela os debates provocam as mais desencontradas paixões.
A cumulação na instrução em Plenário e nos debates, dos sistemas da concentração, oralidade e imediatidade oferecem condições especiais de expressividade às provas produzidas durante o processo. 
 Na dialética desse momento, o debatedor vale-se de duas contigências que, mesmo separáveis, no mais das vezes são apresentadas juntas: 
a) O discurso, como manifestação oral persuasiva, utilização da retórica, da “conversa amiga, macia”, da contundência ordinatória, do apelo emocional, etc. 
b) A interpretação cênica, mímica, teatral, irreverente, gesticular. 
 A importância deste desempenho está em alcançar os limites da verdade possível, extraída dos elementos autuados ou, do plano sociológico, filosófico, antropológico de elementos não necessariamente contidos no processo. É a interpretação oral ou cênica de tudo que pudesse ter animado o fato e tem a finalidade maior de ampliar imaginariamente os detalhes da hipótese defendida. 
 E é justamente essa representação em plenário, feita pelo Promotor de Justiça e pelo Advogado de defesa, com seus poderes informativos, que possui poder persuasivo sobre os jurados, induzindo-os a projetarem-se mentalmente à situação de violência do caso concreto para que possam avaliar a conduta do agente nas circunstâncias em que agiu. 
 O importante é identificar no ato violento contra a vida a censura ou aprovação da conduta do agente, com a mais ampla visão fática, pois o Júri não está adstrito ao alegado e provado nos autos, nem à estreiteza dos textos, e não seria Júri se deixasse de sentir o conjunto das realidades individuais e sociais atinente ao caso concreto. Por todas essas razões, necessário é que se imponham limites éticos à atuação em plenário por parte dos debatedores, de forma a não afastar os princípios constitucionais e legais atinente ao processo criminal. 
 O Tribunal do Júri não pode ser apresentado como um espetáculo burlesco, de guerra entre o bem e o mal, como se o Promotor de Justiça personificasse um acusador intransigente, que quer prender o réu, tira-lo do convívio de sua família e transferi-lo para o Presídio; e o Advogado de Defesa caricaturado como figura do bem e do perdão, sempre pugnando pela liberdade de todos os acusados. 
 O plenário do Júri não é local para gritos, choros, simulação de desmaios, piadas ou xingamentos, pois desvirtuam a função de socialização e democratização de Justiça atribuída ao Conselho Popular, que deve se aproximar ao máximo da verdade dos fatos para que possa aprovar ou reprovar a conduta ilícita que lhes é posta para exame e deliberação, pois julgam segundo a sua consciência e os ditames da justiça, fazendo a lei para cada caso. 
Assim, dentro de uma representação destinada a informar o jurado, pode-se fazer apelo tanto à sugestão afetiva quanto à persuasão puramente racional, mas sempre dentro de determinados limites éticos, tanto da parte acusatória, como da defensora. É que um julgamento feito pelo Tribunal do Júri, ao contrário do que muitos pensam, não é loteria. Depende, sim, de algumas peripécias, mas deve ser o seguro resultado de uma conduta bem planejada e executada com rigor, desde a fase do inquérito policial até o plenário do Júri. 
 O Júri não é uma aventura a que se atrevam os que se distingüem somente pela audácia e sede de fama, é tarefa destinada aos mais aptos, aos mais preparados e conscientes, que tenham as qualidades mínimas necessárias à magnitude da atividade, e que não ponham em risco a liberdade do réu ou a segurança da sociedade tão-somente para a satisfação de vaidades mal disfarçadas. 
 A advertência se impõe: acusadores e defensores só terão a perder com divagações impertinentes, hipérboles vazias ou embustes patéticos.
O acusador, por decoro próprio e, sobretudo, por obrigação estrita, jamais deverá injuriar o réu, ou por qualquer forma olvidar-se do respeito devido ao Tribunal. Pelo contrário, refletido e moderado, embora enérgico em sua argumentação, deve produzir a acusação sem cólera, sem arrebatamento, sem exageração. Jamais deve o acusador dirigir-se ao acusado, e sim ao Júri, expondo os fatos e as circunstâncias, estes sim, com toda pujança e eloqüência. 
O defensor, exímio tribuno de defesa, do mesmo modo, deve apresentar seus argumentos dentro de um plano previamente traçado, de acordo com uma linguagem fluente e clara, sem rodeios e tiradas literárias, ferindo os pontos em debate. O discurso do causídico há de ser simples, objetivo, convincente. Isso não quer dizer vulgaridade, que seria o contrário do preciosismo.
Na esteira dessas afirmações, não se quer criticar a instituição, que deve persistir, mas tão-só alertar que a atividade do debatedor em plenário, por envolver interpretação informativa, persuasiva, indutora, perfeitamente adequada e necessária ao Tribunal do Júri, deve pautar-se pela obediência aos princípios éticos e as provas colhidas durante a instrução criminal.
O orador deve empenhar-se em persuadir de que está certo e de que sua tese deve ser vencedora, usando linguagem intelegível para que, efetivamente, a “transformação” do jurado seja “conseqüência de sua fala”, mas usando de seu poder de persuasão deve ter cuidados com a teatralização, para que não decaia ao nível de um espetáculo burlesco, nem à linguagem deficiente ou vulgar a ponto de prejudicar a substância do bom senso. 
Conjugada a arte de persuadir com a ética, manter-se-á a dignidade do Tribunal do Júri, o respeito aos cidadãos-jurados e a justiça ao réu. 
Ganha, pois, a sociedade.

Fontes: 
- Material de apoio que alguns promotores utilizaram no último concurso do MP/SC.
- TROVÃO, Edilberto de Campos. Reflexões de um aprendiz de promotor de justiça no Tribunal do Júri. Curitiba : J.M, 1995. 
12. 14. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DOS HIPOSSUFICIENTES - GIAN
De início, necessário mencionar que o Ministério Público é classificado na Constituição Federal como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza jurídica da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas, referentes ao aludido órgão e a sua atuação em juízo.
Explicitando a atuação do Ministério Público, dispõe o art. 82 do Código de Processo Civil que os órgãos da instituição intervirão nas demandas em que há interesses de incapazes, nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder (hoje poder familiar), tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade, nas ações que envolvem litígios coletivos pela posse de terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Nesse ponto, revela-se importante referir que especificamente no processo não criminal, o Ministério Público pode figurar como órgão agente e órgão interveniente. O agir como órgão interveniente fica patente quando o Ministério Público atua como fiscal da lei (custos legis), sendo que ao exercer atividade de substituto processual, como parte pro populo, na chancela dos interesses transindividuais e nas ações de cunho político, se revela como órgão agente. Se não bastasse, poderá atuar fora do âmbito processual, na homologação de acordos extrajudiciais.
Em contrapartida, ao Judiciário foi outorgada a tarefa de exercer jurisdição, e para que esteja descomprometido com qualquer dos litigantes, deverá ser inerte. Em razão disso, foi deferida ao Ministério Público a atribuição de quebrar a inércia, movimentando o Poder Judiciário, isso porque o Estado não pode ficar imóvel frente a determinadas situações que lhe cabe resolver. Assim, quando o Ministério Público toma a iniciativa de provocar a jurisdição, está desenvolvendo atividade de natureza processual na tutela de determinados interesses, atuando, assim, como órgão agente.
Destaca-se a atuação ministerial, como órgão agente, quando figura como substituto processual e como parte pro populo. Dessa forma, agirá como substituto processual quando atuar em defesa de direito personalizado, sendo sua legitimação extraordinária. Nesses casos, o direito que se põe em causa não lhe pertence, motivo pelo qual somente poderá agir quando demonstrado o interesse público. Quando agir em defesa de direito despersonalizado, sua atuação será denominada como a parte pro populo.
Como órgão interveniente, o Ministério Público não atua de forma parcial, mas sim oficia no estrito cumprimento das normas jurídicas, na chamada condição de custos legis (fiscal da lei). Está, pois, de certa forma desvinculado dos interesses das partes. Cumpre ressaltar, todavia, que o Ministério Público, mesmo quando atuar como órgão agente, não deixará de exercer a função de fiscal da lei, eis que jamais perderá seu compromisso com o fiel cumprimento e aplicação do ordenamento jurídico vigente.
Portanto, pode-se dizer que o Ministério Público deverá agir no processo sempre que houver previsão legal expressa ou quando houver interesse público decorrente da natureza da lide ou qualidade da parte. Nesse passo, uma das situações que caracteriza o interesse público para a atuação ministerial é a presença em juízo dos hipossuficientes. Caracterizada estará a presença de um hipossuficiente na relação processual quando houver em desequilíbrio ou desigualdade entre as partes litigantes. Lembre-se a clássica definição de Rui Barbosa acerca do conceito de igualdade: “a igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais, na proporção da desigualdade”. É exatamente este o critério que fundamenta a atuação do Ministério Público em relação aos hipossuficientes.
Atente-se que sempre que existir uma parte hipossuficiente em relação à outra, o Ministério Público deverá intervir no processo como fiscal da lei, verificando a correta aplicação dos ditames firmados pelo ordenamento jurídico no caso concreto. Cite-se, como exemplo, a situação em que um incapaz é parte, hipótese em que o Ministério Público deve ser chamado a se manifestar nos autos.
Haverá situações em que o Ministério Público deverá exercer atividades como órgão agente em defesa dos hipossuficientes. Como exemplo, mencione-se a atuação em defesa das populações indígenas, devendo-se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 expressamente conferiu atribuição ao órgão ministerial na defesa em juízo dos interesses das populações dessa natureza (art. 129, inciso V, da Constituição Federal).
Outra situação é a defesa das pessoas necessitadas, incluindo entre estas as crianças, adolescentes e incapazes em geral. Há, em inúmeras situações, expressa previsão legal autorizando o Ministério Público a ter a iniciativa de processualmente buscar satisfazer o direito pleiteado por um necessitado como substituto processual. Como exemplo, pode-se apontar a legitimidade ativa do Ministério Público em ações de investigação de paternidade.
No mais, matéria frequentemente trabalhada pelo Ministério Público quando da atuação em juízo, especificamente na tutela do hipossuficientes, diz respeito à defesa dos interesses difusos e coletivos. Nesses casos, a atuação ministerial revela-se imprescindível, pois possivelmente se um indivíduo tivesse que pleitear a tutela de interesse dessa natureza contra aquele que causou lesão, não lograria êxito, pois normalmente a situação do agente causador do dano é privilegiada frente ao individuo particularmente considerado, o que evidencia efetiva hipossuficiência. Poderá ocorre, por outro lado, que o interesse lesado seja de valor ínfimo a ponto de não justificar a ação pelo particular, mas uma vez que muitas pessoas foram lesadas, admitida será a defesa coletiva (ex.: pequenas lesões a inúmeros consumidores), isso porque em tais hipóteses o causador do dano acaba por ficar em situação de extremo privilégio.
Com relação às pessoas hipossuficientes relacionadas aos interesses difusos e coletivos, embora estejam implicitamente consideradas na maior parte da legislação que trata sobre o tema, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) fez menção expressa à situação de hipossuficiência, inclusive facilitando a defesa de seus direitos em juízo.
Assim, para evitar que interesses dessas espécies fiquem desprotegidos, o Ministério Público detém instrumentos eficazes para a tutela das pessoas em situação de hipossuficiência, dentre os quais se destaca a Ação Civil Pública. Prevista na Lei nº 7.347/85, a Ação Civil Pública destina-se à proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e, embora o seu art. 5º traga hipóteses de legitimação concorrente para sua propositura, o seu manejo é diuturnamente realizado pelo Ministério Público. É bem verdade que a Lei nº 7.347/85 inicialmente delimitou o âmbito de abrangência da Ação Civil Pública, arrolando determinadas matérias para a tutela, no entanto, o Código de Defesa do Consumidor ampliou o objeto da norma, destinando-a a qualquer interesse difuso e coletivo. Cite-se como exemplos as ações em defesa do meio ambiente, ao consumidores, ao patrimônio público, etc.
Registre-se que, na defesa dos interesses em questão, poderá ocorrer que o Ministério Público atue extraprocessualmente, exercendo atividades no bojo de Inquéritos Civis, dos quais poderão resultar Compromissos de Ajustamento de Condutas.
Destaque-se, por fim, que o Ministério Publico está legitimado também a zelar pela efetiva prestação de serviços de relevância pública, isso porque, por vezes, os destinatários não teriam condições de sozinhos pleitearem a sua correta concessão, cabendo ao órgão ministerial agir para que sejam oferecidos corretamente.
Concluindo, resta clara a atuação do Ministério Público na defesa dos hipossuficientes, sendo que sua atividade pode partir de diversas situações, expressamente autorizadas na legislação vigente.
13. REFORMA DO JUDICIÁRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. 
ESQUEMATIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS NOVIDADES
Pedro Lenza (Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6463)
O objetivo deste estudo não é aprofundar as mudanças, mas, simplesmente, identificar, esquematizar e organizar as principais novidades para facilitar o estudo, após ter apresentado um brevíssimo histórico com um alerta sobre a redação do texto da emenda. Em outras oportunidades, certamente, poderemos analisar cada um dos itens da Reforma.
1. Breve histórico de sua tramitação
(...)
2. Esquematização das alterações trazidas pela EC n. 45/2004
Podemos destacar as principais novidades:
1) A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (art. 5.º, LXXVIII, e art. 7.º da EC n. 45/2004).
2) A previsão do real cumprimento do princípio de acesso à ordem jurídica justa, estabelecendo-se a Justiça Itinerante e a sua descentralização, como a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública Estadual (arts. 107, §§ 2.º e 3.º; 115, §§ 1.º e 2.º; 125, §§ 6.º e 7.º; 134, § 2.º; 168, e art. 7.º da EC n. 45/2004).
3) A possibilidade de se criar varas especializadas para a solução das questões agrárias. Nessa linha de especialização em prol da efetividade, sugerimos também varas especializadas para as áreas do consumidor, ambiental, coletiva etc. (art. 126, caput);
4) A "constitucionalização" dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais (art. 5.º, § 3.º).
5) A submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI), cuja criação tenha manifestado adesão (art. 5.º, § 4.º).
6) A federalização de crimes contra direitos humanos, por exemplo, tortura e homicídio praticados por grupos de extermínio, mediante incidente suscitado pelo Procurador-Geral da República (PGR) no STJ, objetivando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Busca-se, acima de tudo, adequar o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos (art. 109, V-A e § 5.º).
7) Previsão do controle externo da Magistratura por meio do Conselho Nacional de Justiça, como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 92, I-A, e § 1.º; 102, I, "r"; 103-B, e art. 5.º da EC n. 45/2004).
8) Previsão do controle externo do MP por meio do Conselho Nacional do Ministério Público, como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 102, I, "r"; 130-A e art. 5.º da EC n. 45/2004).
9) A ampliação de algumas regras mínimas a serem observadas na elaboração do Estatuto da Magistratura, todas no sentido de se dar maior produtividade e transparência à prestação jurisdicional, na busca da efetividade do processo, destacando-se: a) a previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira da Magistratura; b) aferição do merecimento para a promoção conforme o desempenho, levando-se em conta critérios objetivos de produtividade; c) maior garantia ao magistrado para recusar a promoção por antiguidade somente pelo voto fundamentado de 2/3 de seus membros, conforme procedimento próprio e assegurasda a ampla defesa; d) impossibilidade de promoção do magistrado que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; e) previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento; f) o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta (e não mais 2/3) do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; g) previsão de serem as decisões administrativas dos tribunais tomadas em sessão pública; h) o fim das férias coletivas do Poder Judiciário, tornando a atividade jurisdicional ininterrupta; i) a previsão de número de juízes compatíveis com a população; j) a distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição (art. 93).
10) Ampliação da garantia de imparcialidade dos órgãos jurisdicionais pelas seguintes proibições: a) vedação aos juízes de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; b) instituição da denominada quarentena, proibindo membros da Magistratura de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos. A quarentena também se aplica aos membros do MP (art. 95, par. ún., IV e V, e 128, § 6.º).
11) Previsão de que as custas e os emolumentos sejam destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça, fortalecendo-a, portanto (art. 98, § 2.º).
12) Regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do Judiciário e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 99, §§ 3.º, 4.º e 5.º).
13) A extinção dos Tribunais de Alçada, passando os seus membros a integrar os TJs dos respectivos Estados e uniformizando, assim, a nossa Justiça (art. 4.º da EC n. 45/2004).
14) Transferência de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, "h" (revogada); 105, I, "i", e art. 9.º da EC n. 45/2004).
15) A ampliação da competência do STF para o julgamento de recurso extraordinário quando se julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Muito se questionou sobre essa previsão. Observa-se que ela está correta, já que, quando se questiona a aplicação de lei, acima de tudo, há um conflito de constitucionalidade, pois é a CF que fixa as regras sobre competência legislativa federativa. Por outro lado, quando se questiona a validade de ato de governo local em face de lei federal, acima de tudo, estamos diante de questão de legalidade a ser enfrentada pelo STJ, como mantido na Reforma (art. 102, III, "d", e 105, III, "b").
16) A criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para o conhecimento do recurso extraordinário. Essa importante regra vai evitar que o STF julgue brigas particulares de vizinhos, como algumas discussões sobre "assassinato" de papagaio ou "furto de galinha", já examinadas pela mais alta Corte (art. 102, § 3.º).
17) A adequação da Constituição, no tocante ao controle de constitucionalidade, ao entendimento jurisprudencial já pacificado no STF, constitucionalizando o efeito dúplice ou ambivalente da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) como o seu efeito vinculante. Ampliação da legitimação para agir. Agora os legitimados da ADC são também da ADI (e não mais somente os quatro que figuravam no art. 103, § 4.º, revogado). Apenas para se adequar ao entendimento do STF e à regra do art. 2.º, IV e V, da Lei n. 9.868/99, fixou-se, expressamente, a legitimação da Câmara Legislativa e do Governador do DF para a propositura de ADI, e, agora, ADC (art. 102, § 2.º; 103, IV e V; revogação do § 4.º do art. 103 e art. 9.º da EC n. 45/2004). (1)
18) Ampliação da hipótese de intervenção federal dependendo de provimento de representação do Procurador-Geral da República para, além da já existente ADI Interventiva (art. 36, III, c.c. 34, VII), agora, também, objetivando prover a execução de lei federal (pressupondo ter havido a sua recusa). A competência, que era do STJ, passa a ser do STF (art. 34, VI, primeira parte, c.c. o art. 36, III; revogação do art. 36, IV, e o art. 9.º da EC n. 45/2004).
19) Criação da Súmula Vinculante do STF (art. 103-A e art. 8.º da EC n. 45/2004).
20) A aprovação da nomeação de Ministro do STJ pelo quorum de maioria absoluta dos membros do SF, equiparando-se ao quorum de aprovação para a sabatina dos Ministros do STF, e não mais maioria simples ou relativa como era antes da Reforma (art. 104, parágrafo único).
21) Previsão de funcionamento no STJ: a) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira; b) e do Conselho da Justiça Federal como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante (art. 105, par. ún., I e II).
22) No âmbito trabalhista, dentre tantas modificações, podemos destacar: a) o aumento da composição do TST de 17 para 27 Ministros, deixando-se de precisar convocar juízes dos TRTs para atuar como substitutos; b) em relação ao sistema de composição, reduziram-se as vagas de Ministros do TST oriundos da advocacia e do Ministério Público do Trabalho. Dessa vez, eles ocupam somente 1/5, os outros 4/5 são preenchidos entre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, provenientes da Magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior; c) fixação do número mínimo de sete juízes para os TRTs; d) modificação da competência da Justiça do Trabalho; e) previsão da criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, este último deverá ser instalado no prazo de 180 dias; f) a lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-las aos Juízes de Direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho; g) previsão de criação, por lei, do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, integrado pelas multas decorrentes de condenações trabalhistas e administrativas oriundas da fiscalização do trabalho, além de outras receitas (arts. 111, §§ 1.º, 2.º e 3.º (revogados); 111-A; 112; 114; 115 e arts. 3.º, 6.º e 9.º da EC n. 45/2004);
23) Fixação de novas regras para a Justiça Militar (art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º);
24) Como fixado para a Magistratura (art. 99, §§ 3.º ao 5.º), regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do MP e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 127, §§ 4.º, 5.º e 6.º).
25) Nos mesmos termos da Magistratura, diminuição do quorum de votação para a perda da garantia da inamovibilidade de 2/3 para a maioria absoluta (art. 128, § 5.º, I, "b").
26) Ampliação da garantia de imparcialidade dos membros do MP: a) vedação do exercício de atividade político-partidária, sem qualquer exceção; b) vedação do recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; c) instituição, conforme já vimos, e nos termos da Magistratura, da denominada quarentena, proibindo-os de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos (art. 128, § 5.º, II, "e", "f", e § 6.º).
27) Conforme já vimos para a atividade jurisdicional, também no sentido de se dar maior produtividade e transparência no exercício da função, na busca da efetividade do processo, destacam-se, para o MP: a) a obrigatoriedade de as funções só poderem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição; b) a previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira do MP; c) a distribuição imediata dos processos; d) e, no que couber, as regras já apresentadas em relação ao art. 93 para a Magistratura (art. 129, §§ 2.º, 3.º, 4.º e 5.º).
28) A EC n. 45/2004 entrou em vigor na data de sua publicação, em 31 de dezembro de 2004, e foi promulgada em 8 de dezembro de 2004 (art. 10 da EC n. 45/2004).
3. Ações diretas de inconstitucionalidade já propostas até a presente data (2.2.2005)
(...)
4. Conclusão
A emenda, de um modo geral, nesse primeiro balanço, parece bastante adequada, abrindo as portas para que as reformas processuais se implementem na busca e na retomada da credibilidade do Judiciário, infelizmente abalada pela ineficiência processual dos últimos anos. Esperamos que não seja apenas mais uma lei, mas, acima de tudo, o despertar de uma nova mentalidade.
14. DANO MORAL COLETIVO
O dano, além da ação lesiva e do nexo causal, é um dos pressupostos da responsabilidade civil, e sua definição pode ser resumida como sendo uma lesão a bens juridicamente protegidos, como vida, liberdade, imagens, crédito comercial, propriedade, entre outros.
Para a sua caracterização jurídica, é necessária a demonstração do prejuízo e da lesão jurídica, que são os elementos de fato e direito, respectivamente. Porém, para ser passível de concretizar o direito à reparação, há de ser injusto, certo, atual, pessoal e direto, admitindo-se, excepcionalmente, a perda de uma chance e os danos futuro, a pessoas da família, e reflexo.
A doutrina faz uma divisão relativa ao dano em patrimonial e moral, a depender dos reflexos da esfera de direitos atingida. Este, especificamente, é o resultado de uma agressão direcionada ao mundo interior do psiquismo do homem, ocasionando sensações desconfortáveis e constrangedoras.
O dano moral é reconhecido pela doutrina, jurisprudência e legislação, inclusive no art. 5º, V e X, da Constituição Federal de 1988 (CF), in verbis:
“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
As mudanças profundas da organização social, que podem ser visualizadas por meio da globalização atual, modificaram o Direito como um todo, especialmente o Direito Civil, conduzindo a preponderância do coletivo sobre o individual.
Esse panorama, por sua vez, originou o dano moral coletivo, que seria o prejuízo ocasionado em desfavor de toda uma comunidade, ou seja, contra um conglomerado de pessoas que estão unidas em um determinado território, em decorrência de fatores comuns.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei n. 8.078/1990), aliás, no art. 6º, VI, menciona expressamente o direito do consumidor à reparação por danos morais coletivos e difusos.
Veja-se:
“Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
[...]
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Entre as diversas possibilidades existentes, está o dano ambiental; situação em que se lesiona o equilíbrio ecológico e, ao mesmo tempo, se afetam valores comunitários como a qualidade de vida e a saúde.
O ambiente habitado pela população, ademais, deve ser entendido como unitário e de responsabilidade de preservação por todos, conforme determina a própria CF em seu art. 225, caput:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Essa norma constitucional demonstra a preocupação com a manutenção de ambientes sadios e equilibrados.
Qualquer deterioração cometida contra o espaço de uma sociedade é particularmente perversa, pois rompe o equilíbrio do ecossistema e coloca em risco todos os seres vivos que possuem uma interdependência naquele meio, incluindo-se, aí, o homem.
O instrumento processual adequado para que se promova a defesa dos valores coletivos, na ocorrência de dano contra o meio ambiente, entre outras situações, é a ação civil pública aplicável nesse caso, regulamentada pela Lei n. 7.347/1985.
Dessa feita, o amparo legislativo que possibilita a reparação de dano moral a interesses coletivos, como é a hipótese do meio ambiente, está calcado no art. 6º, VI, do CDC e no art. 1º, I, da Lei referida, com a redação conferida pelo art. 88 da Lei n. 8.884/1994, a seguir transcrita:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I – ao meio-ambiente”.
Os malefícios causados não estão ligados somente às repercussões físicas no patrimônio ambiental, mas, também, ao sentimento dos habitantes de determinada zona urbana ou rural, tanto no aspecto íntimo do homem quanto na qualidade de vida.
Diz-se zona urbana porque, assim como em locais onde predominam as matas e florestas, os danos ambientais podem ser verificados nas cidades, como ocorre, por exemplo, quando há a supressão de certas árvores ali existentes.
É certo que, a partir da universalização do meio ambiente consagrada pela CF, este passou a pertencer a todos e se tornou um bem de uso comum, tutelado pelo Poder Público e pela sociedade.
Os dispositivos legais até então mencionados estabelecem, portanto, a possibilidade real de reparação civil por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, cumulados e independentes um do outro.
Primeiro porque o art. 225, § 3º, da CF estabelece a reparação dos danos perpetrados contra o meio ambiente, nos planos administrativo, penal e civil. Segundo porque o já aludido art. 5º do mesmo Diploma reconhece a legalidade do pleito indenizatório em casos de abalo moral.
Não bastasse isso, a leitura dos arts. 1º, I, e 10, da Lei da Ação Civil Pública aponta na mesma direção.
Ante tudo o que foi exposto, é possível concluir que a responsabilidade pelo dano moral coletivo caminha no coerente e indispensável rumo da coletivização, ampliando o raio de incidência do ato ilícito pelo dano injusto, dentro de um contexto amplo e globalizado.
Tal fato aumenta as perspectivas de uma consolidação da ordem jurídica mais justa e eficaz.
Isso porque a gravidade do dano moral coletivo causado ao meio ambiente impõe a necessidade de uma efetiva coibição, para a qual o ordenamento jurídico está amparado com a legislação infraconstitucional da ação civil pública e do código consumerista, além da carta constitucional.




Referências:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6183

http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3625/DANO_MORAL_COLETIVO_E_OS_DIREITOS_METAINDIVIDUAIS

http://www.azevedosette.com.br/noticias/noticia?id=1583

http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%22dano+moral+coletivo%22&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4

15. 18. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – FELIPE

A legitimidade do Ministério Público no exercício da investigação criminal tem sido tema de intenso debate na doutrina e jurisprudência pátrias, especialmente nas últimas décadas.
Por muito tempo, o Ministério Público realizou, de forma direta, a investigação criminal, sem que se fosse questionada a sua legitimidade. Todavia, a partir de 1992, com as Promotorias de Justiça e as Procuradorias da República agindo de forma eficiente e chegando em figuras criminosas até então inatingíveis, surgiu, de forma mais vigorosa, forte oposição às investigações criminais realizadas pelo Órgão Ministerial.
A posição daqueles que se opõem à atividade investigativa pelo Ministério Público sintetiza-se, basicamente, em dois argumentos: a investigação pré-processual é de monopólio da Polícia Judiciária, conforme o disposto no art. 144, § 1º, incisos I e IV, e § 4º, da Constituição da República; e, a norma constitucional e infraconstitucional não contemplou qualquer hipótese de o Ministério Público apurar, diretamente, infrações penais, o que não lhe confere legitimidade para realizar a investigação criminal.
Esses argumentos, no entanto, não têm qualquer fundamento. 
Não há monopólio da Polícia na investigação criminal. Analisando o art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição da República, verifica-se existir tão-somente uma exclusividade da polícia federal no exercício na função de polícia judiciária (que é diferente da função de apurar infração penais) da União. Isso significa, apenas, segundo afirma Ela Wiecko Wolkmer de Castilho , que a polícia civil estadual, por exemplo, não pode investigar crimes de competência da Justiça Federal.
Além de nenhuma norma conferir a exclusividade das investigações criminais às Polícias Federal e Estadual, abundantes são as que a afastam. O Código de Processo Penal, por exemplo, deixa claro que a apuração de infrações penais pode ser realizada por outros órgãos e que o Ministério Público pode dispensar o inquérito policial para o oferecimento da denúncia (arts. 4º; 12; 27; 39, § 5º; 46, § 1º; e 47).
Assim, não há qualquer usurpação de competência. As polícias civil e federal investigam por meio de inquérito policial – este, sim, é um instrumento exclusivo seu -, enquanto o Ministério Público apura os ilícitos penais por meio de seus procedimentos administrativos próprios (PIC – procedimento investigatório criminal, no âmbito do MPSC). O que deve haver é uma cooperação entre as instituições para a consecução de objetivo comum, qual seja, diminuir a impunidade na seara criminal.
De outra ponta, há previsões constitucionais e legais no ordenamento jurídico pátrio conferindo ao Ministério Público a legitimidade para exercer a investigação criminal.
Além da Constituição da República incumbir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), promoveu-lhe, entre outras, as seguintes funções: exercer, privativamente, a ação penal pública; expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los; exercer o controle externo da atividade policial; e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art. 129).
Não bastassem as abrangentes funções investigatórias atribuídas pelo constituinte, a legislação infraconstitucional traz diversas abribuições do Órgão Ministerial nessa seara, principalmente, nos arts. 8º da LC 75/93 e 26, I, da Lei 8.625/93.
Portanto, sem qualquer sustentação a tese contrária à investigação criminal pelo Ministério Público. Como se vê, a atividade de investigação criminal não está restrita às instituições policiais, e o Ministério Público é uma das instituições que tem atribuição para procedê-la.
Para reforçar a tese favorável à legitimidade do Ministério Público na investigação criminal, lança-se mão de outros argumentos.
1. Pela teoria dos poderes implícitos (quem pode o mais pode o menos), o simples fato de a Constituição da República conferir ao Ministério Público o exercício, privativo, da ação penal pública (art. 129, I, da CF) já lhe dá a atribuição para investigar. Do contrário, afirma René Ariel Dotti , o Órgão Ministerial ficaria refém da Polícia para uma possível deflagração de ação penal, ou seja, tornar-se-ia um mero repassador de provas colhidas por outra instituição.
Destarte, se a finalidade das investigações criminais é recolher indícios suficientes para a propositura da ação penal e se o Ministério Público, a teor do que dispõe o art. 41, parágrafo único, do Código de Processo Penal, prescinde do inquérito policial para a deflagração desta, é possível concluir que tal investigação é apenas um dos meios para a constituição da justa causa, estando em grau inferior de importância em relação a denúncia. Em outras palavras, é possível concluir que a denúncia do Ministério Público é o mais, e a investigação criminal, o menos, e quem tem a função maior também tem a menor.
2. No direito comparado, aliás, encontram-se diversos sistemas jurídicos em que o Ministério Público tem poderes investigatórios na seara criminal. Países como França, Portugal, Espanha, Alemanha, Itália e Estados Unidos atribuem ao Promotor a função de exercer atos de investigação pré-processuais. A plena atividade de investigação criminal é, portanto, uma tendência dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Negá-la no Brasil seria um verdadeiro retrocesso social.
3. Há, também, determinadas situações que recomendam a atuação do Ministério Público e não da Polícia. Em alguns casos, seja pela magnitude da infração, seja pelas pessoas envolvidas na autoria do delito, é mais coerente que o Ministério Público exerça diretamente as investigações criminais, sobretudo pelos princípios e garantias que lhe foram atribuídos na Constituição da República (principalmente a independência funcional e a inamovibilidade). Em função disso, situando-se as investigações no campo da macrocriminalidade e figurando autoridades administrativas ou agentes policiais como protagonistas do delito, deve o Ministério Público apurar tais infrações por estar imune a injunções indevidas e a influências externas capazes de mitigar ou inviabilizar as investigações.
4. A legitimidade do Ministério Público para promover o inquérito civil é incontestável (MP é o titular exclusivo). No exercício dessa função, inúmeras são as ocasiões em que o Órgão Ministerial, exercendo uma investigação de natureza não criminal para a proteção de direitos difusos e coletivos, vislumbra a ocorrência de um ilícito penal. Nesses casos, não se justifica a instauração de inquérito policial, pois diligências complementares – quando necessárias - são suficientes para a formação da convicção acerca da propositura ou não da ação penal. Assim, nada mais razoável do que se instaurar uma ação penal com subsídio nos autos de um inquérito civil (hoje, no âmbito do MPSC, existe um instrumento próprio – o PIC, já mencionado acima).
5. Por fim, o próprio Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP -, órgão que exerce o controle externo do Ministério Público, regulamentou a investigação criminal pelo Órgão Ministerial na resolução n. 13/2006. Antes disso, o MPSC já havia disciplinado essa função ministerial por meio do Ato conjunto n. 001/2004/PGJ/CGMP. A investigação criminal deve ser exercida por meio do procedimento investigatório criminal – PIC.
Diante de todos esses argumentos, é inegável a possibilidade de o Ministério Público exercer a investigação criminal. Não se quer, aqui, defender Promotor de Justiça faça às vezes de autoridade policial e saia à caça de bandidos, como se policial fosse. As Polícias civil e federal têm as funções de polícia judiciária e de investigação criminal, sendo órgãos de extrema importância dentro da administração, devendo continuar seu ofício de repressão a criminalidade. Contudo, em determinados casos, quando o dominus litis entender necessário, pode ele mesmo colher elementos que configurem justa causa para oferecimento de denúncia, pois tem legitimidade para tanto.


16. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
As raízes históricas do Ministério Público, embora possam ser encontradas na história antiga entre os egípcios, gregos e romanos, certamente é na França do século XIV que o seu perfil institucional é idealizado na figura dos então denominados “procuradores do rei”, corpo de funcionários encarregados da tutela dos interesses do Rei, o qual na época encarnava o Estado. 
Historicamente o principal interesse do Rei consistia em exercer o controle social por meio da justiça criminal, delegando os poderes de denunciar e perseguir os criminosos aos seus Procuradores, os quais detinham essa iniciativa ao lado dos juízes inquisidores – mais ou menos na forma como o CPP de 1941, nos artigos 26 e 531, em sua redação original, previa o procedimento judicialiforme. Além de acusadores públicos, os Procuradores defendiam outros interesses do Rei, verdadeiro longa manus do soberano naquele turbulento período da história francesa em que o extremo absolutismo do monarca imperava. 
O direito brasileiro, inspirado na legislação portuguesa do século XVI o qual, por sua vez em muito se parece com os institutos jurídicos franceses, dado o tronco comum do sistema jurídico romano-germânico, basicamente seguiu os contornos institucionais conferidos aos Procuradores do Rei franceses para organizar o que mais tarde viria a ser a instituição do Ministério Público. Com a criação dos Tribunais de Relação na Bahia em1609, fez-se necessário a atuação do Procurador da Coroa e da Fazenda naquela instituição, o que seria desempenhada pelo então denominado Promotor de Justiça. Porém, em 1763, diante do imenso avanço econômico que o ciclo da mineração causou, transfere-se a sede da Colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, fundando-se nesta cidade a Casa de Suplicação em 1808 – órgão recursal das decisões da Relação da Bahia, na qual se exige a atuação do Promotor de Justiça, o que motiva que este cargo e aquele de Procurador dos feitos da Coroa e da Fazenda sejam cingidos, passando a serem ocupados por dois titulares. É o primeiro passo para a separação total das funções da Procuradoria Jurídica do Império e do Ministério Público em suas feições atuais. 
Por muitos anos, inclusive após a proclamação da República, já sob a égide da Constituição de 1891, a função criminal desempenhada pelos membros do Ministério Público é de longe a mais importante, tendo inclusive o Código Criminal de 1832 reservado uma seção para tratar dos Promotores de Justiça. Não é por outra razão que ainda hoje quando se fala em Promotores de Justiça pessoas leigas imediatamente o associem à acusação criminal. 
Propositadamente, a carta constitucional de 1937 esvazia por completo a abordagem jurídica do Ministério Público como instituição. Porém, logo em seguida com a edição do CPP em 1941, atribui-se ao Órgão poderes de requisição de inquérito policial e diligências, tornando-se regra legal a sua titularidade na promoção da ação penal pública. Ainda sob a ditadura Vargas, o CPC de 1939 atribui ao Ministério Público atribuições como órgão interveniente no processo civil em algumas demandas, fato este que, de algum modo, pode ser explicado pelas raízes históricas da instituição, sempre ligada aos interesses do “Rei”. 
Entretanto, é durante as décadas de 70 e 80 que o Ministério Público começa a se firmar como instituição essencial a função jurisdicional a partir da emenda constitucional 77 de 1977 que exige a edição de lei complementar a fim de estabelecer as normas gerais de organização dos Ministérios Públicos estaduais, o que é feito logo em seguida com a LC nº 41-81. Além disso, a Lei nº 6.938-81 afeta ao Ministério Público a ação reparatória de danos ao meio ambiente e a terceiros, o que ensejou a criação da ação civil pública pela Lei nº 7.347-85. O Ministério Público está definitivamente abrindo espaço para sua autonomia financeira e institucional frente aos demais poderes instituídos, deixando de ser órgão coadjuvante especialmente no cenário criminal, para assumir as suas feições atuais de instituição essencial à democracia republicana. 
Nesse sentido, a Constituição da República de 1988 sedimenta as bases institucionais do Ministério Público atual, tratando-o como instituição permanente – da mesma forma que o fez em relação às forças armadas – pautada pelos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional. Em que pese haver diversas discussões acadêmicas a fim de localizar o Ministério Público dentre os poderes da República – a história brasileira justifica essa discussão ao centralizar o MP ora dentro do poder executivo (CF de 1934; emenda de 1969 à CF de 1967), ora do judiciário (CF de 1891; CF de 1967), ora de forma independente (CF de 1949 e CF de 1988) – o certo é que tais discussões se mostram inócuas, pois irrelevante sob à ótica institucional do MP localizá-lo dentro desse ou daquele poder constituído, ou ainda como formador de um quarto poder. Tanto é assim que a preocupação da CF de 1988 pautou-se em conceder ao MP atribuições e garantias de poder. Nesse sentido a afirmação de Mazzilli segundo a qual o “MP sem ser poder, possui atribuições e garantias de poder”. 
Sob a nova ordem constitucional, editam-se a LC 75-93 que regulamenta e organiza do MPU e Lei nº 8.625-93 denominada de Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que trata das normas gerais de organização dos Ministérios Públicos Estaduais.
 A grande quebra de paradigma, dessa forma, sem sombra de dúvida, são os contornos constitucionais dado ao MP pela CF de 1988 em relação às suas atribuições. Segundo o art. 127, caput, da CF, incumbe ao MP a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não por outra razão em tema de direitos difusos e coletivos, a legislação que se seguiu ao texto constitucional ampliou extraordinariamente as atribuições do MP em diversas áreas: pessoa portadora de deficiência (Lei nº 7.853-89); investidores no mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913-89); criança e adolescente (Lei nº 8.069-90); consumidor e outros interesses difusos e coletivos (Lei nº 8.078-90); patrimônio púbico (Leis nº 8.429-92; 8.625-93 e LC 75-93); ordem econômica e livre concorrência (Lei nº 8.884-94) dentre tantas outras leis. 
A defesa da ordem jurídica e do regime democrático, por outro lado, revelam a importância do MP não só como função essencial à administração da justiça, mas sim à própria existência do Estado, na medida em que o cumprimento da lei, em uma ordem democrática, é condição para liberdade das pessoas. Nesse sentido a LONMP bem desenvolveu a vontade constitucional, ao devotar a instituição à promoção das medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela CF; exercer o controle externo da atividade policial tendo em vista os valores democráticos; ao conferir-lhe funções institucionais ligadas à soberania e representatividade popular e à defesa dos direitos políticos no processo eleitoral; a iniciativa de ações em defesa de direitos constitucionais bem como a promoção de responsabilidade de autoridades e a defesa do estado de Direito e das instituições democráticas. Dessa forma, o modelo de mero agente processual foi deixado de lado pela CF de 1988, exigindo-se do MP no mais das vezes uma atuação incansável na esfera extrajudicial de modo a buscar efetivamente sua autonomia institucional. 
A função no processo penal, por outro lado, não deixou de ter importância ao MP; porém, deixou de representar a sua quase única atuação. Veja que a legitimidade política e democrática do Poder Judiciário repousa no resguardo de sua independência, para o qual concorre a iniciativa do MP, desonerando os juízos do absurdo lógico numa democracia de atuarem de ofício no processo penal, acusando e julgando. 
Assim, passando pela história da instituição do MP, e à luz da suas novas atribuições constitucionais, impõe-se que seus membros, não mais do Estado, mas Procuradores e Promotores de Justiça sejam realizadores de positivas transformações sociais, sendo insuficiente sua atuação meramente processual como fiscalizador da ordem jurídica. O débito político contraído pelo MP perante o poder constituinte é grande e por isso deve ser adimplido em toda a sua amplitude, exigindo-se da instituição um novo paradigma capaz de equacionar harmonicamente as expectativas sociais e os resultados objetivamente alcançados. 


17. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO

A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Ministério Público a função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública. 
No entanto, sendo o ofendido o titular do bem jurídico lesado ou posto em perigo, o art. 268 do Código de Processo Penal, confere-lhe a faculdade de auxiliar a Instituição na acusação de quaisquer crimes que se apuram mediante ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, denominando-lhe assistente. 
A titularidade da assistência à acusação pertence ao próprio ofendido ou seu representante legal e, na falta destes, ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. 
Tal intervenção como auxiliar do Ministério Público se dá através de advogado constituído mediante procuração com poderes expressos e o ingresso nos autos é permitido a partir do recebimento da denúncia até enquanto não houver trânsito em julgado da sentença. Em casos de admissão em segunda instância, cabe ao relator a admissão do assistente (analogia ao art. 557, CPP). 
O Ministério Público deve ser necessariamente ouvido acerca do pedido de assistência, podendo impugná-lo tão somente no caso de ilegitimidade de parte ou se constatar irregularidades na documentação que instruir pedido. 
Após a manifestação do Promotor de Justiça, ao Magistrado compete decidir, admitindo ou não o assistente, sendo que, contra tal decisão não cabe qualquer recurso, embora a jurisprudência entenda cabível o mandado de segurança ou a correição parcial. 
As atribuições do assistente estão previstas no art. 271 do Código de Processo Penal, sendo a primeira delas propor meios de prova. Tourinho Filho entende que o assistente não pode arrolar testemunhas, uma vez que o momento oportuno para tal ato é o oferecimento da denúncia e seu ingresso ocorre após tal recebimento. Já para Mirabete, nada impede que o Juiz defira a inquirição de testemunhas arroladas pelo assistente, desde que não excedam ao limite legal, pois as mesmas poderiam ser ouvidas como testemunhas do Juízo. Entretanto, antes de decidir sobre a realização de qualquer prova proposta pelo assistente, deverá ouvir o Ministério Público. 
Ademais, poderá requerer perguntas às testemunhas; participar dos debates orais em qualquer procedimento, em ambos os casos logo após a intervenção do Promotor de Justiça; e arrazoar quaisquer recursos interpostos pelo Ministério Público e, consoante a doutrina, contra-arrazoar os recursos da defesa. Não havendo interposição de recurso pelo acusador oficial no prazo legal, poderá fazê-lo o assistente dentro de quinze dias, em caráter supletivo. 
O assistente receberá o processo no estado em que ele se encontrar, não tendo direito à reprodução de atos praticados sem a sua interferência, ainda quando posteriores ao pedido de intervenção. Após a sua admissão, será intimado de todos os atos do processo, por intermédio de seu procurador. Não comparecendo, sem motivo de força maior devidamente comprovado, o processo prosseguirá a partir de então, independentemente de nova intimação. 
Oportuno mencionar a celeuma em torno da amplitude deste instituto após o advento da Constituição Federal de 1988. 
Há quem defenda que a atuação do assistente é limitada, não lhe sendo possível modificar, ampliar ou corrigir a atividade do titular da ação penal. 
Faz-se uma análise das razões históricas que fizeram com que o legislador, quando da elaboração do Código de Processo Penal, na década de quarenta, adotasse o instituto da assistência da acusação. 
Sustenta-se que, nessa época, o Órgão do Ministério Público era visto como parte parcial no feito, voltado par atender certas pretensões do Poder Executivo, razão pela qual a assistência tinha como razão de ser a desconfiança no Ministério Público, o temor da parcialidade e favoritismo no monopólio do exercício da ação penal, a preocupação pelas possíveis influências do poder a que estava vinculado. Atualmente tais preocupações não têm razão de ser, diante da robustez teórica do Ministério Público, sua atuação imparcial, autonomia e independência funcional. 
Além disso, a figura do assistente de acusação encontrava respaldo em um sistema em que a promoção da ação penal pública não era conferida com exclusividade à instituição do Ministério Público, o que não mais ocorre após a Constituição de 88, que instituiu o monopólio em favor da Instituição. 
Dessa forma, adota-se a idéia que, intervindo no processo criminal, ele passa a ser coadjuvante do Ministério Público, auxiliando-o apenas na colheita de provas, bem como na exposição da verdade dos fatos para a aplicação da lei, ressaltando-se, porém, que a ação penal pública é privativa do Promotor de Justiça e, por isso, a atuação do assistente é meramente participativa. 
Tal afirmação decorre do fato de que o interesse do bem público geral do Ministério Público no exercício da ação penal pública não coincide com o interesse secundário do assistente. Enquanto este busca a condenação criminal e reparação do dano, aquele busca, imparcialmente, a aplicação da lei, tanto que pode pedir a absolvição do acusado, se assim resultar do conjunto probatório. 
Enquanto o  Promotor de Justiça preocupa-se com o devido processo legal e a busca da verdade real, pois não interessa à comunidade a condenação de pessoa inocente, aduz-se que o assistente é parcial, pois intervém na ação penal almejando seu interesse civil na reparação decorrente do ato ilícito, motivo pelo qual aduz-se que a atuação do assistente deve ser limitada e não pode interferir na atuação do Ministério Público. 
Outra corrente entende que a posição da vítima, no processo penal, atuando como assistente de acusação, não mais pode ser analisada como mero auxiliar da acusação, que almeja unicamente conseguir a sentença condenatória, para que sirva de título executivo judicial a ser deduzido no cível. 
A assistência pode ter interesse social, tendo como finalidade a cooperação na repressão do crime e na justa aplicação da pena, não sendo norteada apenas pelo sentimento de vingança e reparação civil, motivo pelo qual o assistente exerce nitidamente o direito de agir, manifestando pretensão contraposta à do acusado. 
Conclui-se que a admissão da vítima e dos demais legitimados como assistente permite a realização de todos os atos que lhe são atribuídos pelo Código de Processo Penal, atuando de forma conjunta e harmônica com a acusação, não apenas como parte interessada na indenização civil, mas também visando à justiça da decisão para a efetiva prevenção e repressão da criminalidade.  

18. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO DE ALIMENTOS.

Primeiramente, cumpre destacar que a participação do Ministério Público no processo de alimentos deve ser analisada tendo-se em consideração que ele pode exercer a função de custus legis ou de parte, em razão da função institucional de defesa dos interesses individuais indisponíveis preconizada no art. 127 da Constituição Federal de 1988. 
A legitimação do Parquet para atuar como fiscal da lei encontra-se fundamentada no art. 82 do Código de Processo Civil. Além disso, a Lei n. 5.478/68 (Lei de Alimentos), em seus arts. 9º e 11, impõe a obrigatoriedade da intervenção do representante do Ministério Público em tais ações, sem necessidade de distinguir os casos em que haja interesse de menores e incapazes daqueles em que as partes sejam maiores e capazes. 
Isso decorre do fato de que a presença do Ministério Público na ação de alimentos justifica-se pela necessidade de se examinar o fiel cumprimento das disposições processuais e materiais, além de atentar para que haja repartição equânime dos encargos da obrigação alimentar. 
A intervenção se faz necessária quer se trate da ação ordinária, da ação de execução, revisional ou exoneratória, implicando nulidade do feito a ausência de intimação do Ministério Público para manifestar-se. 
Ainda, é obrigatória a manifestação do Ministério Público em acordo extrajudicial firmado por pais de menores em ação de alimentos, a fim de evitar prejuízos aos interesses de incapazes. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (Notícia do STJ de 12/2/2009), em votação unânime, deu provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, para anular a sentença que havia declarado extinta a ação de alimentos de dois menores representados pela mãe contra o pai, sem a intervenção do órgão Ministerial. 
Importante registrar que o Ministério Público de Santa Catarina possui o ato n. 103/2004/PGJ, que orienta acerca da racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil, sem caráter vinculativo, em respeito ao princípio da independência funcional, permitindo aos Órgãos de Execução, não se vislumbrando interesse relevante a reclamar a sua tutela, manifestar-se apenas formalmente, declinando de maneira sucinta as razões do seu posicionamento.
Dentre as hipóteses elencadas no ato, tem-se: “ação de alimentos e revisional de alimentos entre pessoas capazes”. 
Destaca-se que, conforme prevê o § 1º do art. 3º: “a prerrogativa de optar pela intervenção meramente formal, nos termos deste Ato, não implica renúncia ao direito de receber os autos com vista nas hipóteses em que a lei prevê a participação do Ministério Público no feito”.  
Em relação à legitimidade ativa, verifica-se que a atribuição Ministerial para promover e acompanhar ações de alimentos está expressamente estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, como conseqüência imediata da Doutrina da Proteção Integral, consoante dispõe o art. 201, III, do ECA
Nesse contexto, o Promotor da Infância e da Juventude, agindo como órgão de Estado, em defesa das crianças e dos adolescentes – merecedores de um tipo todo especial de atenção e proteção – terá legitimidade para a iniciativa da ação de alimentos quando incidentes, no caso concreto, duas condições: alimentando com idade até dezoito anos incompletos (art. 2º do ECA) e que o direito do tutelado se encontre ameaçado ou violado por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 659.498/PR, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 14/2/2005.
O posicionamento adotado tem como fundamento o disposto no art. 148, parágrafo único, “g”, do ECA, acerca da competência da Justiça da Infância e da Juventude para conhecer somente de ações de alimentos quando se tratar de criança ou adolescente que se encontrar nas situações previstas no art. 98.  
Contudo, há decisão reconhecendo a legitimidade do Ministério Público, caso não exista Defensoria Pública no município, para propor ação de execução de alimentos quando ele mesmo já a havia referendado. O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça é que, se o Ministério Público teve legitimidade para promover o acordo, terá também para executá-lo, independentemente de o menor encontrar-se sob a guarda e responsabilidade de sua mãe (REsp 510969 / PR, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. em 6/10/2005). 
Entendeu a relatora do processo, Ministra Nancy Andrighi, que o art. 201, III, do ECA dá ao órgão ministerial pertinência subjetiva para promover e acompanhar as ações de alimentos, não figurando – no referido dispositivo de lei – qualquer ressalva ou condição capaz de limitar a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses da infância e da juventude. Segundo ressalta a relatora, é preciso observar que "a proteção do ECA é ampla, no sentido de salvaguardar os direitos das crianças e dos adolescentes em todos os casos, inobstante a existência de ‘situação irregular’ ou de abandono, visto que à própria condição de pessoa em desenvolvimento subjaz a vulnerabilidade e fragilidade a serem tuteladas pela sociedade”. 
Para a ministra, os dispositivos inseridos no Estatuto não podem ter aplicação restrita aos procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude, já que isso dificultaria a principal finalidade da lei – que é a ilimitada e incondicionada proteção da criança e do adolescente. A relatora salientou que é possível verificar a violação de direito da criança, qual seja: não-cumprimento de obrigação de prestar alimentos assumida pelo alimentante em termo de acordo referendado pelo Ministério Público, o qual, diante da ofensa a direito indisponível da menor e da inércia do Estado em prover a comarca local da Defensoria Pública, invocou para si a defesa do direito subjetivo, em nome próprio, como substituto processual.
Além disso, explicou que o caso trata da execução de acordo referendado pelo Ministério Público, no atendimento à comunidade, com o objetivo de preencher lacuna relativa à ausência de Defensoria Pública no município paranaense de Francisco Beltrão. "Se não amparada pelo Ministério Público, como poderia se socorrer a população que não tem condições de arcar com as despesas advindas de um processo, notadamente em uma comarca destituída de Defensoria Pública?", questionou a ministra.
Tal enfoque, segundo a relatora, seria suficiente para conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para a propositura da ação em questão. Assim sendo, de acordo com ela, "encontra-se perfeitamente caracterizada a legitimidade do Ministério Público para atuar como substituto processual na ação de execução de prestação alimentícia em face do pai e em favor do menor, nos termos da literalidade do artigo 201, III, do ECA (...) não se descurando que a execução encontra-se fundada em acordo que o próprio MP referendou". Diante disso, a ministra Nancy Andrighi deu provimento ao recurso para declarar o reconhecimento da atuação do órgão ministerial como "legitimado extraordinário" na defesa do interesse da criança.
Registra-se, ainda, outra hipótese de legitimidade ativa do Ministério Público para requerer alimentos prevista na Lei n. 8.560/92. 
Com efeito, esta lei concede legitimação ao Parquet para ação de investigação de paternidade ao dispor em seu art. 2º, § 4º, que “se o suposto pai não atender no prazo de 30 dias a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o Juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade”. 
Tal legitimidade se subordina a indisponibilidade do interesse individual, sendo, portanto, conferida mesmo nos casos em que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à edição do referido diploma legal. 
O art. 7º da mencionada lei dispõe que “sempre que nas sentenças de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite”.
Por conseguinte, sempre que o Ministério Público estiver legitimado para a investigação de paternidade, em idênticas circunstâncias está o mesmo legitimado para requerer alimentos em favor do investigando.  
Concluindo, o Promotor de Justiça deve atuar, tanto como custos legis quanto como legitimado ativo, pautado sempre na sua função constitucional de defesa dos interesses indisponíveis, dentre eles o direito a alimentos, participando em todas as causas que envolver interesse de menores e incapazes, sendo-lhe facultada a manifestação em se tratando de maiores e capazes, sempre fundamentada, bem como agindo como parte nos casos afetos à Infância e Juventude e nas hipóteses em que a tutela dos interesses do menor esteja prejudicada pela omissão do Estado em prestar a devida assistência judiciária gratuita, tendo em vista que a atuação do Ministério Público deve ser eficaz e completa na defesa integral dos direitos indisponíveis, mormente das crianças e dos adolescentes. 

19. ADOÇÃO INTERNACIONAL
A adoção, instituto civil de direito de família, é um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação não existe naturalmente. Trata-se de uma ficção jurídica segundo a visão clássica de Arnaldo Wald. 
É certo que os institutos jurídicos ao longo da historia modificam-se na medida em que as relações sociais de cada época o exigem, não sendo diferente com o instituto da adoção que remonta ao direito romano, evoluindo por meio do direito canônico até chegar aos dias atuais cujo trato legislativo, no Direito brasileiro, encontra-se no Código Civil e na Lei 8.069-90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nesse sentido, a legislação, em regra reflexo do tempo e da cultura vivida pela sociedade em que ela emergiu, partiu de uma total discriminação quanto à figura dos filhos adotados, para a elevação destes à igualdade plena com relação aos filhos biológicos. 
É certo que o atual texto normativo constitucional, em seu art. 227, § 6º, revela o valor da igualdade entre os filhos como um dos princípios vetores do Direito de Família: "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação." Daí porque as discriminações legalizadas pelo revogado Código Civil de 1916 não poderem subsistir ante a nova ordem jurídico constitucional pós 1988, fato que se consolidou em termos legais com a edição do ECA em 1990 e do novo Código Civil, em 2002. Imagine-se que a adoção pelo antigo Código não concedia direitos hereditários ao adotado e que todos os direitos e deveres que advinham do parentesco natural permaneciam inalterados pelo novo vínculo criado pela adoção, à exceção do poder familiar, à época denominado de pátrio poder. O filho, portanto, pelo Código revogado, sofria um processo de "coisificação", isto é, constituía-se em mero objeto de um quase empréstimo, na qual a titularidade de possuidor poderia ser transferida com possibilidade de retorno ao status quo ante. Essa realidade não mais subsiste em razão da supremacia dos direitos constitucionalizados decorrente da força normativa da Constituição. 
Com base na nova principiologia constitucional, o ECA introduz em suas disposições a “doutrina da proteção integral”, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes. É possível, assim, em nível normativo, afirmar que além dos direitos fundamentais da pessoa humana, goza a criança e o adolescente do direito subjetivo de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, preservando-se sua liberdade e dignidade. O ECA ainda estabelece o dever em se assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, dentre outros direitos, a convivência familiar, tornando-se, agora, o instituto da adoção, como uma efetiva ferramenta para minimizar os efeitos devastadores do abandono moral e afetivo que assolam milhares de jovens brasileiros. 
Nesse sentido, a adoção deve sempre pautar-se em expandir a proteção dos direitos fundamentais do adotado, pois a sua única finalidade atual é garantir a efetiva convivência familiar de modo a fortalecer o desenvolvimento emocional da criança e do adolescente. Não por outra razão deixou de existir com edição do novo Código Civil a adoção simples, passando esta a ser sempre plena e irrestrita. Limita-se este novo Diploma legal a repetir as previsões do ECA trazendo poucas modificações e, em tema de adoção por estrangeiros, remete toda a sua regulamentação à lei especial (ECA). De qualquer maneira, é certo que segundo ambas as legislações no que se refere à adoção, há preferência na adoção de crianças e adolescentes brasileiros por pessoas nacionais, sendo a adoção estrangeira encarada como medida excepcional. Isso é facilmente explicável considerando o histórico no desvirtuamento que recorrentemente havia nas denominadas “adoções internacionais”, pois é certo que essas são mais suscetíveis de fraudes e ilicitudes possibilitando o tráfico de crianças e adolescente. 
Não por outra razão o Brasil, por meio do decreto legislativo nº 3.087-99, ratificou a convenção de Haia, cujo texto normativo enumera diversos requisitos para se possibilitar a adoção de crianças de um dos países signatários por casais estrangeiros. São exigidos, dentre outros requisitos, que a adoção atenda o interesse superior da criança; a existência de estudo social realizado no país do casal pretendente, noticiando a impossibilidade de colocação da criança em família substituta de seu país de origem; a inexistência de alguma forma de pagamento na constituição da adoção; haja, quando possível, o respeito pela vontade da criança ou do adolescente etc.
Segundo o ECA, o casal estrangeiro pretendente em adotar uma criança brasileira deverá se habilitar perante a comissão estadual judiciária de adoção (CEJA) a qual compete emitir um laudo de habilitação para instruir o processo de adoção. No Estado de Santa Catarina, essa comissão foi instituída pelo provimento 01-93 da Corregedoria-Geral de Justiça, com suas atribuições definidas no provimento nº 12-93. Os Casais estrangeiros deverão apresentar dentre outros documentos, estudo biopsicossocial elaborado no local de sua residência, atestados de saúde físico e mental, certidão de antecedentes criminais; certidão de casamento; passaporte; atestado de residência; declaração de rendimentos; documento expedido pela autoridade estrangeira do respectivo domicílio, comprovando estar o casal habilitado a adotar consoante as leis de seu país. 
É certo lembrar que antes de deferida a adoção, o art. 51, § 4º do ECA veda a saída do infante do país em qualquer hipótese. Assim, o estágio de convivência deverá ser realizado em território nacional por período não menor de 15 dias – para crianças de até 2 anos de idade – ou não menor de 30 dias, quando o adotando superar àquela idade. 
Não se deve esquecer, ainda, que o art. 45 do ECA estabelece que é necessária a autorização dos pais do adotante para que a adoção ocorra, ou ainda, a destituição do poder familiar. Importante destacar que a doutrina majoritária, capitaneada pelo magistério de Maria  erenice Dias, entende ser possível cumular os pedidos de destituição e adoção na mesma demanda, entendimento este que vem sendo seguido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Ap. 2005.005558-1;  Ap. 2007.061277-2 e Ap. 2007.014052-5). Vale ressaltar, porém, que o STJ, em julgados de sua 3º Turma, ainda mantém sua orientação no sentido de ser necessária ação própria de destituição do poder familiar a fim de que os genitores biológicos exerçam com plenitude o contraditório e a ampla defesa (Resp nº 283092 e Resp nº 476382).
O processo de adoção é de competência da vara especializada da Infância e Juventude e, por esta razão, incumbe ao Ministério Público fiscalizar a sua tramitação, desde a fase de habilitação no cadastro de pretendentes, até a fase de ultimação do vínculo adotivo a ser entabulado por meio de uma sentença constitutiva da autoridade judiciária competente. 
Em razão da peculiaridade que as adoções internacionais envolvem, deve o Ministério Público estar atento a qualquer indício indicativo de desvirtuamento do procedimento adotivo, o qual pode servir de fachada para ação de grupos criminosos voltados à prática do tráfico de crianças. Além do que, conforme o ECA prevê, deve-se tentar esgotar todas as possibilidades de colocação do menor em família substituta nacional para só assim se abrirem as portas à adoção estrangeira. 
De outro lado, recentes estatísticas apontam que os casais estrangeiros, diferente dos brasileiros, constantemente realizam adoções visando à ajuda humanitária, estando mais abertos a adotar crianças de etnias diferentes das suas, bem como de mais idade, crianças que em nosso país são consideradas inadotáveis. Há grande procura pelos casais brasileiros por filhos adotivos que possuam características físicas semelhantes às suas, visando, desta forma, evitar a constatação imediata da origem da filiação por parte de terceiros. Além disso, a baixa taxa de natalidade dos países desenvolvidos impulsiona cada vez mais a adoção por estrangeiros em países mais pobres como o Brasil. 
Assim, as restrições existentes na legislação brasileira à adoção por estrangeiros devem ser entendida pelos órgãos responsáveis pelo processamento e fiscalização de tal procedimento, como medidas preventivas e protetivas aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes brasileiros, priorizando a manutenção de sua nacionalidade originária e convivência com famílias brasileiras. Entretanto, em não sendo possível sua adoção por pessoas brasileiras, deve-se oportunizar aos infantes por meio da “adoção internacional”, o convívio familiar de modo a garantir um desenvolvimento afetivo saudável num lar estrangeiro, cujos casais, em sua grande maioria, diferentemente dos brasileiros, buscam crianças com idade acima dos quatro anos de idade seja de qual raça for, optando muitas vezes em adotar vários irmãos a fim de manter o elo familiar que os unem, demonstrando que primeiramente desejam ser pais, enquanto que os casais brasileiros procuram em sua grande maioria criar a ilusão de família natural, tendo como objetivo adotar bebês brancos e saudáveis ainda nos primeiros seis meses de vida. 

20. A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Quando em atos persecutórios ou na aplicação da lei penal a liberdade de ir e vir é atingida ou ameaçada indevidamente, seja por ilegalidade ou abuso de poder, a pretensão de imediato restabelecimento do direito de ir e vir, ou de remoção da ameaça que sobre ele paira, é deduzida em juízo com o pedido de habeas corpus. Instaura-se, pois, um processo cujo objetivo final é a concessão da ordem de impedir ou fazer cessar a ameaça ao direito de ir e vir. 
Introduzido no Brasil por meio do Código de Processo Criminal de 1832, é certo que hoje o habeas corpus constitui uma das mais importantes garantia fundamental inscrita no rol do art. 5º da Constituição da República de 1988, cujo objetivo é a proteção da liberdade de locomoção. Daí porque os enunciados nº 693 e 694 da súmula do Supremo Tribunal Federal realcem não ser cabível a ação de habeas corpus contra decisão condenatória de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada – por analogia, o enunciado abrange as medidas do art. 28 da Lei 11.343-06 – ou ainda contra sentença que imponha a exclusão militar ou perda de patente ou de função pública. Isso porque nesses casos a liberdade de locomoção não irá sofrer qualquer tipo de ameaça. 
É claro que a ação de habeas corpus na grande maioria das vezes se insurge contra atos de ilegalidade ou abuso de poder que atentem contra a liberdade de locomoção na esfera criminal, mas é possível sua impetração no juízo cível quando a ameaça ou lesão deste emanarem, embora não seja a regra. 
Torna-se evidente que essa ação autônoma de impugnação é um grande instrumento de proteção aos direitos fundamentais do acusado numa situação em o Estado haja iniciado atos de persecução penal, conferindo o Código de Processo Penal, no art. 654, caput, a qualquer pessoa, em seu favor ou de terceiro, capacidade postulatória para impetrar o HC. A ampliação da legitimidade ativa para essa ação é a prova da importância jurídica desse remédio constitucional na proteção dos direitos fundamentais daquele indivíduo cuja liberdade de locomoção esteja ameaçada. 
Ocorre que, no mesmo dispositivo legal supramencionado, legitima-se também a impetrar HC o Ministério Público, instituição que, segundo o art. 257, I, do CPP, cabe promover, privativamente, a ação penal pública. Ou seja, o MP tem legitimidade privativa para denunciar alguém pela prática de crimes e, ao mesmo tempo, tem legitimidade para proteger essa mesma pessoa de qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa ocorrer antes, durante ou após o curso da ação penal. A questão, então, que se mostra controversa é saber como compatibilizar essas duas atuações do Ministério Público e como essas atuações podem ser entendidas no sistema acusatório penal estabelecido como garantia fundamental na Constituição de 1988.  
O Ministério Público é o titular do direito de ação nos processos em que a res in judicium deducta versa sobre crimes de ação pública. Nesse sentido, o MP pede, promove, impetra, litiga. Titular da pretensão punitiva e do direito de acusar, é evidente que o Ministério Público tem a função e papel de parte na relação processual que se instaura a partir da ação penal. Assim, a função de acusar, defender e julgar, hoje, são desempenhas por sujeitos processuais diversos, garantindo assim o respeito ao contraditório e ao devido processo legal acusatório.
Ocorre que para resguardar o direito de liberdade do autor do crime e porque o caráter retributivo da pena o obriga a um julgamento sobre a pessoa do acusado, deu o Estado caráter processual à persecução penal de maneira que a pena somente pode ser aplicada depois da sentença condenatória. Daí o procedimento acusatório ser imprescindível a um processo constitucionalmente democrático, em que o magistrado imparcial aplica as normas do direito objetivo, dando a cada um o que é seu. 
Além disso, o Ministério Público representa o interesse público do Estado no processo penal, sendo, por isso mesmo, parte formal. Incorreto seria conceber o MP como um órgão sui generis no processo penal, pois sua qualidade de parte é cristalina. Se o MP fosse imparcial, desnecessária a figura do juiz no processo. No processo penal o MP atua como parte, pois, se assim não o for, debilitada estará a função repressiva do Estado. Ademais, o que caracteriza o conceito de parte não é a parcialidade ou imparcialidade, e sim a titularidade de direitos próprios em relação ao conteúdo do processo. Embora o ius puniendi seja de titularidade do Estado, o seu exercício é de titularidade privativa do MP quando se tratar de crimes cuja ação penal seja pública, sendo portanto certo denominar o MP de parte, embora em sentido estritamente formal ou processual. 
Assim, como titular do direito de exercer a ação penal, o MP não só pode como deve fiscalizar a fiel execução da lei penal, constituindo tal mister como projeção da incidência da força normativa dos direitos e garantias fundamentais do acusado frente o ius puniendi de titularidade estatal. Nesse sentido dispõe o art. 257, II, do CPP. Logo, o MP, como órgão da lei, pode pedir a absolvição do réu ou deixar de recorrer contra uma sentença absolutória, ou ainda impetrar HC nos termos do art. 654, caput, do CPP, sem destruir a qualificação de parte que ostenta no processo penal. Logo, é possível dizer que enquanto o juiz atua em função do interesse externo da composição da lide, o MP atua em função de interesses públicos conexos com os interesses em conflito, esforçando-se pela constituição de uma sentença justa. 
Em última análise, a legitimidade o MP para impetração de HC em favor do acusado demonstra que, de acordo com o art. 127 da CF, ao MP, em toda a sua atuação, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Diante de uma ilegalidade patente o MP como instituição constitucionalmente consagrada à proteção da ordem jurídica e ao regime democrático, está obrigado a autuar em prol da defesa dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais a liberdade de locomoção. 
Por outro lado, o MP deve evidenciar seu interesse de agir em favor do direito à liberdade do paciente, pois não é admissível que o Parquet se utilize do HC para indiretamente assegurar um direito acusatório. Nesse sentido o STF já se pronunciou diversas vezes desde 1993, reconhecendo que o HC como um instrumento vocacionado exclusivamente à proteção da liberdade individual e não como meio de sanear processo eventualmente nulo por ilegalidades ou abuso de poder. 
Como defensor da ordem jurídica, o MP vela não só pela efetiva observância da lei pelos poderes públicos, mas de toda norma jurídica – princípios e regras – e ainda das decisões dos tribunais. Não por outra razão o STF amplia o cabimento do HC para questionar a ilegalidade de inquéritos policiais e processos em que possa resultar a privação à liberdade de locomoção, cujos elementos de prova se baseiem em meios de prova que afrontem um processo penal justo e democrático como, por exemplo, inquéritos em haja a quebra de sigilo bancário injustificadamente (HC 84869) ou mesmo em que haja o flagrante desrespeito à incidência do enunciado nº 11 da súmula vinculante do STF. 
Por fim, deve-se ressaltar que a impetração de HC pelo MP, cujos membros são investidos de capacidade postulatória genérica, somente se legitima em relação ao membro que tiver conhecimento da ocorrência do constrangimento ou ameaça à liberdade em razão do exercício de suas funções, bem como nos limites de suas atribuições. Logo, se a ilegalidade é verificada no julgamento de um processo pela turma recursal que tramita no juizado especial de determinada comarca, somente o promotor de justiça com atribuições perante esta terá legitimidade para impetrar HC diretamente no Tribunal de Justiça local (após o julgamento do HC 86099, a súmula 690 do STF restou prejudicada). 
Ademais, após a Lei 8.625-93, ficou superada a dúvida sobre a possibilidade de impetração de HC por Promotores de Justiça perante tribunais de segundo grau, pois a lei anterior restringia essa possibilidade somente aos Procuradores de Justiça. De todo modo, a impetração de HC pelo MP não só encontra respaldo legal no CPP e na LONMP, mas deve ser entendida como uma imposição constitucional ao Ministério Público, instituição voltada à proteção da ordem jurídica e do regime democrático, sendo nesse último sentido, garantidor e promotor do efetivo respeito à dignidade da pessoa do acusado no processo penal. 

21. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPUNIDADE

Todos os dias nos deparamos com notícias e reportagens relativas ao aumento da criminalidade, da corrupção, mau trato do dinheiro público etc, de modo que a sensação da população como um todo é de absoluta impunidade de grande parte daqueles que afrontam a coletividade em seus valores mais básicos, em benefício próprio. 
Nesse passo, tem o Ministério Público relevante papel na diminuição desta sensação geral, uma vez que, dotado de uma série de garantias constitucionais que lhe garantem o pleno exercício das suas prerrogativas, dentre as quais se enquadra a privatividade da ação penal, possui o membro do Parquet o poder-dever de agir em prol dos interesses da sociedade.
São crescentes os números de homicídios, roubos, latrocínios, e outros crimes bárbaros que aterrorizam a população e impõem freios ao nosso desenvolvimento social. Muitas vezes o cidadão tem seus bens privados por assaltantes e nem procura a polícia, pois acredita na impunidade do ofensor.
Como detentor exclusivo da ação penal pública, o Ministério Público deve agir com rigor e segurança na instrução criminal em que oficia, para que a punição imposta ao infrator da Lei penal sirva de exemplo e desestímulo para todos os demais que pretendem ganhar a vida de maneira criminosa, e conseqüentemente aumentando a credibilidade da sociedade nos poderes constituídos e no combate a impunidade.
Ao Ministério Público são proporcionados inúmeros instrumentos para dar efetividade a um massivo combate à impunidade penal, iniciando-se pela requisição de abertura de Inquérito Policial à autoridade competente, bem como o seu respectivo acompanhamento até a propositura de eventual denúncia.
No mesmo norte, sendo o Ministério Público destinatário do Inquérito Policial e titular da ação penal pública, conferiu-lhe a Constituição Federal poderes de controle externo sob a atividade policial, podendo averiguar a efetiva investigação e repressão dos crimes que chegam ao conhecimento da Polícia.  Inclusive já tendo sumulado o Superior Tribunal de Justiça (234) que a participação de membros do Parquet na investigação policial não dá azo a uma eventual suspeição posterior pela propositura da denúncia. 
Entretanto, resta evidente que a exclusiva fiscalização ministerial não terá qualquer efeito se a atividade policial não for aprimorada em todos os sentidos. Ninguém dúvida que o crime caminha para uma acentuada especialização e profissionalização, requerendo, por conseqüência, um acompanhamento estrutural e técnico das nossas polícias, que deveriam estar muito mais preparadas e treinadas para um efetivo combate a impunidade. De maneira que, com baixos salários e despreparadas, muitas vezes a polícia mais assegura a impunidade que a reprime.
No que assiste a instrução criminal possui o Ministério Público instrumentos processuais próprios para apuração da responsabilidade penal e o combate a impunidade como um todo. Podem ser citados a Lei dos Crimes Organizados, Escuta Telefônica e os crimes hediondos, dando tratamento mais rigoroso a determinados crimes e vários outros previstos na nossa legislação adjetiva. Também merece especial destaque a Lei n. 9.613/98 que em boa hora tipificou os crimes de lavagem de dinheiro, punindo de modo específico aqueles que legalizam os bens provenientes de vários ilícitos (tráfico de entorpecente, crimes contra o sistema financeiro nacional etc).
Contudo, não se olvida que o aumento da criminalidade é um retrato fiel da nossa realidade econômica, um país que tem uma das maiores economias do mundo e ao mesmo tempo uma das piores distribuições de riqueza, não pode, unicamente através da persecução penal, persuadir toda a forma de impunidade. Deve-se criar uma política de oportunidades onde a sociedade e o Estado possam proporcionar empregos e atividades a população mais carente do nosso país.
Temos também uma das maiores cargas tributárias existentes, que realmente não se coadunam com os parcos serviços prestados pelo Estado. Grande parte dos recursos públicos que serviriam para a execução de políticas sociais é diluído por agentes públicos na ânsia de enriquecer as custas do erário.
Na verdade, o exemplo a ser dado deveria partir daqueles a quem o povo, efetivo titular do poder na ordem democrática, outorga os seus mandatos, bem como dos seus agentes que no trato com os dinheiros públicos confundem o patrimônio da coletividade com os seus, angariando verdadeiras fortunas decorrentes de práticas espúrias e desvirtuando a finalidade do Estado, que é o bem comum.
Como forma de combater essa mazela, o Ministério Público tem buscado a punição de eventuais corruptos, principalmente por meio da Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), a qual trouxe amplos poderes para que o parquet e outras entidades, punam e recuperem todos os valores ilicitamente acrescidos aos patrimônios dos agentes públicos e dos respectivos  beneficiários dos seus atos, que sofrerão sanções civis, políticas e administrativas decorrentes dos seus atos, independentemente das sanções criminais.
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em projeto pioneiro no país, igualmente tem voltado especial atenção ao aspecto preventivo da corrupção.
Diante dessa necessidade e das dificuldades em se coibir práticas corruptas que estão arraigadas na sociedade brasileira, o promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto, considerando que uma das soluções seria a atuação preventiva dos agentes sociais, iniciou um programa de mobilização e conscientização social denominado “O que você tem a ver com a corrupção?”. 
O projeto visa principalmente dimunuir a educar e estimular as novas gerações, mediante a conscintização, em médio e longo prazos, dos malefícios que a corrupção traz à vida de todos, bem como almeja diminuir a impunidade por meio da criação de um canal direto para o oferecimento de denúncias, pela polulação. 
Outrossim, é patente a participação do MP em toda espécie de ação que vise a punição ou anulação de atos lesivos ao Estado, como é o caso igualmente da ação popular, quando o MP poderá até mesmo tomar a titularidade desta nos casos de abandono pelo autor da causa.     
Finalmente temos o exemplo das ações civis públicas, que na tutela dos interesses difuso e coletivos presta ampla titularidade ao Ministério Público para que reprima a impunidade daqueles que se valem do poder econômico em prejuízo dos hiposuficientes, a exemplo das ações propostas com fulcro no CDC, ou mesmo dos poluidores que são obrigados a prevenção, repressão ou indenização resultante da degradação do meio ambiente, ou ainda nos poderes conferidos pelo ECA quando o Estado ou a sociedade não atende aos ditames da doutrina da proteção integral.
Diante do exposto, concluí-se que o Ministério Público, no uso de suas prerrogativas, tem amplos poderes para diminuir a impunidade que, em nosso país, existe nas mais variadas formas, tendo o Promotor de Justiça, repita-se, o poder-dever de velar pelos interesses da sociedade nos mais variados casos, seja na esfera criminal, na dos direitos indisponíveis ou na dos difusos e coletivos. 


Fontes: 
- Material de apoio que alguns promotores utilizaram no último concurso do MP/SC.
- Material enviado pelo Dr. Affonso Ghizzo Neto, promotor de justiça do MP/SC. 

22. 25. PENA DE MORTE E PRISÃO PERPÉTUA: VISÃO CRÍTICA

A prisão perpétua, assim como a pena de morte, constitui tema que no Brasil só pode ser discutido do ponto de vista filosófico, moral etc.. Juridicamente enfocado, a conclusão não pode ser outra: ela está terminantemente proibida pela atual Constituição da República (art. 5º, XLVII). Para superar essa barreira constitucional, em tese, existiriam três caminhos: o da emenda constitucional, o da lei ordinária e o do plebiscito.
A via da emenda constitucional que viabilizaria no nosso país a prisão perpétua ou a pena de morte acha-se bloqueada pelo que está previsto no art. 60, §4º, da Constituição, que cuida de uma das chamadas cláusulas pétreas (normas supraconstitucionais). Referida norma constitucional proíbe a deliberação de qualquer proposta de emenda tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”. A vida e a liberdade, indiscutivelmente, constituem direitos individuais (art. 5º), razão pela qual não podem ser afetados por nenhuma emenda constitucional.
Particularmente no que diz respeito à prisão perpétua, semelhante iniciativa legislativa também encontraria o obstáculo no princípio da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI, da CR. Na medida em que a prisão perpétua impede qualquer progressão de regime prisional, assim como o livramento condicional, colidiria frontalmente com o mencionado princípio.
A revisão constitucional, prevista no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, também possui limites. O poder de revisão é um poder criado pela Constituição e regulado por ela; é dizer, é um poder constituído e não constituinte. Sendo assim, não pode dispor contra suas opções fundamentais. Não é um poder de fazer “nova” Constituição, senão o de guardá-la e defendê-la, propiciando a sua acomodação a novas conjunturas.
Algumas normas, mais precisamente as chamadas normas-princípios, não podem ser objeto de revisão porque são intocáveis. Existe um núcleo “supraconstitucional” que não pode ser afetado, nem sequer pela revisão constitucional. Este núcleo está constituído pelos princípios básicos constitucionais, como os estabelecidos nos arts. 1º ao 5º, da CR, cuja imodificabilidade está garantida pelo art. 60, §4º, da CR.
Outra via possível, em tese, para a adoção da pena de morte ou da prisão perpétua seria a da lei ordinária. Mas qualquer iniciativa legislativa deste teor seria absolutamente inconstitucional na medida em que violaria os dispositivos constitucionais já citados que proíbem tanto a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, como a de prisão perpétua (art. 5º, XLVII).
Quanto ao plebiscito, dispõe o art. 49, XV, da CR, que cabe ao Congresso Nacional, com exclusividade, convocá-lo, não existindo nenhum obstáculo constitucional expresso para tal convocação. Contudo, se a pena de morte e a prisão perpétua não podem ser reconhecidas por emenda constitucional, nem pela lei ordinária, perde todo o sentido convocar o povo para opinar em plebiscito sobre algo que juridicamente é impossível.
Assim, conclui-se que todas as vias jurídicas acham-se bloqueadas para introdução no Brasil da pena de morte e da prisão perpétua.
O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional e previu a pena de prisão perpétua, foi ratificado pelo Brasil. A doutrina vem salientando que o este Tribunal cuidará de crimes graves, não previstos na legislação interna. Dessa forma, a vedação constitucional valeria internamente, não nas relações do Brasil com a comunidade internacional.
Para Luiz Flávio Gomes, todas as vezes que o Brasil tiver que “entregar” (que não se confunde com extraditar) alguém para ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, deve fazer a ressalva da pena de prisão perpétua, salientando que a entrega é condicionada à não-aplicação dessa pena, que é vedada pela nossa Constituição.
Por oportuno, vale discorrer acerca dos motivos pelos quais se postula tanto a pena de morte ou a de prisão perpétua atualmente.
Poucos países não tiveram um grande incremento da criminalidade, sobretudo depois da Segunda Guerra mundial. Esse incremento gerou a demanda de políticas criminais “duras”. Em muitos lugares se fala em “guerra” ou “luta” contra a criminalidade. Ganhou proeminência o chamado movimento da lei e da ordem.
Exatamente esta demanda de endurecimento político-criminal é que vem sendo a responsável pela severidade de vários sistemas penais, mais precisamente das respostas que o Estado deve dar para controlar o gravíssimo problema da criminalidade.
Da análise do conjunto dessas respostas estatais é possível detectar dois grupos bem delineados: o das respostas puramente repressivas, baseados no endurecimento do sistema penal e no incremento da persecução criminal; e o das respostas mais globais, de natureza predominantemente preventiva.
Por uma série de razões, que tocam principalmente a política econômica adotada em cada país e a justa distribuição da riqueza, sempre foi e continua sendo muito mais fácil adotar o primeiro modelo de política criminal, puramente repressivo. A forma mais econômica e, muitas vezes, mais demagógica de dar uma resposta estatal “popular” ao problema de delinqüência, consiste na promulgação de uma lei penal dura. Do ponto de vista econômico e do simbolismo, nada é menos custoso.
Ocorre que o complexo da delinqüência, que é plurifatorial, possui inúmeras vertentes. E a simples promulgação de uma lei, por mais dura que seja, acaba não surtindo os efeitos desejados.
Os exemplos dessa política criminal puramente repressiva são, nos dias atuais, incontáveis. Os Estados Unidos, por exemplo, declararam guerra ao narcotráfico, sobretudo nos anos 80, e ainda hoje o problema continua se avolumando. No Brasil, por sua vez, houve também adoção explícita dessa mentalidade de “luta” contra o crime a qualquer preço. O coroamento dessa política repressiva veio com a denominada Lei dos Crimes Hediondos. Não se observou, contudo, qualquer diminuição do número de seqüestros, estupros, roubos ou homicídios praticados no país.
A eficácia do sistema penal, e particularmente da lei penal, depende, em suma, de um conjunto muito complexo de fatores. 
Como destaca a moderna Criminologia, nem o incremento das taxas de criminalidade registrada significa, sem mais, um fracasso do controle social penal, nem, tampouco, parece viável um sistemático e progressivo endurecimento deste para alcançar cotas mais elevadas de eficácia. 
O controle social penal tem limitações estruturais inerentes à sua própria natureza e função, de modo que não é possível  exacerbar indefinidamente sua efetividade para melhorar, de forma progressiva, seu rendimento. A prevenção eficaz do crime não deve se limitar ao aperfeiçoamento das estratégias e mecanismos de controle social. Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juizes, mais promotores, mais prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos. 
O controle da criminalidade, em síntese, exige uma política coordenada tanto repressiva quanto preventiva.
No que concerne à repressão, para que as pessoas sejam motivadas de acordo com a norma penal, respeitando-a, é preciso que a lei penal, como já dizia Beccaria, seja aplicada de forma rápida, certa e infalível: “não é a crueldade das penas um dos maiores freios dos delitos, senão a infalibilidade delas [...] a certeza do castigo, ainda que moderado, causará sempre maior impressão que o temor de outro castigo mais terrível, mas que aparece unido com a esperança de impunidade”.
Defender a pena de morte, portanto, é defender o atraso, é reconhecer a regressão antropológica e moral do homem, tão combatida pelas idéias iluministas e humanitárias do Século XVIII. 

23. LITISCONSÓRCIOS  ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS

A questão do litisconsórcio entre as instituições é matéria controvertida na doutrina e jurisprudência, tendo o Superior Tribunal de Justiça já se manifestado acerca da sua possibilidade (REsp n. 382659 / RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, j. em 2/12/2003). 
  Ao comentar o tema Hugo Nigro Mazzilli relembra, como ocorreu a luta pela aprovação da atuação conjunta dos Ministérios Públicos para uma atuação mais eficiente, especialmente em matéria ambiental.  
No VI Congresso Nacional do Ministério Público em São Paulo, no ano de 1985, a tese não foi aprovada, sendo adotada apenas a solução intermediária de assistência listisconsorcial. 
Em 1988, nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, houve nova tentativa, mas também não se obteve êxito. 
O primeiro diploma legal que previu a possibilidade de litisconsórcio entre os Ministérios Públicos foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 210, § 1º.
Com a colaboração de Nelson Nery Júnior e Antônio Herman Benjamin é que foi encaminhada nova proposta ao Congresso Nacional, que foi aprovada em dois dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.  
O art. 82, § 2º, do CDC repetiu o texto do 210, § 1º, do ECA e foi vetado.
No entanto, o art. 113 do CDC acrescentou parágrafos ao art. 5º da Lei 7.347, entre eles, o § 5º, que repete o teor do ECA. O artigo 113 do CDC, posto com o mesma redação do referido artigo 82, § 2º (vetado), foi sancionado: “admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que trata esta lei”. 
As razões do veto do artigo 82, § 2º, do CDC foram: a) o dispositivo fere o artigo 128, § 5º, da CF que reserva à lei complementar a disciplina da organização, atribuições e estatuto de cada MP; b) somente poderia haver litisconsórcio se a todos e a cada um dos MP tocasse qualidade que lhe autorizasse a condução autônoma do processo, o que o artigo 128 da CF não admitiria.
Diante da incoerência do veto ao 82, § 2º, do CDC e da sanção do artigo 113, também do CDC (este tendo acrescentado o § 5º ao artigo 5º da Lei 7347), surgiram correntes contrárias e favoráveis ao litisconsórcio. 
Teothonio Negrão prega que o art. 113 do CDC também fora vetado expressamente pelo Presidente, mas, por engano, a publicação oficial do Código de Defesa do Consumidor os deu como sancionados, quando, em realidade, foram vetados. 
Vicente Grego Filho diz ser inconstitucional o referido § 5º: “É curial que a atuação do MP acompanhe a competência dos órgaõs jurisdicionais perante os quais atua. Assim, se a competência para o processo é da  Justiça Federal,  o Ministério Público estadual não pode atuar perante ela e vice-versa. O direito brasileiro tem conhecido delegações  de atribuições do Ministério Público federal para o estadual. como, por exemplo, a promoção da execução da dívida ativa federal ou a ação penal nos crimes de tráfico de entorpecentes com o exterior, mas sempre vinculado à competência do juiz perante  o qual atua. Lei ordinária não poderia quebrar o sistema. Viola  o parágrafo o próprio sistema federativo, porque subverte as competências das autonomias.” (Comentários ao CDC, coord. Juarez de Oliveira, São Paulo, Saraiva). 
No entanto a corrente predominante até o momento defende o § 5º é constitucional e está em vigor. Os argumentos da corrente favorável são: 
a) “(...) a organização do Ministério Público hoje nada tem a ver com a dos órgaõs jurisdicionais. E em nada desnatura o princípio federativo que o MP estadual tenha algumas funções perante a JF ou vice-versa, como até há poucos anos ocorria nas execuções fiscais e ainda ocorre na Justiça Federal e trabalhista; nas cartas precatórias ou de ordem; na ação penal por tráfico de entorpecentes para o exterior; na avaliação de renda e prejuízos decorrentes de autorização para pesquisa mineral; na possibilidade de o MP Federal interpor recurso extraordinário perante tribunais estaduais (LC 75/93, art. 37, parágrafo único); 
b) Embora tenha a CF reservado à Lei Complementar de cada MP a disciplina de suas atribuições, organizações e estatuto, isto não significa que a lei federal ordinária não possa cometer atribuições ao MP, ou que à disciplina processual esteja ele imune; c) Os princípios da unidade e indivisibilidade do MP só valem dentro de cada instituição; não podem ser invocados para disciplinar a atuação de Ministérios  Públicos dos Estados diversos, ou entre a destes e o da União, nem mesmo a atuação dos diversos Ministérios Públicos da União entre si, a não ser considerando unidade e indivisibilidade sob o aspecto puramente abstrato. No mesmo sentido diz Motauri:  “Em verdade, ditos princípios  somente valem dentro de cada Instituição: assim, o MP de SP é uno e indivisível, como o é, por exemplo o MP Federal. No entanto, não existe um MP que possamos chamar de nacional, abarcando a todos, que seja uno e indivisível.”
Como já afirmado a maioria da doutrina e jurisprudência admitem o litisconsórcio em comento. Questão que surge: perante qual justiça será proposta a ação em listisconsórcio? Segundo a doutrina depende do interesse tutelado. Se Federal, na Justiça Federal. Se Estadual, na Justiça Estadual. Contudo, o STF, em decisão unânime de seu Pleno, decidiu que, pertencente o Ministério Público Federal à estrutura da União, as ações por ele aforadas devem ter curso perante a justiça federal, nos termos do art. 109, I, da CF – RE 228.955-9, 10/02/2000). Motauri conclui: “Em corolário, o litisconsórcio entre MPs do Estado e da União (incluídos o Federal e o do Trabalho) somente pode ocorrer em ações ajuizadas perante a justiça federal -  e não a estadual. (...) se a lei admite o litisconsórcio entre MPs e se estes ao ingressarem com a ação civil pública o fazem por direito próprio -  e não dependência um do outro – por certo que o disposto no art. 5º, § 5º, autoriza também cada um deles a propor demanda isoladamente”. 
A possibilidade de litisconsórcio entre os Ministérios Públicos repercurte, sobremaneira, em benefício da coletividade, na defesa dos interesses de maior abrangência social. 
Isso porque, em sede de Ação Civil Pública, a natureza dos interesses difusos faz com que a matéria, muitas vezes, não possa ficar circunscrita a limites geográficos, pois, em matéria de meio ambiente ou tutela do consumidor, é comum o interesse objetivado dizer respeito tanto à esfera federal, estadual e municipal, sendo que a integração é importante para a atuação ministerial na defesa desses interesses e direitos da sociedade, o que já vem surtindo efeitos positivos, pois, conforme o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, no voto do REsp citado alhures: “a atuação do Ministério Público em defesa da Ordem Jurídica e da Carta Cidadã tem sido digna de louvor e homenagens”. 

24. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL

Tanto a maioridade civil quanto a penal, no sistema brasileiro, são prévia e abstratamente definidas pela legislação adotando-se um critério biológico no qual o fator tempo é preponderante, segundo o qual se presume que o indivíduo, ao atingir determinada idade, passa a ter o discernimento necessário de suas condutas e, desse modo, a responder plenamente por seus atos, quer na esfera criminal, quer na civil. Importante destacar, porém, que muito embora a questão civil seja, via de regra, adstrita a interesses de particulares, a imputabilidade penal é matéria de alta indagação prevista no corpo constitucional (art. 228).
Até recentemente eram distintos os momentos em que restavam alcançadas as maioridades penal e civil, haja vista que aquela se implementava aos 18 anos de idade e esta aos 21.
Tal dicotomia, contudo, restou superada com o advento do Código Civil de 2002, que reduziu para os 18 anos o patamar referente à maioridade civil, contexto que repercutiu sobremaneira nas relações sociais, pois se por um lado todos os sujeitos que satisfaçam tal requisito passam a ter capacidade plena de contrair obrigações e dispor livremente de seus bens, por outro enfoque mitigam-se as hipóteses de responsabilização civil dos progenitores por atos dos filhos menores que estejam sob sua guarda, cabendo frisar também a redução no volume de processos a ensejar intervenção do Ministério Público como fiscal da lei na tutela dos interesses dos incapazes.
Entretanto, se relativamente definida a questão referente à maioridade civil, o mesmo não se pode dizer com relação à penal, ensejadora de séria problemática e acalorados debates ideológicos nos últimos tempos, motivados sobretudo pela aparente escalada do número de infrações graves cometidas por menores de idade, gerando natural perplexidade e fazendo com que boa parte da mídia conduza a opinião pública leiga a clamar pela redução da idade de imputabilidade penal, fazendo surgir defensores de diversas teses, ora pretendendo sua fixação nos 16 anos, ora adotando-se critério biopsicológico segundo o qual se deva realizar avaliação técnica para detectar-se o grau de compreensão do infrator sobre a gravidade do ato por ele cometido.
Reflexo desse movimento é o fato de existirem 3 projetos de emenda constitucional tramitando no Senado (Comissão de Constituição e Justiça), como se a mera alteração normativa possuísse o condão de estancar a criminalidade que assola o meio social.
Cabe ressaltar, porém, que não são poucas as vozes que defendem a impossibilidade de reforma constitucional neste aspecto por entenderem que se trata de direito individual erigido ao status de cláusula pétrea nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, da CF, e, por isso, somente podendo ser suprimido por nova Assembléia Nacional Constituinte, contexto que parece distante da realidade brasileira neste momento.
De todo modo, partindo-se da hipótese de ser possível a Emenda Constitucional no caso e, assim, analisando-se o mérito da questão: há ou não a necessidade de diminuir a maioridade penal?
Tratando-se de menores de 18 anos, a legislação Brasileira há muito considera que a pessoa abaixo dessa faixa etária não tem o desenvolvimento capaz de compreender exatamente a natureza da sua conduta, não estando apta a ser condenada a uma pena, mas precisa, em casos graves, de internação em estabelecimento adequado a formá-lo para a vida social. Melhor dizendo, enquanto o menor, porque sequer formada por inteiro sua personalidade, deve ser educado para o convívio em sociedade, o maior, porque desvirtuado seu processo de formação, deve ser reeducado e ressocializado. Ora, se são distintas as necessidades, impõe-se seja distinto o tratamento legal.
Sobre o adolescente, vejamos o seguinte trecho:
“É comum períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade emocional com demonstração freqüente de instabilidade. Sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo. As emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz para outro pleno de euforia.” (ZAGURY, Tânia. Educar sem culpa. p. 82).
Somem-se a isso, as influências negativas sobre muitos adolescentes do meio familiar e ou social. A autodeterminação é neles incompleta, por força de fatores endógenos e é influenciado pelos fatores ambientais. O adolescente, pois, se é criado num mosteiro, tende a virar um monge; se é criado na criminalidade, torna-se um delinqüente em potencial.
Observa-se também que boa parte daqueles que bradam por mudanças no ordenamento jurídico neste tocante possuem a falsa impressão de que impera a impunidade nos casos de atos infracionais praticados por adolescentes, o que não condiz com a realidade, porquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma série de medidas sócio-educativas, dentre as quais a internação por até 3 (três) anos, sendo possível até mesmo a internação provisória por até 45 dias.
Ocorre que a sociedade hodierna é pautada pela lógica da vingança e do revanchismo e, assim, passa-se a propalar a falácia de que o prazo limítrofe de 3 anos seria insuficiente para reprimir e prevenir a criminalidade, olvidando-se de atacar a real causa do problema, qual seja, a incapacidade do Estado de oferecer Centros de Internação adequados ao alcance do desiderato ao qual se propõe.
Ou seja, reconhecendo a falência do sistema de tratamento psicossocial dos menores infratores, os defensores da redução da maioridade penal, ao invés de combater pela implementação de políticas públicas adequadas a garantir os direitos dos adolescentes, preferem defender que tais garantias sejam restritas a um grupo menor de indivíduos.
Esquecem que a Constituição da República e o ECA se norteiam pela Doutrina da Proteção Integral, segundo a qual é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos hábeis ao desenvolvimento sadio das crianças e dos adolescentes.
A lógica da lei, todavia, deve ser a lógica da razão, desapegada de comoções circunstanciais, e é dentro de tal contexto que o Ministério Público deve batalhar incansavelmente pelo respeito das garantias dos menores inseridos na criminalidade e, através de seus órgãos de execução, fiscalizar a atuação do Estado e mesmo da sociedade, assumindo papel de destaque na busca de um sistema onde nossas crianças e adolescentes possam superar a delinqüência ao invés de serem alijadas do convívio comunitário. 
25. 31. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA

A Constituição da República de 1988, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004, não tornava absoluta a vedação de atividade político-partidária aos membros do Ministério Público, já que fazia expressa ressalva às exceções contidas na lei infraconstitucional (art. 128, §5º, II, e). Aos juízes a vedação é absoluta, conforme se infere da redação do art. 95, parágrafo único, III, da Constituição da República, o qual não sofreu qualquer alteração desde a promulgação desta.
É evidente que ao juiz e ao promotor de justiça, como cidadãos, não se lhes pode vedar tenham opinião político-partidária. Entende-se, contudo, como atividade político-partidária,  incompatível com a necessária isenção de ânimo para as questões submetidas à apreciação do magistrado e do membro do Ministério Público, a filiação a partidos políticos, o exercício de qualquer ação direta em favor de um partido e a participação em campanhas promovidas por partidos políticos.
Devem, ainda, abster-se de qualquer ato de propaganda ou de adesão pública a programas de qualquer corrente ou partido político, bem como abster-se de promover ou participar de desfiles, passeatas, comícios e reuniões de partidos políticos. Considera-se, ainda, atividade político-partidária: fundar partidos políticos, bem como pertencer a órgãos de direção partidária ou ainda concorrer a postos eletivos.
Pressupõe atividade político-partidária concorrer a cargos eletivos tanto do Poder Executivo como do Poder Legislativo, pois que a filiação a partido e a campanha eleitoral dela são indissociáveis.
Já o exercício de cargos administrativos como secretário de Município ou de Estado, ou ministro de Estado, ou ainda chefe de gabinete ou assessores de autoridades administrativas, por si mesmo não pressupõe necessariamente atividade político-partidária, embora os ocupantes de tais cargos possam nela envolver-se. A correta proibição dessas atividades não se encontra no art. 128, §5º, II, e, da Constituição, e sim na vedação de exercício ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função pública, salvo uma de magistério (art. 128, §5º, II, d).
Excetuadas as hipóteses cobertas pela norma do art. 29, §3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual determina que o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição de 1988 poderá optar pelo regime anterior no que respeita às garantias e vantagens, não é permitido o exercício de cargo público, salvo uma de magistério.
A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93) dispõe ser vedado o exercício de atividade político-partidária aos seus membros, ressalvada a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer (art. 237). Dispõe, ainda, que a filiação a partido político impede o exercício de funções eleitorais para o membro do Ministério Público até 2 (dois) anos de seu cancelamento (art. 80).
Já a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93) mencionou a filiação partidária e outras exceções previstas em lei (art. 44, V) como ressalva à vedação de atividade político-partidária por membro do Parquet.
Por sua vez, a Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina (Lei Complementar nº 197/2000) já vedava qualquer atividade político-partidária ao membro do Ministério Público que tivesse ingressado na carreira a partir de 5 de outubro de 1988 (art. 158 c/c art. 201, §1º).
O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, limitou o alcance da norma inscrita no art. 44, V, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, ao afirmar que 
[...] a única exegese constitucionalmente possível é aquela que apenas admite a filiação partidária de representante do Ministério Público dos Estados-membros, se realizada nas hipóteses de afastamento, do integrante do Parquet, de suas funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei. (ADIn 1.377-7-DF, j. 3-6-98). 
Da mesma forma, apreciando o alcance dos arts. 80 e 237, V, da Lei Orgânica do Ministério Público da União, a mesma corte só entendeu admissível a filiação partidária do membro do Ministério Público que esteja afastado de suas funções institucionais, mas ressaltou a necessidade de que este cancele sua filiação partidária antes de reassumir suas funções, quaisquer que sejam, e apontou a impossibilidade de que desempenhe funções pertinentes ao Ministério Público Eleitoral antes de dois anos após o cancelamento da filiação (ADIn 1.371-8-DF, j. 2-6-98).
Assim, para que possa concorrer a pleito eleitoral, o membro do Ministério Público deve se afastar de suas funções institucionais nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, conforme previsto no art. 1º, II, j, da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inegibilidades). Se o membro do Ministério Público pretender concorrer ao cargo de Prefeito ou de Vice-Prefeito da respectiva comarca, ele deve afastar-se de suas funções nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais (art. 1º, IV, b, LC nº 64/90). Se pretender concorrer ao cargo de Vereador, deverá observar o prazo de 6 (seis) meses, como estabelece o art. 1º, VII, da LC nº 64/90. O prazo de desincompatibilização se prolonga por todo o período eleitoral.
Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal contido nas ADIn’s 1.371 e 1.377, acima mencionadas, os membros do Ministério Público não podem exercer o cargo estando filiados. Dessa forma, somente após se desimcompatibilizarem (nos prazos da Lei Complementar nº 64/90), devem efetuar a necessária filiação partidária, não lhes sendo exigível o prazo anual previsto no art. 18, da Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos). 
Para Hugo Nigro Mazzilli, as vedações são garantidas para um correto e isento exercício das relevantes funções cometidas a seus membros, e o exercício de atividade político-partidária por membro do Ministério Público absorve, desvia e desprofissionaliza seus agentes. Quando assumem posturas político-partidárias, aproximam-se demasiadamente de tendências e grupos políticos, de forma incompatível com uma atuação isenta. O exercício de atividade político-partidária, a disputa de cargos eletivos e o financiamento de campanhas também levam a compromissos e aproximação, de acordo com as lições desse autor.
Assim, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que retirou da redação do art. 128, §5º, II, e, “salvo exceções previstas na lei”, a atividade político-partidária por membro do Ministério Público passou a ser absolutamente vedada.
O Conselho Nacional do Ministério Público, no exercício da competência fixada no art. 130-A, §2º, II, da Constituição da República, editou a Resolução nº 5, de 20 de março de 2006, para disciplinar o exercício de atividade político-partidária e de cargos público por membros do Ministério Público Nacional. 
De acordo com a redação do art. 1º de referida Resolução, os membros do Ministério Público que ingressaram na carreira após a publicação da Emenda nº 45/2004 estão proibidos de exercer atividade político-partidária.
Quanto ao exercício de outra função pública, salvo uma de magistério, entendeu o Conselho Nacional do Ministério Público que somente estão autorizados a exercê-la o membro que integrava o Parquet em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição da República, e que tenham manifestado a opção pelo regime anterior.
A Resolução esclareceu, ainda, que o inciso IX do artigo 129 da Constituição não autoriza o afastamento de membros do Ministério Público para exercício de outra função publica, senão o exercício da própria função institucional e nessa perspectiva devem ser interpretados os arts. 10, IX, c, da Lei nº 8.625/93, e 6º, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar nº 75/93. Assim também deve ser interpretado o art. 44, parágrafo único, da Lei nº 8.625/93.
Estabeleceu a Resolução, por fim, que os membros afastados para o exercício de cargo público deveriam retornar aos órgãos de origem no prazo de 90 dias, desde que não tivessem optado pelo regime anterior à promulgação da Constituição de 1988.
Diante do exposto, pode-se observar que após a publicação da Emenda nº 45/2004, e de acordo com as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o membro que ingressou na carreira após a Emenda em tela está proibido de exercer qualquer atividade político-partidária, não podendo se afastar de suas atividades para concorrer a cargo eletivo senão pela via da exoneração.


26. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INTERESSE PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL

Com a Constituição de 1988 o Brasil incorporou ao seu ordenamento postulados inerentes ao Estado Social — o que implicava o compromisso político de implementá-los mediante ações positivas, na perspectiva da realização do bem comum.
O panorama jurídico que então se delineara trouxe conseqüências importantes para o Ministério Público, inclusive no que tange à forma como tradicionalmente vinha atuando no processo civil. É indubitável a relevância dada ao Parquet com a Constituição de 1988. A evolução foi tal que o Ministério Público ainda não conseguiu exercer com plenitude suas múltiplas atribuições.
Em conformidade com o art. 127 da Carta Magna, o Ministério Público é o órgão incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tarefa para a qual, além das funções expressamente previstas no art. 129 do texto constitucional, ficou aberta a possibilidade de lhe serem conferidas outras, desde que sejam compatíveis com sua finalidade constitucional e não envolvam representação judicial e consultoria de entidades públicas. 
Relativamente à participação do Parquet no processo civil, o código atual sistematizou sua função em título próprio (arts. 81 a 85). Atuando na condição de custos legis, as hipóteses de intervenção do Ministério Público estão previstas no art. 82, I, II e III.
A interpretação dos dois primeiros incisos do artigo mencionado, além da primeira parte do inciso III, não enseja dificuldade. Porém, quando o Código preceituou a intervenção do Ministério Público “nas causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte” (art. 82, III, CPC), gerou forte controvérsia na doutrina e na jurisprudência, cuja polêmica gira em torno da expressão “interesse público”, já que todas as colocações em torno do conceito pecam pela imprecisão e pela excessiva generalidade.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, interesse público “é aquele que o ordenamento positivo qualifica como tal, por submetê-lo a um regime jurídico de direito público, dominado pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público”. 
Embora o Estatuto Processual Civil só faça referência ao interesse público no inciso III do art. 82, é certo que toda e qualquer atuação do Ministério Público, no processo civil, somente se faz em nome do interesse público, que se evidencia pela natureza da lide em causas que a aplicação do direito objetivo não pode ficar circunscrita às questões levantadas pelos litigantes, mas, ao contrário, deve alcançar valores mais relevantes que tenham primado na resolução processual do litígio. 
Deve-se estabelecer a distinção entre interesse público, entendido como o interesse do bem geral, e o interesse da Administração. É sempre pelo primeiro deles que deve zelar o Ministério Público – ou seja, a simples presença de pessoa pública ou entidade da Administração direta ou indireta não justifica, por si só, a intervenção ministerial. A qualidade da parte à qual alude o dispositivo sob análise como forme de influência no interesse público não se manifesta pela personalidade do litigante, mas pela condição em que demanda ou é demandado. Assim é que a simples presença de pessoa jurídica de direito público, que já goza, no processo, de diversas normas que excepcionam o princípio da igualdade entre as partes, em causas cujo interesse é meramente patrimonial, não é suficiente para caracterizar o interesse público a exigir a intervenção ministerial.
O Ministério Público tem o encargo de patrocinar os interesses públicos primários, que remontam à sociedade como tal e a seus valores — e não os secundários, cujo titular é o Estado como pessoa jurídica. Ao Ministério Público é categoricamente vedado o patrocínio de entidades estatais (art. 129, inc. IX). Constitui aberração a intervenção do Ministério Público em causas nas quais é parte uma entidade estatal, só pela presença destas no processo.
O interesse público mencionado no art. 82 do CPC, para embasar a atuação do Ministério Público como custos legis, quer significar um interesse geral ligado a valores de maior relevância, vinculado aos fins sociais e às exigências do bem comum, e deve coincidir com os interesses sociais mencionados no art. 127 da Constituição da República. 
Uma vez identificado o interesse público, em que pese o entendimento de autores que sustentam que o art. 82, III do CPC confere ao Ministério Público atribuição para intervir nas causas em que haja interesse público, mas não obrigatoriedade, a maior parte da doutrina entende que a atuação do Ministério Público não é facultativa, mas sempre obrigatória, em decorrência da própria indisponibilidade dos interesses cuja tutela se acha a seu cargo. Além disso, intervindo como fiscal da lei, a atuação do Parquet é sempre imparcial.
Em contrapartida, a doutrina é pacífica no sentido de conferir ao próprio Ministério Público a avaliação quanto à presença ou ausência de interesse público a reclamar sua intervenção como fiscal da lei, a partir do exame do caso concreto. Não se trata, aqui, de avaliação discricionária, sob os critérios de conveniência e oportunidade. Trata-se de operação de natureza interpretativa, cabendo ao Ministério Público manifestar-se quanto à ocorrência de interesse público sempre que se ache em litígio algum direito indisponível da parte, ou que o objeto da causa esteja sob a regência de normas de ordem pública.
A falta de intervenção do Ministério Público, nas causas em que há interesse público, acarreta a nulidade do processo a partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado, como expressamente enuncia o art. 246 do CPC. Trata-se de nulidade absoluta, e a falta de intervenção do Ministério Público torna a sentença rescindível, por força do art. 487, III do mesmo diploma processual.
O que se evidencia é que o Ministério Público não fica atrelado à determinação judicial, competindo-lhe larga margem de independência na avaliação do interesse público. Nesse caso, tendo o órgão do Parquet entendido que não há interesse público a justificar sua intervenção no processo, e dele divergindo o juiz, insistindo pela manifestação ministerial, a solução será a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, tomando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal. O certo é que a intervenção do Ministério Público está relacionada com o zelo do interesse público. Por isso, a este compete a avaliação atinente.

REFERÊNCIAS
ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional. Disponível em http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_artigos.php&ID_MATERIA=1236.

CACCURI, Antônio Edvig. O Ministério Público e as causas de interesse público. In Revista dos Tribunais, ano 92, v. 814. P. 753-766.

FERNANDES, Carlos Henrique. Ministério Público e Interesse Público – a hipótese prevista no art. 82, III, parte final, do Código de Processo Civil. In ATUAÇÃO – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. n.º 2. Jan-abr/2004. P. 11-51.

27. RACIONALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL


A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo formato para o Ministério Público, conferindo-lhe atribuições na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis.
Neste tocante, a sociedade, através do constituinte, teve o propósito de municiar o Ministério Público de instrumentos e garantias para que, através de seus membros, tivesse uma atuação efetiva na defesa dos interesses sociais.
Com o despertar cada vez mais intenso do sentimento de cidadania e o descrédito das instituições públicas, a sociedade recorre ao Ministério Público para a concretização de seus direitos individuais e sociais de cidadão.
Todavia, nas duas últimas décadas assumiu o Ministério Público volume de atribuições além de sua capacidade de desempenho. A responsabilidade da Instituição acha-se superdimensionada, exigindo assim uma racionalização de sua atividade, escoimando resquícios incompatíveis com a eficácia que a sociedade espera de sua atuação. Com efeito, torna-se imprescindível estabelecer prioridades, concentrando-se a força de trabalho nas macrofunções institucionais.
A racionalização da atuação do Ministério Público no processo civil, como órgão interveniente, constitui estratégia fundamental na consecução dos objetivos finalísticos da Instituição. Mais dos que suprimir atribuições, importa adotar políticas organizacionais internas de maior amplitude para elevar o nível de eficiência dos órgãos de execução. Os planos de atuação, nesse contexto, são instrumentos fundamentais para a consecução dos objetivos institucionais.
Registre-se aqui a impossibilidade de resolução do problema com a criação de novos cargos para fazer frente às demandas sociais, considerando a carência de recursos da grande maioria dos Ministérios Públicos, além da limitação de gastos com pessoal, imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal (2% da receita líquida do Estado). 
Surgem, então, uma série de propostas para que a atuação dos órgãos de execução ministerial seja racionalizada, a fim de se obter resultados úteis e eficientes na defesa dos direitos metaindividuais conferidos ao Parquet pelo constituinte.
A primeira medida diz respeito à mudança da forma de atuação do Ministério Público como custos legis. Premissa sempre presente na atividade do Promotor deve ser a utilidade e efetividade de sua atuação para avaliação da necessidade de enfrentamento do caso concreto.
Outra possibilidade é a não participação do órgão de execução do Parquet em feitos sem interesse social.  Além disso, outra forma de racionalização de atuação no processo civil está relacionada com a dispensa de manifestação na fase recursal pelo representante de primeiro grau, já que a manifestação ministerial seria apresentada pelo representante da instância superior.
A fim de uniformizar e incentivar a adoção da racionalização da atuação funcional, por deliberação do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e União, adveio a famosa “Carta de Ipojuca (PE)”, de 13 de maio de 2003, que prescreveu a necessidade de racionalizar a intervenção do Parquet no processo civil, através de recomendações a seus membros, indicando, respeitada a independência funcional, as lides em que a intervenção ministerial se mostra desnecessária.
Além disso, em seu 41º Encontro, o Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União editou a “Carta de Florianópolis”, de 19 de agosto de 2004, reconhecendo a necessidade de racionalização das atribuições legais da Instituição Ministerial, reservando a implementação desta política aos Ministérios Públicos da União e dos Estados, por intermédio de seus órgãos de administração superior, cujo poder-dever orientará a edição de atos regulamentadores.
A respeito, no âmbito do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, foi editado o Ato Conjunto n.º 178/2001/PGJ/CGMP, do Procurador-Geral de Justiça e do Corregedor-Geral do Ministério Público, que dispensa a manifestação do Promotor de Justiça em grau de recurso sobre as razões e contra-razões das partes, consignando nos autos que a manifestação do Ministério Público será apresentada, se for o caso, pelo Órgão de Segunda Instância.
Além disso, em 05 de outubro de 2004 o Procurador-Geral de Justiça editou o Ato nº 103/2004/PGJ, republicado em 10 de maio de 2005, que, respeitado o princípio da independência funcional, passou a vigorar como parâmetro de orientação na atuação ministerial, sem caráter vinculativo. 
Por este Ato, tem-se que, intimado a pronunciar-se na condição de fiscal da lei, o órgão do Ministério Público, não vislumbrando interesse relevante a reclamar sua tutela, poderá dar à intervenção caráter meramente formal, declinando de maneira sucinta as razões do seu posicionamento, indicando ainda as hipóteses em que é admitido tal juízo . Reforça ainda que, quando houver intervenção em defesa de interesse tutelável, recorrendo as partes, poderá o órgão do Ministério Público de primeiro grau manifestar-se apenas sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso.

Analisando a Carta de Ipojuca e a Carta de Florianópolis, além das recomendações expedidas pelos Ministérios Públicos estaduais, um ponto sobressai: a desnecessidade da intervenção ministerial em processos que digam respeito a direitos individuais disponíveis, salvo a existência das hipóteses previstas no artigo 82 do Código de Processo Civil.
Ao pretender racionalizar suas atividades como fiscal da lei, outro objetivo não parece ter o Ministério Público senão o de encontrar caminhos capazes de permitir-lhe o resgate de seu compromisso institucional, visando, nos limites de suas atribuições e das consequentes responsabilidades, para atender as demandas atuais da sociedade brasileira.
A racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil como fiscal da lei é uma questão que precisa ser olhada, sobretudo, sob a ótica do compromisso e da responsabilidade das instituições públicas com a realização dos fins do Estado, afastando-se por inteiro as paixões pessoais ou corporativas. Assim sendo, o Ministério Público deve pautar sua atuação na área cível por uma postura de integração com a sociedade, assumindo o papel de articulador social, visando colaborar nas soluções efetivas dos problemas da comunidade.

REFERÊNCIAS

ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional. Disponível em http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_artigos.php&ID_MATERIA=1236. 

AUAD FILHO, Jorge Romcy. A intervenção do Ministério Público no processo civil à luz do Estatuto do Idoso. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10021.

HENRIQUES, Gabriela de Borges. Comentários aos artigos 81 a 85 do Código de Processo Civil - do Ministério Público. Disponível em http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/00c0081a0085.php.

ROCHA, Vera Nilva Álvares. Racionalização da Intervenção do Ministério Público no Processo Civil. Boletim Científico, ESPMU, Brasília, a. III – n. 10, p. 173-176, jan./mar. 2004.

TRAJANO, Fábio de Souza. Racionalização da Atividade Ministerial na Defesa do Consumidor. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense – Atuação n. 1, set./dez. 2003. Publicação conjunta da Procuradoria-Geral de Justiça e da Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP).

28. 28. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O REGIME DEMOCRÁTICO

A história registra que o conceito, características e importância da democracia têm sofrido incessantes transformações no curso do tempo.
Num sentindo mais amplo, desde a idade clássica até os nossos dias, a democracia sempre foi entendida como sendo a forma de governo em que a titularidade do poder soberano pertence ao povo, ou seja, cujo poder político é exercido por ele, estando a exigir um permanente diálogo entre o Estado e a Sociedade.
Nas palavras do estadista norte-americano Abraham Lincoln, que ofereceu uma visão mais atual de como entendemos o sistema democrático, a democracia é o governo “do povo, pelo povo e para o povo".
Considerando que a história da humanidade é a história do conflito entre autoridade e liberdade, o regime democrático apresenta-se como o mais adequado à descentralização do poder, garantindo os direitos fundamentais e possibilitando a criação de uma ordem social, sob o império da soberania popular. 
Assim, há estreita ligação entre democracia e um Ministério Público forte e independente. Um Ministério Público forte, mas submisso, só pode convir a governos totalitários.
O Ministério Público brasileiro, como instituição, só nasceu na República, pois no Brasil-Império e no Brasil-Colônia os procuradores do rei eram meros representantes dos interesses da Coroa.
Com a proclamação da República, coube a Campos Salles, na qualidade de Ministro da Justiça do Governo Provisório, fazer com que o Ministério Público brasileiro ganhasse contornos de instituição. Ao preparar a edição do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que dispôs sobre a Lei Orgânica da Justiça Federal, fez consignar na exposição de motivos:
O Ministério Público é instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da justiça, à qual compete: velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”
Depois de vários avanços e retrocessos de nossa República, quando alternamos entre período de ditadura e renascimento democrático, a Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público à defesa do regime democrático, conforme dicção do art. 127, caput.
Porque está investido de uma parcela da soberania estatal e comunga de sua estrutura, o Ministério Público é órgão do Estado. Por isso, a estrutura e o funcionamento do Parquet espelham, com bastante correspondência e realismo, a fisionomia do Estado do qual é integrante.
A Constituição de 1988, fruto da ruptura com a ditadura antecedente, assentou-se num modelo estritamente democrático. De forma natural, destinou nosso Ministério Público à defesa do regime que lhe era mais caro.
A rigor, portanto, o Ministério Público pode existir seja num regime autoritário, seja num regime democrático; poderá ser forte tanto num, quanto noutro caso; porém, só será verdadeiramente independente num regime essencialmente democrático, porque não convém a governo totalitário algum que haja uma instituição, ainda que do próprio Estado, que possa tomar, com liberdade total, a decisão de acusar governantes ou de não processar os inimigos destes últimos.
Em verdade, a instituição mal sobrevive nos regimes totalitários, porque é de sua essência a construção de uma sociedade regida pela supremacia da vontade popular, pela preservação da liberdade e da igualdade de direitos.
Ministério Público e democracia guardam, portanto, grandes afinidades e uma certa cumplicidade no combate à desigualdade social. 
Para Hugo Nigro Mazzilli, para que o Ministério Público dê cumprimento ao elevado mister de defesa do regime democrático, há alguns princípios que devem iluminar sua atuação. Deverá, assim, zelar para que:
a) existam mecanismos pelos quais a grande maioria do povo possa tomar decisões concretas, não apenas para escolha de um governante ou de um legislador a cada meia dúzia de anos e, a partir daí, faça este o que bem entender, mesmo contrariamente o que prometeu antes de ser eleito, mas sim para que o povo possa decidir as grandes questões que digam respeito ao destino do País e possa controlar o exercício do mandato dos que foram eleitos, o que inclui necessariamente a cassação do eleito, em caso de violação dos compromissos partidários; 
b) funcionem efetivamente esses canais de manifestação (como criação, fusão, extinção de partidos; sufrágios freqüentes não só para investidura dos governantes, como também para
as grandes questões nacionais etc.);
c) haja total liberdade no funcionamento desses canais de controle; 
d) sejam validamente apurados os resultados dessas manifestações (eleições, plebiscitos, referendos); 
e) sejam efetivamente cumpridas as decisões ali tomadas (dever positivo); 
f) seja combatido qualquer desvio de cumprimento das decisões ali tomadas (dever negativo); 
g) sejam prioritariamente defendidos “aqueles que se encontram excluídos, os empobrecidos, os explorados, os oprimidos, aqueles que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela sociedade”.
Este mesmo autor nomeia os seguintes meios ou instrumentos que possui o Ministério Público para fazer valer todas essas potencialidades:
a) a ação penal, para responsabilizar todos aqueles que, ao violarem as regras democráticas, também cometam ações penalmente típicas; 
b) a ação de inconstitucionalidade e a representação interventiva, para assegurar a prevalência dos princípios democráticos; 
c) o inquérito civil e a correspondente ação civil pública, especialmente para cobrar o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; 
d) o controle externo da atividade policial, para assegurar não só o cumprimento dos seus deveres de zelo pela ordem jurídica, como ainda e principalmente para evitar abusos contra as liberdades individuais e sociais e, sobretudo, para evitar que o Ministério Público só trabalhe nos casos que a polícia queira; 
e) a visita aos presos, que hoje se amontoam em cadeias e presídios condições subumanas, para as quais fecham os olhos a sociedade e o Estado; 
f) o zelo pelos direitos constitucionais do cidadão, podendo ouvir representantes da sociedade civil e promover audiências públicas; 
g) a defesa de minorias (como vítimas de preconceitos, as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os índios, as crianças e adolescentes); 
h) o combate à inércia governamental em questões como mortalidade infantil, falta de ensino básico, falta de atendimento de saúde, defesa do meio ambiente e do consumidor, entre outras prioridades.
Incumbe-lhe, portanto, incursionar-se cada vez mais no sistema democrático, combatendo a inconstitucionalidade das leis que não correspondam ao interesse geral; a improbidade administrativa; as fraudes eleitorais; o eventual desequilíbrio na separação e independência dos poderes; a violação dos princípios de igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana e da cidadania, buscando, assim, assegurar o direito à vida, à alimentação, à educação, à segurança, à saúde, ao trabalho, bem como o acesso à justiça e tudo o mais que decorra do regime democrático.

29. 32.  RELAÇÕES ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO E O PODER JUDICIÁRIO – DÉBORA
As primeiras bases teóricas a respeito da separação de poderes do Estado foram lançadas na antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra “Política”, pela qual o filósofo prescreveu a existência de três funções distintas do poder soberano. Em linhas gerais, pode-se afirmar que as funções distintas observadas por Aristóteles consistiam nas funções de elaborar normas gerais (legislar), aplicar tais normas ao caso concreto (julgar) e executá-las nos casos concretos (executivo).
Sucede que Aristóteles descreveu a concentração de tais funções na figura de um soberano, decorrendo desta concepção teórica a forma de governar denominada de absolutismo, tendo como figura mais conhecida o soberano Luis XIV, autor da frase “O Estado sou eu”.
Posteriormente, sob as influências do Estado liberal burguês, Montesquieu aprimorou a tese de Aristóteles para então lançar a obra o “Espírito das Leis”, através da qual defendia que três funções soberanas estavam relacionadas com três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. 
A teoria burguesa serviu de sucedâneo para o desenvolvimento das revoluções americana e francesa, redundando na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”.
Dessa forma, cada órgão do Estado exercia uma função típica, relacionada à sua natureza, de maneira autônoma e independente, sem a interferência de outro órgão incumbido de função diversa da sua.
A divisão de funções atrelada a cada órgão do Poder Soberano fez surgir a teoria dos freios e contrapesos, consagrada na maioria das Constituições e associada ao Estado Democrático de Direito. Na Constituição Federativa do Brasil, a essência da teoria está revelada em seu artigo 2° da seguinte forma: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Tem-se, assim, a síntese da Teoria da Separação dos Poderes.
De outro lado, é importante anotar que a teoria de Montesquieu sofreu abrandamentos em decorrência das realidades sociais e históricas, de forma que cada órgão do Poder Soberano passou a exercer uma função típica predominante de acordo com sua natureza, mas também outras funções atípicas. 
Como exemplos, cito a função típica do Poder Legislativo de editar normas gerais e a função atípica de julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República, consoante autoriza o art. 52, inciso I, da Constituição Federal. Por sua vez, o Poder Judiciário está atrelado à função típica de aplicar a lei ao caso concreto, ao passo que acumula a função atípica de elaborar o regimento interno dos Tribunais, de acordo com o prescrito no art. 96, inciso I, da Constituição Federal.
Impende registrar que a inter-relação de funções entre um órgão e outro do Poder Soberano não implica ofensa ao princípio da separação dos Poderes, na medida em que a delimitação das funções foi prevista constitucionalmente pelo poder constituinte originário.
Como o tema ora a ser explanado refere-se, em parte ao Poder Judiciário, conveniente traçar algumas de suas principais funções, características e prerrogativas.
O Poder Judiciário exerce a função típica jurisdicional, sem se olvidar das funções atípicas de natureza executivo-administrativa, a exemplo da capacidade de organizar suas secretarias, conforme art. 96, inciso I, alínea b, e a concessão de licença e férias a seus membros, de acordo com o art. 96, inciso I, alínea f, ambos da Constituição Federal.
As características, por sua vez, referem-se, em síntese, à inércia jurisdicional – estampada no art. 2° do CPC e 24 do CPP – pela a qual o Poder Judiciário somente se manifesta mediante provocação das partes, bem como a característica da definitividade das decisões judiciais, as quais ficam acobertadas pela coisa julgada material e formal quando insuscetíveis de reforma pelo Tribunal.
E como forma de permitir a função jurisdicional em consonância com o Estado Democrático de Direito, o legislador constituinte originário acobertou o Poder Judiciário de garantias. Ora, as garantias constitucionais do Poder Judiciário são relevantes na tripartição dos poderes, uma vez que asseguram a independência na tomada de decisões.
De acordo com a lição de José Afonso da Silva (na obra: Curso de Direito Constitucional Positivo), as garantias dividem-se em:
Garantias Institucionais: são as garantias da própria instituição, relacionadas com a autonomia orgânico-administrativa e autonomia financeira. Ou seja, cabe ao Judiciário eleger seus órgãos diretivos, elaborar regimento interno, organizar a estrutura administrativa e encaminhas as propostas orçamentárias
Garantias funcionais: são as garantias que asseguram a independência e a imparcialidade dos membros.  São elas:
Vitaliciedade: significa que o magistrado só perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, adquirida dois anos de efetivo exercício no cargo. Está prevista no art. 95, inciso I, da Constituição Federal.
Inamovibilidade: prevista no art. 95, inciso II, da Constituição Federal, garante ao magistrado a impossibilidade de remoção sem o seu consentimento, salvo por interesse público mediante o voto da maioria absoluta do tribunal respectivo.
Irredutibilidade de vencimentos: segundo o art. 95, inciso III, da Constituição Federal, o subsídio do magistrado não poderá ser reduzido.
Por derradeiro, para garantir a imparcialidade dos órgãos judiciários, aos magistrados foram impostas as vedações previstas no parágrafo único do art. 95 da Constituição Federal.          São elas: Exercer outro cargo, ainda que em disponibilidade, salvo uma de magistério; Receber custas ou participação em processo; Dedicar-se à atividade político-partidária; Receber a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades; Exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes do decurso de 3 anos a contar do afastamento.
Igualmente, a estrutura do Poder Judiciário está prevista constitucionalmente no art. 92 da Constituição Federal. Depreende-se, da leitura deste artigo, que o constituinte não inseriu o Ministério Público como órgão integrante do Poder Judiciário.
E nem poderia ser diferente. Explico o porquê.
Ao Ministério Público foi reservado espaço próprio na Constituição Federal, atribuindo-lhe o status de função essencial à justiça e conferindo a ele defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais coletivos, conforme preconiza o artigo 127 da Constituição Federal.
Ainda que o Ministério Público tenhas as mesmas garantias institucionais (autonomia funcional, administrativa e financeira), dos membros (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios), bem como determinados impedimentos imputados a seus membros, em tudo equiparando ao Poder Judiciário em termos de garantias constitucionais, a instituição não faz parte deste Poder.
Assim, a valorização do Ministério Público é da essência da Constituição Federal, pois a instituição está destinada a ser um órgão de defesa da sociedade, e não do Poder Soberano estatal, como é o Poder Judiciário. Podemos afirmar, nesse contexto, que o Ministério Público é órgão de Poder Soberano sob o ponto de vista da soberania do povo, uma vez que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos”, nos termos do parágrafo único do art. 2° da Constituição Federal.
Nessa ordem de idéias, para a consolidação do Estado Democrático, não basta a imparcialidade do Poder Judiciário, porquanto é indispensável a existência de um órgão igualmente independente que promova a defesa dos interesses sociais, razão pela qual o Ministério Público é essencial à função jurisdicional do Estado, sem que faça parte do Poder Judiciário.

30. O CRIME ORGANIZADO E PROPOSTAS PARA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

1. Direito penal de emergência e objeto da lei
A lei das organizações criminosas é uma expressão do direito penal de emergência, caracteriza-se pela quebra de garantias, justificada por um situação excepcional. 
Trata-se de lei eminentemente processual, pois prevê meios de prova e procedimentos investigatórios, decorrentes de quadrilha, bando, organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.
a) Quadrilha ou banco (art. 288 do CP): é associação estável e permanente de mais de três pessoas com o fim de praticar uma série indeterminada de crimes. Consuma-se independentemente da prática dos delitos para os quais os agentes se associaram.
b) Associações criminosas: estão previstas em leis especiais: art. 35 da Lei de Drogas; art. 2.º da Lei 2.889/56 (genocídio); art. 16 e 24 da Lei 7.171/83 (Lei de Segurança Nacional); e
c) Organizações criminosas: segundo professor Fernando Capez o conceito de organização criminosa pode ser extraído do Tratado de Palermo: “entende-se por:
"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Em contraposição, há os que sustentam que não há definição legal para organização criminosa. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes.

2. O Ministério Público e a atividade investigatória.
O Parquet é o titular exclusivo da ação penal pública (art. 129 da CF/88). No entanto, para o exercício de suas funções, necessita de suporte probatório mínimo para o ajuizamento da ação penal e a obtenção de algumas providências cautelares. 
A Constituição Federal atribui ao Ministério Público poderes investigatórios ao assegurar, no art. 129, incisos VI e VIII, a prerrogativa de utilizar requisição ministerial para obtenção de documentos e realização de diligências, depreendendo-se que, se o parquet pode o mais, vale dizer, requisitar que outros realizem diligências consideradas necessárias para o esclarecimentos de fatos, ele pode, com muito mais razão, fazer o menos, ou seja, realizar e conduzir suas próprias investigações. A atividade investigatória decorre, portanto, do natural exercício da ação penal. 
A Lei orgânica nacional do Ministério Público - Lei n. 8.625/93 - regulamentou o disposto na CF/88 assegurando definitivamente a figura da requisição ministerial e a lei que trata do crime organizado dispõe que, em qualquer fase de persecução criminal, poder-se-á fazer uso dos meios operacionais previstos na inovadora lei. Portanto, o parquet pode utilizar-se dos procedimentos especiais da lei para obtenção de provas, quando da realização de investigação própria.

3. Alguns procedimentos previstos na Lei para combater o crime organizado
A) A quebra do sigilo de dados bancários, financeiros, fiscais e eleitorais (art. 2.º, III)
A Lei nº 9.034/95 surge como forma de dotar os órgãos encarregados da persecução criminal de meios operacionais e jurídicos para atuarem no combate ao crime organizado. No entanto, o legislador, no afã de mostrar à opinião pública sua indignação com o avanço da criminalidade, elaborou uma lei permeada de defeitos técnicos, razão pela qual a doutrina e jurisprudência começam a apontar inconstitucionalidades e restrições ao alcance da mesma.
Em vista disso, o art. 3.º, da referida lei, ao atribuir ao juiz a tarefa de colher provas fora do processo, agindo de ofício, quebrou o princípio da imparcialidade, violando também o devido processo legal, que não existe sem o pressuposto de uma jurisdição independente e imparcial (ADIN 1.570).
Nesse julgado, o STF entendeu que em relação aos dados fiscais e eleitorais, o art. 3.º foi declarado inconstitucional, pois atentava contra o sistema acusatório, atribuindo ao juiz funções de investigação, revestindo-se da figura do juiz inquisidor.
No tocante ao sigilo de dados bancários e financeiros, o STF entendeu que o artigo foi revogado pela superveniência da LC 105/01, que passou a disciplinar a matéria.
Segundo a LC 105/01 são legitimados a quebrar o sigilo bancário e financeiro: juiz, comissão parlamentar de inquérito, autoridades fazendárias no curso do procedimento fiscal. E quanto ao Ministério Público?
Há divergência de posicionamentos:
a) o Ministério Público pode decretar diretamente a quebra de sigilo bancário quando o caso envolver verbas públicas, em vista do poder de requisição (art. 129, VIII, da CF), conforme MS 21.729 (1995).
b) O Ministério público não está autorizado, necessitando, em todas as hipóteses, de interferência do Poder Judiciário. É o entendimento que predomina do STJ (RHC 20.329) e STF (21.301).

B) Captação e interceptação ambiental
A Lei 9.296/96: não só ratificou o princípio da intangibilidade do direito à intimidade como regra constitucional, como estabeleceu de forma clara os estreitos limites da interceptação das comunicações telefônicas, com o propósito de dotar o ordenamento jurídico de meios eficazes e adequados no combate ao crime organizado. Pode ser utilizada em investigação criminal e em instrução processual penal, podendo ser empregada em qualquer espécie de comunicação telefônica, incluindo-se aí aquelas em sistema de informática e telemática.

C) Infiltração de agentes policiais (art. 5.º) 
O agente infiltrado é pessoa infiltrado é pessoa integrante  da estrutura dos serviços policias ou de inteligência, que é introduzida dentro de uma organização criminosa, ocultando-se sua verdadeira identidade e tendo como finalidade a obtenção de informações para que seja possível sua desarticulação.
Limites: o agente fica autorizado para praticar crime de quadrilha ou bando e, assim o fazendo, estará protegido pelo estrito cumprimento do dever legal. Se vier a cometer crime de homicídio coagido por integrante da organização, igualmente, não responderá pelo delito por inexigibilidade de conduta diversa.

4. Propostas de atuação ministerial:
O cenário atual vem mostrando que o Ministério Público afasta-se, cada vez, mais daquela idéia de reprodutor daquilo que foi apurado no inquérito policial, participando atividade investigatória no combate ao crime organizado.
Visando cooperar com a elaboração e aperfeiçoamento de doutrina institucional sugiro as seguintes propostas operacionais e institucionais de atuação ministerial face dos crimes praticados por organizações criminosas ou não :
2. O Parquet deve participar e acompanhar, segundo o seu juízo, da apuração de infrações penais que representem maior ameaça ao meio social, ao lado da autoridade policial, acompanhando-as, sugerindo medidas, orientando-as e colaborando com a investigação; 
● O Ministério Público tem legitimidade para conduzir e realizar investigações próprias, mediante procedimento investigatório (64), podendo e devendo para tanto, requisitar dos órgãos públicos os meios e serviços necessários, bem como assessoramento técnico das entidades de estudo e pesquisa; 
O Ministério Público pode se utilizar dos meios legais existentes, durante suas investigações, visando obter peças de informação, podendo buscar, quando necessário, apoio operacional junto aos comandos das polícias local e da Procuradoria Geral de Justiça. 
A investigação ministerial pressupõe a existência de policiais exclusivamente voltados para o trabalho de investigação, o que demanda a criação de uma seção de investigação ministerial, responsável pela apuração da criminalidade organizada (entendendo-se crimes de corrupção, roubo de cargas, etc), a qual deve ser subordinada hierárquica e administrativamente ao Ministério Público.
A Administração Superior do Ministério Público deve traçar política de aproximação com os comandos das Polícias e Superintendências das Receitas Federal e Estadual, observando-se as seguintes sugestões : a) estreitar laços funcionais, através da realização de operações de investigação e repressão ao crime; b) realizar convênios de cessão de viaturas e policiais para realização de investigações sensíveis (66) a cargo do parquet, objetivando suprir os órgãos ministeriais dos meios materiais; c) criar banco de dados relacionados com crimes de repercussão, realizando troca de informações com outras centrais de inteligência e órgãos fiscais; d) efetuar convênios nacionais e internacionais de cooperação técnica com academias de polícia, buscando ensinar técnicas de investigação aos membros do parquet; e) ministrar estudos e trocar experiências sobre o tema "O parquet e a investigação", propondo-se a médio prazo, a mudança na estrutura investigatória, sugerindo-se a subordinação da polícia judiciária ao titular da ação penal, nos moldes de diversos países europeus. 
Finalizando, o real enfrentamento da criminalidade organizada, que sabidamente norte a corrupção e o tráfico de inteligência, a capacitação dos membros das instituições que atuam na persecução penal, ou seja, policiais civis e militares, agentes, peritos, membros do Ministério Público e Magistrados, medida esta  associada à integração dos sistemas de informação governamental, incluindo-se aí instituições financeiras e tributárias, para obter-se ação igualmente organizada e com a convergência de resultados. 

Parte da palestra de Denílson Feitosa (Ex-Secretário-Geral do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC) no seminário realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina em setembro de 2007:
"As organizações criminosas seguem a lógica da complexidade, e não da simplicidade. Elas se interligam a outras organizações e a instituições públicas", disse Feitoza. É por isso que ele instruiu os participantes do seminário a ampliar os conhecimentos adquiridos na carreira jurídica, para uma atuação mais ampla possível e de forma conjunta, lançando mão de sistemas de gestão da informação e utilizando métodos, técnicas e ferramentas adequados para lidar com as informações necessárias. "É preciso situar as organizações criminosas em toda a sua teia concreta de inter-relações", defendeu. Além disso, lembrou que, para combater o crime organizado, é necessário pensar também na repercussão social, especialmente porque este influencia na economia.
Em sua palestra, prestou informações técnicas, discorreu sobre as diversas disciplinas e marcos teóricos que devem ser aplicados conjuntamente ao Direito e falou sobre ferramentas e meios de exercer a inteligência e a contra-inteligência, no âmbito do Ministério Público. Para ele, o Promotor de Justiça atualmente deve pensar o crime organizado de forma preventiva, e não apenas repressiva. E também reunir forças com as Polícias, avaliando o contexto da sociedade e os interesses conflitantes que envolvem o mundo do crime. "A organização econômico-financeira, comercial, tecnológica e política do mundo possibilita a manutenção e/ou surgimento das organizações ciminosas",



31. - INFLUÊNCIA DOS CURSOS DE DIREITO NO PROCESSO DE SELEÇÃO DAS CARREIRAS JURÍDICAS

O Ensino Jurídico no Brasil tem sido fortemente impulsionado no sentido da criação de novos cursos e da ampliação das facilidades de acesso.
O aumento da procura dos cursos jurídicos não significa de nenhum modo que esteja aumentando o grau de eficácia dos direitos dos cidadãos ou que as instituições públicas e privadas estejam cada vez mais ditando o seu comportamento pelo respeito aos direitos alheios, ao utilizarem com mais intensidade mão-de-obra juridicamente qualificada.
Ao contrário, o aumento pela procura dos cursos jurídicos deve-se fundamentalmente ao crescimento da oferta de postos de trabalho com formação jurídica no setor público, decorrente da elevada litigiosidade das instituições públicas e do alto índice de violação dos direitos dos cidadãos.
O diploma de bacharel em Direito alimenta a ilusão de acesso rápido a um emprego certo com um bom salário e, portanto, de sobrevivência condigna para aqueles que ingressam nos cursos jurídicos.
Os anos em que o futuro operador do direito passa na faculdade e a forma como ele os aproveita são cruciais para o desenvolvimento de suas futuras atividades profissionais. Cabe à faculdade, além de preparar tecnicamente o bacharel, incutir-lhe consciência social a respeito de suas funções quando operador do Direito.
A educação assume, assim, papel fundamental na definição do perfil do operador jurídico, tornando-se relevante, inclusive, para a mudança deste. Contudo, o que se verifica é que não há nas faculdades orientação vocacional acerca da carreira jurídica que o bacharel mais se identifica, a fim de orientá-lo a seguir o caminho que mais se enquadra no seu perfil.
O ensino jurídico atual encontra-se em crise, devido à existência de um grande número de faculdades de Direito no país. E tal fato reflete diretamente nos últimos resultados da OAB, os quais demonstram um alto índice de reprovação dos bacharéis. Estes graduandos se vêem suscetíveis a uma avaliação ao fim do seu curso jurídico de forma que possa ser avaliado e sofra uma seleção para somente assim estar apto ao exercício da advocacia.
O operador jurídico atual enfrenta o desafio de resgatar sua credibilidade, que tem sido questionada em virtude das péssimas condições de ensino das diversas faculdades que surgem a cada dia no país.
Deve-se observar que as faculdades de Direito devem deixar de ser centros de transmissão de informação, para se dedicarem, prioritariamente, à formação da personalidade do aluno, do futuro advogado, juiz, promotor, defensor público, de sujeitos que saibam reagir frente aos estímulos do meio sócio-econômico. As faculdades deveriam ensinar o aluno a pensar, e não somente a decorar textos presentes em Códigos.
Na realidade, o que se deve fazer, em primeiro lugar, é reforçar nos cursos de Direito, para todos os alunos, a formação humanística, estimulando a aquisição de conhecimentos sobre história e a realidade das sociedades humanas, para que o profissional do direito, seja qual for a área de sua escolha, saiba o que tem sido, o que é e o que pode ser a presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e das relações sociais. A par disso, devem ser transmitidas noções básicas de disciplinas relacionadas com os comportamentos humanos, como a antropologia, a sociologia, a psicologia, pois, seja qual for o conflito jurídico, esses aspectos sempre estarão presentes e é importante que o profissional do direito saiba reconhecê-los.
È necessário que haja uma melhora no ensino jurídico das faculdades. Onde o rigor se iniciaria no ensino, na possibilidade de um aprendizado mais prático, através da exigência de estágios diversos e da facilitação para a realização destes.
No currículo, deve ser abandonada qualquer preocupação extensiva, desenvolvendo-se o programa em três eixos - fundamental, profissional e de formação prática -, voltado primordialmente para a conscientização da responsabilidade social do jurista. Nas atividades práticas, além dos exercícios reais ou fictícios de patrocínio e assessoramento jurídico em estágios ou escritórios-modelo, devem ser estimulados projetos de ação social junto à comunidade para a melhoria do acesso ao Direito, à Justiça e à cidadania.
Na formação para o mercado de trabalho, as escolas de Direito devem priorizar o estudo da deontologia das profissões jurídicas, entre elas a da magistratura, da advocacia, da consultoria jurídica, do Ministério Público e do magistério jurídico.
Os cursos de Direito devem formar e consolidar grupos de estudo e de pesquisa para o levantamento das necessidades jurídicas das comunidades e regiões a que estão vinculadas e para a priorização da formação profissional destinada a atuar junto a elas na melhoria do acesso ao Direito e à Justiça.
A responsabilidade das faculdades de Direito não é apenas a de colocar em sala de aula professores que conheçam as matérias, mas que saibam transmiti-las e que saibam despertar nos seus alunos o interesse em estudá-las e delas fazer uso em benefício de todos. O Direito não se aprende somente para si mesmo, mas para os outros.
Enfim, a finalidade do ensino jurídico deve ser a de formar profissionais de alto nível, capazes de pensar nos problemas da sociedade brasileira e de formular soluções jurídicas para equacioná-los, assim como de estudar os meios de assegurar a todos o acesso ao Direito e à Justiça. Assim, os alunos sentiriam-se mais seguros e preparados para escolherem a carreira que pretendem seguir.
32. CASUÍSMO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Direito, em um de seus prismas, pode ser visto como um conjunto de normas jurídicas tendentes a regular o comportamento social tendo em vista a concretização da Justiça e da Segurança Social. Estas normas não cominam um plano imaginário ou especialmente preparado para a incidência normativa. Elas atuam no cotidiano social, configurando-se do jeito que ele realmente é e não da forma pela qual foi imaginado. São os fatos sociais em toda a sua complexidade que oferecem subsídios para o conteúdo das normas jurídicas. Por isso, advém a afirmação de que o Direito, antes de ser um fenômeno jurídico, é um fenômeno social.
O problema que se configura na determinação da realidade fática é a sua modificação, enquanto o Direito, pela sua própria essência, representa uma estruturação pouco permeável a bruscas modificações. Sua adequação à realidade é lenta. A falta de sincronia existente, pela rápida evolução do fenômeno social e a lenta adaptação da seara jurídica, constitui disparidades jurídicas que comprometem a eficácia do ordenamento. 
Todavia, se o descompasso entre a norma e a realidade for tão relevante que não expresse as reais forças motrizes do poder social existente na sociedade, acarretará as denominadas Leis Folhas de Papel, aquelas que não passam de um papel escrito, sem valor algum, onde não há cumprimento de suas normas. Passa a ter valor, apenas, formal, não dispondo de forças para ver seu texto cumprido. Desta forma, uma grande distância entre a realidade social e a fática gera ineficácia normativa. 
Contudo, a necessidade da regulamentação do novo cotidiano fático acaba por criar uma superinflação legislativa. Há inúmeras leis regulando inúmeros fatos. É o casuísmo do ordenamento jurídico brasileiro. 
Dentro de tal ordem, nem mesmo os operadores do direito têm capacidade intelectiva de captar e manter na memória essa imensidão normativa. Que dirá o cidadão, muitas vezes cidadão só no título. Assim, toda a força do direito reside numa farsa, a de que todos devem conhecer a lei.

a) Conseqüências do Casuísmo no Direito Penal
É no Direito Penal que o casuísmo das leis ganha relevo ainda mais preocupante. Segundo a conveniência e a oportunidade avaliada pela Administração, recorre-se à repressão penal, construindo-se tipos penais abertos, com constante reenvio a normas regulamentadoras, que dão o conteúdo dos elementos normativos do tipo. Só agora definir crimes por medidas provisórias constitui absurdo, mas, um dia, lá atrás no tempo, isso aconteceu. Além disso, a inflação legislativa dá a falsa impressão de segurança à população, tudo impulsionado por parte de uma imprensa que dramatiza, em busca da audiência.
Em inúmeros casos o legislador, levado pela "urgência" e pelo ineditismo das novas situações, não encontra outra resposta (na verdade, nem sequer busca outra resposta) que não seja a conjuntural ("reação emocional legislativa"), que tende a ser de natureza "penal", dependendo dos benefícios eleitorais que possa alcançar. Invoca-se o Direito penal como instrumento para soluções de problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não soluciona coisa alguma. Nisso reside o simbolismo penal.
Vários são os exemplos do que acaba de ser narrado (cf. O Estado de S. Paulo de 18.05.08, p. C6, matéria assinada por Laura Diniz): a partir de um fato midiático, a mídia pressiona e o Congresso Nacional cede, editando nova lei. Vejamos:
1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina – irmão de um parlamentar, na época – etc.) veio a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais etc.;
2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos (veio, com isso, a Lei 8.930/1994, que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo);
3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agredindo e matando pessoas na Favela Naval (Diadema-SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997);
4) em 1998 foi a vez da "pílula falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de Direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do "escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98, para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em quarenta e oito horas;
5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor ("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;
6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);
7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do roubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;
8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei vigente). Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");
9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri.
O legislador precisa se convencer de que a Lei deve ser a expressão da vontade do Povo, da vontade Geral. Deve atender às necessidades e aos anseios da coletividade, do corpo social, pois não legisla para si ou para seus pares tão-somente. 
No entanto, não pode ceder ao clamor popular e à pressão dos meios de comunicação, sob pena de aprovar leis que recrudescem a legislação penal sem a necessária atenção e estudo, sem ponderar sobre os verdadeiros motivos da criminalidade, impulsionados pelo calor dos acontecimentos, com sede de vingança e rápida solução, ainda que paliativa.
É claro que a missão da lei, notadamente a penal em um Estado Democrático de Direito é a de materializar condutas que acompanhem os conflitos e anseios sociais, não sendo imutáveis, portanto. Contudo, não estamos mais vivenciando a mera e pura formalidade legal, eis que no caso exemplificativo do Brasil adotou-se o regime democrático, sendo o conteúdo social da norma elencada em seu grau máximo.
A lei transformada em mero condutor da política governamental acaba por definhar toda uma estrutura de proteção do Estado, principalmente em termos de Direito Penal (por conta de sua característica de fragmentariedade), a ponto de transitar de um lícito para um delito ou majorar o grau de poder governamental em função tão somente de uma decisão unilateral normativa sem critérios.
Portanto resta a questão: retornaremos ao “status” do casuísmo e da observância cega à lei que tanto legitimou Estados despóticos e ausentes e racionalismo? Não podemos pensar sempre a curto prazo, com soluções imediatistas, onde se prefere o simplismo, herança do regime ditatorial da década de 60 e do comportamento apolítico da população, de modo geral.
33. A ANENCEFALIA E O DIREITO
ANENCEFALIA: CONCEITO.
A Anencefalia trata-se de uma má-formação congênita que ocorre por volta do 24º dia após a concepção, quando o tubo neural sofre um defeito em seu fechamento. Desta irregularidade resulta uma estrutura encefálica inexistente ou, caso existente, amorfa, estando solta no líquido amniótico ou deste separada somente por uma membrana. Segundo o Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução n.º 1.752/04, os anencéfalos são natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco encefálico. 
Certo é que a anomalia é incompatível com a vida, pois é letal em 100% dos casos. A incompletude do encéfalo determina que cerca de 75% dos fetos nasçam mortos e que os 25% restantes apenas sobrevivam poucas horas, dias ou semanas. 
Números existentes apontam a incidência de 0,6 portadores de anencefalia para cada mil fetos nascidos vivos, sendo o Brasil o quarto país no mundo com o maior número de incidência de fetos anencefálicos, ficando atrás apenas de México, Chile e Paraguai. Estima-se que a Justiça brasileira já tenha permitido, nos últimos 15 anos, ao menos, 5.000 abortos de fetos anencefálicos.

Hipóteses legais de aborto.
O art. 128 do Código Penal prevê duas hipóteses nas quais a interrupção da gestação ou aborto não sofrerá punição. Uma delas é o aborto necessário, quando a continuidade da gravidez coloca em risco a vida da gestante. A segunda hipótese prevista no referido artigo é o aborto humanitário ou sentimental. Neste caso, não se pune a interrupção da gravidez decorrente de estupro.
Logo, se a interrupção da gestação for embasada em qualquer outro fundamento, a conduta será tida por ilícita, sofrendo os responsáveis a incidência da pena cominada pelos arts. 124 a 126 do CP. Isto posto, somente não haverá discussão quanto à legalidade do abortamento de anencéfalos se a gestação puder ser enquadrada nas hipóteses literalmente previstas no sistema repressivo de inaplicabilidade da pena. Indo além da subsunção do fato na norma, este método de interpretação aplicado na questão da anencefalia leva a se considerar legal a conduta abortiva dos fetos portadores desta má-formação, a partir de uma interpretação dos artigos do Código Penal conforme a Constituição e os princípios soberanos elencados na Carta, sem redução de texto.
Assim, foi lançada a tese de que o abortamento de anencéfalos se enquadra na hipótese do art. 128, I, CP, qual seja, de aborto necessário. Partindo do pressuposto que para ter vida é preciso ter saúde, os defensores desta forma de interpretação afirmam que a gestação de anencéfalos ocasionaria um mal-estar físico e psicológico que permitiriam a incidência da permissão prevista neste inciso, tratando a situação como um estado de necessidade, no qual a supressão da vida do anencéfalo visa preservar um
bem maior, qual seja, o direito da mãe ao exercício da vida em sua plenitude. 
A visão de interrupção terapêutica da gestação, em razão do risco que se põe à mulher, é a posição adotada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS, responsável pelo ajuizamento da ADPF 54, que buscou amparo legal para que os profissionais da saúde possam vir a realizar a interrupção da gravidez nos casos de gestação de feto anencefálico, sem sofrerem as punições prevista no Código Penal. 

Direitos envolvidos: um paralelo.
A questão em pauta tornou-se mais polêmica com a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em 2004. A reincidência de casos levou o ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, no dia 1º de julho de 2004, a autorizar o aborto de anencéfalos em todo o Brasil, mediante liminar. No entanto, no dia 20 de outubro de 2004, o plenário do STF deu parecer contrário à liminar, derrubando-a por 7 votos a 4.
A decisão concessiva do Ministro do STF não somente afastou a ilicitude ou a culpabilidade da conduta por inexigibilidade de outra conduta, mas a própria tipicidade, considerando que não existe aborto quando o produto da concepção é anencefálico, pois não há vida em potencial. 
Emerge a idéia que o encéfalo não é considerado um ser humano vivo. Isso porque, ganha espaço a noção de que só há vida quando o cérebro superior (encéfalo) se forma e funciona normalmente. A idéia de vida, neste caso, fica indissoluvelmente associada à de personalidade. 
Entre 2001 e 2006, os tribunais de Justiça do País receberam 46 pedidos de interrupção da gravidez de anencéfalos. Em 54% dos casos, a decisão foi favorável à mulher, permitindo o procedimento. Em outros 35% o pedido foi negado. Nas demandas restantes, o tempo para decisão foi tão longo que o feto morreu antes de proferida a sentença. 
Marco Aurélio amparou seu entendimento em preceitos constitucionais, como:
3. Dignidade da pessoa humana, no caso, da mulher, que deve ter a opção de conduzir a gestação, da qual resultará fruto inviável;
4. Legalidade, por todos os direitos que amparam tal entendimento, os quais são constitucionalmente defendidos na Carta Maior como direitos fundamentais da pessoa humana;
5. Liberdade e autonomia da vontade, no sentido de livre-arbítrio da mãe;
6. Direito à saúde da gestante: na gravidez de fetos anômalos, as gestantes contraem várias complicações como, por exemplo, a deslocação da placenta, o trabalho de parto demora de 2 a 3 vezes mais, é de 3 a 5 vezes maior a incidência de hipotonia uterina e hemorragia no pós-parto. Pelo fato da mulher não amamentar, a involução uterina é mais lenta, suscitando sangramentos. Além do mais, inclui-se no conceito de saúde o bem-estar psicológico, vastamente abalado pela obrigatoriedade de levar a termo uma gestação nas condições impostas; 
7. Não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, livrando a mãe da exposição a tamanho sofrimento. 
Ainda, pode-se acrescentar o direito à igualdade, o qual se manifesta, neste caso, como o direito a ter uma gestação saudável, viável, da qual resulte, como ocorre na grande maioria dos casos, uma vida, tão esperada pelos pais e familiares, em função da qual crescem inúmeros planos e sentimentos felizes.  Em suma, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação a vários direitos fundamentais protegidos na Carta Republicana de 1988. 
Pelo fato da patologia resultar em inviabilidade de vida extra-uterina, levanta-se a tese de antecipação terapêutica do parto, e não aborto. Segundo Luís Roberto Barroso, representante da CNTS, no aborto a morte do feto deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade da vida extra-uterina do feto, o que não ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico. Logo, não há potencial de vida a ser protegido; somente o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo de um aborto. 
Questiona-se o anacronismo da legislação penal. Em 1940, quando editada a Parte Especial do diploma, a tecnologia existente não possibilitava o diagnóstico preciso de anomalias fetais incompatíveis com a vida. Assim, estar-se-ia privilegiando o positivismo exacerbado em detrimento da interpretação evolutiva teleológica (dos fins visados pela norma), desperdiçando o avanço tecnológico destinado a melhorar a vida das pessoas.
Em contraposição, o Ministro Eros Grau, na ocasião em que o STF revogou a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio, afirmou que a manutenção dessa terceira modalidade de aborto seria como permitir que o judiciário reescreve-se o Código Penal. 
No mesmo sentido, na defesa da separação dos poderes, o procurador geral da República, Cláudio Fonteles, alega em seu parecer que a interpretação conforme a Constituição somente pode ser adotada quando o legislador não pode ter reconhecido, nos termos em que se coloca, o seu entender, o que não ocorreria no caso. Outrossim, para o jurista, ao Tribunal Constitucional cabe declarar (ou não) a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma em causa, mas não pode substituí-la por outra, pois sua função é de controle, de caráter essencialmente negativo.  
Neste entendimento, o bem maior a ser preservado pela legislação penal é a vida, fonte primária de todos os outros bens jurídicos, que é atemporal. As hipóteses que se permite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, taxativo, inadmitindo-se interpretação extensiva, ou mesmo analogia in malan partem. Prevalece, assim, o princípio da reserva legal.
No caso a interrupção da gestação está-se abreviando a expectativa de vida já curta do nascituro, privando-o do que ele necessita para sua sobrevivência ate a morte natural. Ademais, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (art. 2º, CC), bem como a Convenção Americana sobre Direito Humanos que afirma: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei a partir do momento da concepção". Assim, se a criança nasceu com vida, tornou-se sujeito de direitos, ainda que a ciência o condene à morte pela precariedade de sua conformação. Viável ou não, o infante reveste-se de personalidade.
Direito comparado.
Atualmente, nos países da América do Norte, Europa e parte da Ásia é permitido o aborto em todos os casos de malformações incompatíveis com a vida. Desde 2003, a Argentina tem lei semelhante. A proibição permanece em países muçulmanos, em parte da África e da América Latina, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso mostra como a discussão não é pacífica, predominando a proibição nas regiões mais conservadoras e religiosas. 
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O Direito emerge como o instrumento idôneo para solucionar essa questão, que envolve valores sociais/morais tão amplos. Nessa situação específica, coloca-se em debate bens jurídicos tutelados, por isso se faz necessário o uso da ponderação. Desse critério deve sobressair, não o direito subjetivo superior na forma abstrata, conceitual, mas sim, o direito que confere maior eficácia concreta à norma no caso em estudo, naquele momento. 
Por fim, o direito à vida não tem somente uma acepção, relacionada ao direito de continuar vivo, mas também está condicionado a uma vida digna e viável, do ponto de vista da sobrevivência, o que não se verifica no feto anencefálico. 

34. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: LIMITES E POSSIBILIDADES NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL VIGENTES

Conceituação
O art. 5º, XII, da Constituição Federal estabeleceu a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. A Lei nº 9.296/1996 regulamentou esse dispositivo constitucional.
Na doutrina não há um conceito unânime do que seja “interceptação telefônica”.
Guilherme de Souza Nucci a conceitua como sendo a captação da comunicação telefônica feita por pessoa diversa dos interlocutores e sem o consentimento destes. 
Segundo o mesmo doutrinador, outras formas de captação de conversas, não abrangidas pela Lei nº 9.296/1996, seriam: a) interceptação ambiental: dá-se quando terceiro capta, sem autorização, conversa ambiental mantida por outras pessoas; b) escuta ambiental ou telefônica: ocorre quando um terceiro grava a conversação alheia (ambiental ou telefônica), com o consentimento de apenas um dos interlocutores; c) captação direta: ocorre quando um dos interlocutores capta a conversa sem o conhecimento/consentimento do outro.
Fernando Capez, no entanto, divide o termo interceptação telefônica (em sentido amplo) em interceptação telefônica em sentido estrito (“interceptação telefônica” segundo Nucci) e escuta telefônica (com idêntico sentido ao anteriormente mencionado), ampliando, assim, o âmbito fático de abrangência da Lei das Interceptações Telefônicas.
Qualquer que seja a conceituação adotada, no entanto, para modalidades de captação de conversas remanescentes, têm a doutrina e a jurisprudência utilizado regramento jurídico diverso, obtendo como parâmetros o direito à privacidade (art. 5º, X, da CF/88), o princípio da proporcionalidade, as excludentes da ilicitude (legítima defesa de terceiro) etc.
A Lei nº 9.296/1996, além da interceptação das comunicações telefônicas, abrange igualmente a de informática (computador) e telemática (junção entre os recursos da informática e das telecomunicações [telefonia, satélite, cabo etc]).
Requisitos
Segundo a previsão constitucional (art. 5º, XII) e infranconstitucional (art. 2º da Lei 9.296/96), são requisitos à interceptação das comunicações telefônicas:
8. Ordem judicial (do juiz competente para a ação principal): não se admite, como regra geral, a interceptação telefônica sem prévia autorização judicial. A prova, nestes casos, será geralmente considerada ilícita;
9. Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: embora haja algumas decisões isoladas admitindo a interceptação para fins de instrução em processo civil (ex.: TJ/RS), a ampla maioria da doutrina e da jurisprudência só a admitem nos termos previstos na CF, ou seja, se destinada à apuração da infração penal;
10. Houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
11. A prova não puder ser feita por outros meios disponíveis;
12. O crime investigado deve ser punido com a pena de reclusão: tal restrição apresenta-se - segundo Guilherme de Souza Nucci -, demasiadamente ilógica, na medida que crimes bastantes comuns, como a ameaça efetuada por telefone, não podem ser objeto tal meio de prova. 
Os Tribunais Superiores, no entanto, vêm admitindo a denúncia por delitos apenados com detenção, em tais circuntâncias, quando conexos com crimes punidos com reclusão (os quais justificariam a interceptação). Pensamento contrário redundaria num grande incentivo à impunidade.
Limites e Possibilidades
O art. 10 da Lei das Interceptações Telefônicas prevê que constituí crime punido com reclusão, de dois a 4 anos, realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
O Código de Processo Penal, em sua nova redação determinada pela Lei 11.690/2008, também previu que: 
São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.  
§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova 
§ 3o  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.  
Por meio de tais dispositivos verifica-se que a utilização ilegal da interceptação telefônica pode gerar conseqüências nos âmbitos material e/ou processual. 
No material tem-se o possível cometimento de crime, apenado com reclusão de 2 a 4 anos, o qual, por ser considerado de média gravidade, acaba por obstar o oferecimento de benefícios como a transação penal e o sursis processual.
No âmbito processual, por sua vez, a prova será considerada ilícita (por violação a dispositivo constitucional e/ou a direito material infraconstitucional), devendo, após o trânsito em julgado da decisão, ser a prova desentranhada dos autos e inutilizada.
Segundo a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada, hodiernamente, pelo Código de Processo Penal, quaisquer provas que derivarem da inicialmente ilícita igualmente deverão ser consideradas contaminadas.
Há, no entanto, segundo a doutrina e a jurisprudência, exceções às regras gerais anteriormente mencionadas. São algumas delas:
Durante situação de flagrante delito, se a comunicação telefônica é utilizada como meio para a prática da respectiva infração penal, ela pode ser interceptada e gravada, independente de ordem judicial e do conhecimento ou consentimento dos interlocutores. Ex.: Polícia realiza interceptação telefônicas sobre ligação do seqüestrador, objetivando a localização e liberdação da vítima seqüestrada. Trata-se da utilização, segundo o doutrinador Denilson Feitoza, da legítima defesa de terceiro, afastando-se a ilicitude criminal e cível da sobre a prova colhida, a qual poderá inclusive, neste caso, ser utilizada para embasar eventual condenação criminal do sequestrador. 
Como preceitua o STF, nenhum direito fundamental é absoluto, não devendo os mesmos serem utilizados para salvaguardar a prática de infrações penais. No presente caso, o direito de sigilo/intimidade não pode se sobrepor ao direito à vida. 
Utilização da prova ilícita em favor do réu: amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, a utilização da prova ilícita pelo réu é admitida como um meio de provar sua inocência. Isto porque, reiterando o anteriormente exposto, nenhum direito fundamental pode ser considerado absoluto e, segundo o princípio da proporcionalidade, justifica-se a violação do sigilo/privacidade de outrem para garantir-se o direito à liberdade, ou seja, evitar-se uma condenação injusta.
Utilização da prova ilícita pro societaet: O doutrinador Fernando Capez admite que, sob raras hipóteses, em se tratando de crimes demasiadamente graves (v.g. organizações criminosas de alta periculosidade), o direito ao sigilo deva ceder frente a necessidade de se tutelar a vida, o patrimônio e a segurança dos cidadãos, o que justificaria a adoção de uma prova normalmente considerada ilícita. Esse posicionamento, no entanto, não encontra acolhida pacífica junto aos Tribunais pátrios.
Como excepciona o próprio Código de Processo Penal (art. 157, §§ 1º e 2º), se uma prova derivada de outra ilícita puder ser obtida por meio de uma fonte independente (aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. Ex.: Testemunha descoberta por meio de interceptação telefônica ilícita. Essa mesma testemunha, no entanto, é mencionada em outra prova, agora lícita, e seria descoberta de qualquer maneira), deverá ser considerada como um meio lícito de prova.
Enfim, inúmeras são as hipóteses nas quais a licitude das interceptações telefônicas será questionada, e seu resultado dependerá sempre da análise detalhada do caso concreto. 
Para essa análise devem ser utilizados como parâmetros as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriormente mencionadas, primando-se pela proteção não só do sigilo e da privacidade, mas igualmente da vida, da integridade física, da segurança e dos demais direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal.


Fontes:
- FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 5ª ed. Niterói, RJ : Impetus, 2008.
- AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal. 4ª ed. São Paulo : Método, 2008.
- CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ª ed. São Paulo : Saraiva, 2007.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed. São Paulo : RT, 2007.


35. VIDEOCONFERÊNCIA (NO PROCESSO PENAL)

Um tema que sempre causou discussão na doutrina e jurisprudência pátria é a utilização da videoconferência para o interrogatório do réu. Aqueles que impugnam o uso da aludida tecnologia pela Justiça brasileira apontam inúmeras críticas à inovação. Contudo, um dos principais fundamentos considerado pelos defensores dessa corrente - a falta de previsão expressa no Código de Processo Penal que autorizasse essa forma de interrogatório - não mais deve ser considerado, haja vista que a Lei 11.900/09 tratou de positivar a matéria. 
No processo civil todo tipo de modernização eletrônica já é admitida (e vem sendo praticada). A vida moderna seria impraticável sem a informatização. A Justiça criminal de diversos países desenvolvidos (Estados Unidos, Itália etc.) já utiliza a videoconferência desde a década de 90, atenta às evoluções tecnológicas. E o que se passa no Brasil? Somente agora é que, no processo penal brasileiro, podemos usar a videoconferência.
A informatização do Judiciário, em sua plenitude, não é uma questão de utilidade, sim, de necessidade. De todo modo, as inovações tecnológicas sempre estão acompanhadas de desconfiança e resistência. Assim o foi, por exemplo, com o emprego das máquinas de escrever, hoje obsoletas, no cotidiano forense, pois muitos argumentavam que sua utilização impossibilitaria o reconhecimento da autenticidade da autoria da peça processual.
Superando-se, portanto, eventual sentimento de aversão às mudanças, são vários os argumentos favoráveis ao uso da videoconferência na Justiça criminal: risco de fugas, risco de resgates, economia orçamentária etc.
O argumento desfavorável mais repetido é o de que com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na década de sessenta foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Estes tratados falam em contato pessoal do acusado com o juiz. Por óbvio que naquela época “analógica” tal contato pessoal somente poderia ser o físico. Hoje, porém, tais dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente, não analogicamente).
O sistema de videoconferência é uma nova forma de contato direto ("pessoal"), não necessariamente no mesmo local. Como sublinhou a Min. Ellen Gracie, "Além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório".
Por outro lado, os adeptos da ideologia da eqüidade (os chamados minimalistas ou progressistas) atrapalham o debate sereno e racional sobre o tema porque se prendem (analogicamente) ao método, não à essência ou à forma do ato. Ora, desde que observadas todas as garantias constitucionais, internacionais e legais, não há como reconhecer a invalidade da videoconferência. Essa formalidade (respeito às garantias fundamentais) é o que mais importa. Não interessa tanto o método (tecnológico), sim a forma (circunstâncias do ato).
Nem eficientismo (sustentado pelos que só querem punir mais rapidamente o réu) nem garantismo vesgo (analógico). O sonho do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal eficiente E com garantias: a videoconferência tem que acontecer em sala especial nos presídios, com acesso público, a presença de um funcionário judicial neste local se faz necessária, a comunicação direta e privada – linha telefônica exclusiva - entre o réu e o seu advogado é totalmente imprescindível etc. O fundamental, como se vê, não é o método, sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). E todas essas formas foram garantidas pela Lei 11.900/2009.
Não se pode olvidar, contudo, o caráter excepcional da utilização de tal método de interrogatório. De acordo com a nova redação conferida aos § § 1º e 2º do art. 185 do CPP, a regra geral continua sendo a realização do interrogatório no estabelecimento prisional, de forma que a videoconferência somente será cabível extraordinariamente, desde que caracterizada uma das situações previstas num dos incisos do § 2º. São elas: prevenção à segurança pública (quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento) OU viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal OU impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código OU gravíssima questão de ordem pública. 
Como forma de assegurar os direitos do réu e de respeito ao princípio do contraditório, o mesmo deverá ser intimado com antecedência de dez dias da decisão que determinar a realização do seu interrogatório por meio da videoconferência.
Não se olvide também que as normas previstas no CPP garantem total respeito às garantias do acusado, como, por exemplo, a existência de um canal de comunicação reservado com seu defensor e o acompanhamento telepresencial da oitiva da vítima e das testemunhas.
Frisa-se que o argumento de que o interrogatório assim realizado impede o contato do juiz com o acusado, o que prejudicaria o exercício da ampla defesa, não merecer de forma alguma ser acolhido. Há de se notar que a realidade não é essa. Da mesma maneira do interrogatório realizado na sala de audiência ou no estabelecimento prisional, a utilização da videoconferência, nos moldes aqui defendidos, também permite que o magistrado tome contato com todas as reações do interrogando, como se estivesse na presença física do acusado ou réu. 
Desde que se assegure a fluência dos quadros de vídeo; a nitidez das imagens com possibilidade de zoom; o uso de telas amplas de alta definição; a clareza do áudio; o sincronismo áudio-vídeo, de modo a impedir atrasos, interrupções ou perda de dados; o controle da câmera remota pelo magistrado; um canal reservado de voz para a defesa; scanner e impressora em rede para a transmissão de documentos, entre outros equipamentos, não há razão para temer a videoconferência criminal. O conteúdo transmitido pela rede pode ser acessado por qualquer pessoa, garantindo a publicidade do ato judicial. Possibilita-se a gravação dos eventos para memória futura, com uso processual na própria instância ou no grau recursal, ou em exibições em plenário do júri, tudo de modo a predominância do interesse público e da verdade real, com pleno respeito às garantias individuais no processo penal. 
Por fim, cabe destacar que o papel do Ministério Público é de extrema importância na implementação de um sistema que possibilite a utilização de videoconferências com o efetivo respeito às mencionadas garantias constitucionais, atuando não apenas como mero instrumento acusatório, mas sobretudo como verdadeiro fiscal da lei.

36. 39. A ATUAÇÃO DO PARQUET NOS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Segundo registros históricos, o Ministério Público é uma instituição milenar. Conta-se que já na antiga civilização egípcia, há aproximadamente quatro mil anos, existia a figura de um “funcionário do rei”, incumbido das atribuições de castigar culpados, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do cidadão justo e verdadeiro, perseguir os malvados e mentirosos, ser marido da viúva e pai dos órfãos e fazer ouvir as palavras da acusação.
Contudo, sua origem mais citada é a Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França, o qual impôs aos seus procuradores que prestassem o mesmo juramento dos juízes, vedando-lhes patrocinarem outros que não o rei.
No Brasil, seguindo a tradição portuguesa, tanto na Colônia quanto no Império, sob a égide das Ordenações Afonsinas, as funções ministeriais ficaram a cargo do Procurador da Coroa, com vinculação direta ao rei ou ao imperador. Não existia, destarte, como órgão público autônomo. 
Foi somente no princípio da República que adquiriu o status de instituição, com o advento do Decreto nº 848, de 11.10.1890. Mas somente a partir do ano de 1981, com a edição da Lei Complementar nº 40, que o Ministério Público passou a ter um papel relevante na república brasileira. 
Muitos foram os avanços e retrocessos, mas o fato é que o Ministério Público seguiu uma trajetória sempre ascendente, quanto ao número de suas atribuições e ao esboçamento de um modelo que vai se construindo, paulatinamente, por força da evolução histórica e social do país.
A sua grande transformação deveu-se ao constituinte originário de 1988, do qual recebeu um legado de imensas e complexas atribuições com nítida destinação social. Anteriormente, o papel do Ministério Público cingia-se à persecução criminal e de raras atribuições na área cível, na qualidade de um mero fiscal da aplicação da lei.
A Constituição instituiu um sofisticado paradigma de garantia dos direitos inscritos em todos os níveis da pirâmide do ordenamento jurídico pátrio. E para a efetivação destes direitos, incumbiu ao Ministério Público a defesa da sociedade, conferindo-lhe o papel central de grande provocador do Poder Judiciário.
Erigido à instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, o Ministério Público recebeu, entre outras, a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis; de promover, privativamente, a ação penal pública; de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais; de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; de exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 127 e art. 129, CR/88).
Munido de poderes para interposição da ação direta de inconstitucionalidade, da representação para fins de intervenção, para a fiscalização do patrimônio público e dos serviços de relevância pública, para atuação junto aos Tribunais de Contas e poderes de ajuizamento de ações cíveis e criminais, o Ministério Público converteu-se em autêntico agente político.
Ainda, foi assegurado ao Parquet a plena independência e um elevado grau de autonomia frente aos Poderes do Estado, possibilitando a propositura de ações contra agentes dos Poderes Executivo, Legislativo e do Judiciário.
Completados vinte anos de promulgação da Constituição da República em cinco de outubro de 2008,  nota-se que, embora seja um curto período de tempo para os padrões históricos, foi uma longa e profícua jornada rumo à concretização dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Efetivamente, vem o Ministério Público ocupando, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas de atuação, espaços cada vez maiores no exercício de funções de grande relevo à manutenção do equilíbrio jurídico da sociedade, seja como órgão fiscal da legalidade, seja como agente da proteção dos valores da ordem jurídica e, consequentemente, dos direitos individuais e coletivos.
No balanço das realizações do Ministério Público ao longo destes vinte anos da Constituição Republicana, pode-se afirmar, com segurança, que a Instituição consolidou seu papel de agente de transformação social com firme e pioneira atuação no campo cível, a partir do manejo preciso dos instrumentos como recomendação, termo de ajustamento de conduta e ação civil pública em defesa dos interesses da sociedade.
O Ministério Público, que ajuizou a imensa maioria das ações civis públicas que tramitaram ou tramitam perante os juízos de todo o país, tem atuado vastamente na tutela dos interesses transindividuais, como saúde, educação, patrimônio público, moralidade pública, consumidor, meio ambiente, idoso, criança e adolescente, com implicações inclusive na gestão das políticas públicas.
Este campo de atuação assinala, à evidência, um caráter fortemente político, enquanto alcança o interesse de lideranças políticas, da classe empresarial, dos detentores do poder econômico e do próprio Estado.
Como novo ator no cenário político nacional, o Ministério Público se firmou nestes vinte anos de Constituição como defensor das minorias e da cidadania, e como instrumento de efetivação do direito social, capaz de corrigir e direcionar as políticas públicas.
No campo penal, percebe-se nitidamente a inquietação da sociedade com relação à segurança pública, que padece de problemas estruturais nas duas pontas do sistema: na fase investigatória e na fase de cumprimento da pena imposta, o que, não raras vezes, tem conduzido a distorções que acabam resultando em inaceitável impunidade. Daí a necessidade de forte atuação do Ministério Público nessas duas pontas.
Assim, a investigação criminal deve ser reconhecida como atividade da qual também é incumbido o Ministério Público, não existindo óbice constitucional para que a instituição se valha dessa atribuição para garantir a punição de crimes que de outra forma talvez não seriam objeto da persecução penal.
No que tange à execução da pena, é necessário que o Ministério Público, sempre no exercício de seu pioneirismo frente às grandes questões nacionais, provoque soluções criativas e adequadas ao problema carcerário brasileiro, de modo que o condenado não fique impune, mas possa cumprir sua pena no ambiente delineado pela Constituição e pela Lei de Execução Penal.
Este, pois, é o Ministério Público moderno, com uma configuração absolutamente necessária à consagração do Estado Democrático de Direito, que deve implementar uma sociedade justa e solidária, erradicando a pobreza, as desigualdades, a grande incidência da criminalidade, com prevalência do direito sobre o arbítrio da Justiça, sobre os detratores da ordem, da paz e do equilíbrio social.
Exercendo autêntica função social, já que sua atuação é voltada para os interesses da sociedade, o Ministério Público deve seguir buscando sua destinação constitucional, incursionando-se cada vez mais na busca de uma justiça social que propicie uma melhor qualidade de vida.
É esta, em síntese, a trajetória do Ministério Público, que hoje se firma, na consciência nacional, como órgão da mais alta importância à coletividade.

37. 40.  MINISTÉRIO PÚBLICO NOS 20 ANOS DA CIDADANIA – DÉBORA

O Ministério Público foi concebido como instituição independente, dotado de autonomia financeira, administrativa e funcional, desvinculado de qualquer dos três poderes, nas diretrizes traçadas nos artigos 127 da Constituição Federal e seguintes, acompanhados, no plano infraconstitucional, pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n° 8625, de 12 de fevereiro de 1993), pelo Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993) e pela Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina (Lei Complementar Estadual n. 197/2000).
Numa análise história do Ministério Público, a primeira abordagem da expressão surgiu no Decreto n. 5.618, de 2 de maio de 1874, que dividiu o Ministério Público dos Tribunais da Relação. Tal Decreto surgiu após a Carta Imperial de 1824, que determinou a criação do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, para os quais eram nomeados desembargadores como Procuradores da Coroa.
Em 1891, a primeira Constituição Brasileira Republicana ainda não tratava do Ministério Público na forma de instituição, mas apenas determinava que o procurador-geral da República fosse escolhido dentre os integrantes do Supremo Tribunal Federal. Foi com o advento do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, que o Ministério Público passou a ter a forma institucional. O Decreto dispôs sobre a organização do Ministério Público no âmbito federal, dispôs sobre a indicação do Procurador-geral pelo Presidente da República e determinou as funções deste de cumprir as ordens do governo e de defender os interesses da União.
Mas foi somente na Constituição de 1934 que o Ministério Público passou a ser institucionalizado constitucionalmente. Nessa Constituição, no Capítulo Dos Órgãos de Cooperação nas atividades governamentais, regulamentou a livre nomeação do procurador-geral pelo Presidente da República, com a aprovação do Senado, bem como a sua possibilidade de demissão ad nutum. Também estabeleceu que o Ministério Público federal seria regulamentado pela União e o Estadual mediante leis locais, além de traçar as garantias de vencimentos iguais as dos Ministros da Corte Suprema, primeiros impedimentos e a organização dos Ministérios Públicos Militar e Eleitoral.
Contudo, em 1973, pela Constituição do Estado Novo na ditadura de Getúlio Vargas, apareceu o primeiro retrocesso do Ministério Público. Foi excluído o controle do Legislativo na nomeação do Procurador-geral, passando a ser escolhido apenas pelo Presidente da República.
Com o restabelecimento da democracia no ano de 1946, o Ministério Público voltou a ter relevância em título próprio. Estabeleceu-se o ingresso da carreira mediante concurso público e, dentre outras, a estabilidade e inamovibilidade de seus membros.
A Constituição de 1967 incluiu-o no Poder Judiciário e manteve a estrutura da Constituição de 1946. Sucede que o texto de 1969, outorgado por junta militar, alterou a Constituição de 1967. Se por um lado aumentou as atribuições do chefe do Ministério Público da União, de outro lado simbolizou um retrocesso ao incluir novamente o Ministério Público dentro do Poder Executivo.
O avanço surge em 1977, mediante e Emenda constitucional n. 7, que estabeleceu normas gerais para a organização do Ministério Público. A Lei da Ação Civil Pública atribuiu a função de defesa dos interesses difusos e coletivos. Antes da Lei, a função predominante da instituição era criminal e na área civil atuava apenas como fiscal da lei. Portanto, foi com o advento da Lei que o Ministério Público passou a atuar na esfera cível como guardião dos direitos difusos e coletivos.
Em 1988, pela atual Constituição, o Ministério Público é instituição permanente e funcionalmente independente, não podendo ser extinto nem ter suas atribuições repassadas a outros órgãos. Foi a partir da Constituição cidadã que o Ministério Público passou a ter funções, dentre elas, na área civil de defender a tutela dos direitos difusos e coletivos. Passou a abranger, dessa forma, a proteção da cidadania, da democracia, da justiça, moralidade, interesses sociais, patrimônio público e direitos humanos.
Do panorama história ora traçado, vislumbra-se que a atual Constituição colocou o Ministério Público de forma mais bem estruturada para poder garantir os direitos do cidadão e o bom funcionamento da sociedade democrática.
Com efeito, o art. 129, inciso I, da Constituição Federal incumbe ao Ministério Público a função de zelar pelo respeito dos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. No inciso II do mesmo artigo, garante o manejo da ação civil pública para a defesa, dentre outros, do meio ambiente e de direitos difusos e coletivos.
Tais direitos que devem ser defendidos pelo Ministério Público são também traçados pela Constituição Federal, em essência, como sendo direitos fundamentais previstos no título II e divididos em cinco capítulos: Dos direitos e deveres individuais e coletivos; Dos Direitos Sociais; Da nacionalidade; Dos Direitos Políticos e Dos Partidos Políticos.
Ora, a defesa desses direitos fundamentais ganha corpo mediante a atuação direta e eficaz do Ministério Público munido de instrumentos processuais hábeis. O que seria da defesa do meio ambiente sem as medidas processuais previstas na Lei da Ação Civil Pública?
E nem se diga que a defesa do meio ambiente não está atrelada à defesa dos direitos da cidadania.
Veja-se, primeiramente, que os direitos fundamentais não estão taxativamente previstos no extenso rol de incisos do art. 5° da Constituição Federal. É cediço que outros direitos decorrem do regime democrático e dos princípios adotados pela Constituição Federal, conforme previsão expressa no parágrafo primeiro do artigo 5°.
Segundo, porque o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também é tutelado constitucionalmente pelo art. 225, caput, da Constituição Federal como sendo bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida. Assim, se o direito ao meio ambiente sadio está relacionado ao direito à vida, previsto no art. 5°, caput, da Constituição Federal, forçoso concluir a ligação e a influência entre ambos.
Da mesma forma, o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido no art. 196 da Constituição Federal. Por ser direito social indisponível, cabe ao Ministério Público tutelá-lo em juízo quando o Poder Público não cumpre com sua regulamentação, fiscalização e controle. Igualmente, é direito fundamental da pessoa humana, previsto no art. 6°, caput, da Constituição Federal.
Desse contexto, revela-se evidente a incumbência do Ministério Público de tutelar a defesa dos direitos da cidadania, pois são direitos fundamentais da pessoa humana, a exemplo do direito à vida, saúde e meio ambiente ecologicamente equilibrado, bens de natureza indisponível. Nesses últimos 20 anos, a instituição ganhou importante papel mediante a promulgação da atual Constituição Federal, estando essencialmente atrelada às funções de defesa dos direitos da cidadania por parte do Ministério Público. 


38. A ATUAÇÃO DO MP CONTRA A CORRUPÇÃO E O QUE VOCÊ TEM A VER COM A CORRUPÇÃO?

Sabe-se que a eficaz atuação do Estado e a asseguração dos nortes constitucionais à população dependem, em grande parte, da correta aplicação dos recursos públicos, através da execução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento coletivo e à asseguração da cidadania (em sentido amplo). Esses recursos, no entanto, algumas vezes, são diluídos por agentes públicos na ânsia de se enriquecerem as custas do erário.
No âmbito das relações privadas ou particulares, igualmente a corrupção tem avançado, como deletéria doença a corroer todo nosso sistema social. 
Como forma de combater essa mazela, o Ministério Público tem buscado a punição de eventuais corruptos utilizando-se principalmente da Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), a qual trouxe amplos poderes para que o parquet e outras entidades, punam e recuperem todos os valores ilicitamente acrescidos aos patrimônios dos agentes públicos e dos respectivos beneficiários dos atos, os quais estarão sujeitos às sanções civis, políticas e administrativas inerentes, independentemente das sanções criminais.
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em apóio a um projeto pioneiro no país, igualmente tem voltado especial atenção ao aspecto preventivo da corrupção.
Com a premissa de que a educação se apresenta como um importante veículo no combate da corrupção, por meio da percepção e do estímulo a ética, a moral e a honestidade do cidadão, e o comprometimento da sociedade na cobrança pela transparência da gestão pública, o promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto, considerando que uma das soluções seria a atuação preventiva dos agentes sociais, iniciou um programa de mobilização e conscientização social denominado “O que você tem a ver com a corrupção?”. 
O grande trunfo deste programa consiste na confecção de um processo cultural de formação de consciência e de responsabilidade dos cidadãos, mediante o estímulo às novas gerações a adotarem uma conduta ética e moral comprometida com o bem estar coletivo. Outro fator relevante é a adoção de medidas que contribuam para a diminuição da burocracia judicial e melhorem a eficiência dos serviços da Justiça na punição de corruptos e corruptores. 
Como a campanha educativa foi direcionada principalmente para crianças e adolescentes, o material educacional foi preparado em forma de desenho animado – para fitas VHS e Filmes - e revistas em formato de gibis. O enredo nos dois recursos é narrado por meio de desenhos e textos, discurso direto, numa linguagem simples que facilita a compreensão da narrativa. O tema corrupção é colocado em situações cotidianas na primeira parte da narrativa e depois assume a temática que engloba o incentivo à honestidade e a transparência das atitudes em todos os níveis, de escolas a governos. Ou como afirma Ghizzo Neto, “O que se propõe é simples, a reflexão do que a corrupção pode ocasionar em nossas vidas.” Neste enfoque, a campanha estimula as pessoas a assumirem a responsabilidade com suas próprias atitudes tanto para si como para com as outras pessoas. 
Além do objetivo preventivo por meio da educação, a campanha tem como escopo estimular as denúncias populares dos atos de corrupção, não importando o maior ou menor grau de lesividade à população. Com isso, cria-se um canal direto entre a sociedade e o Ministério Público, facilitando a apuração das mencionadas condutas.
O projeto visa atacar dois pontos fundamentais: 
1º- acabar com a impunidade, ou seja, buscar a efetiva punição dos corruptos e dos corruptores, por meio de um canal real para o oferecimento de denúncias; 
2º- educar e estimular as novas gerações, mediante a construção, em longo prazo, de um Brasil mais justo e sério, destacando-se o papel fundamental de nossas próprias condutas diárias a partir do seguinte principio, é preciso dar o exemplo. 

Resultados obtidos
A prática foi lançada em agosto de 2004, no Município de Chapecó-SC (numa sala de cinema), com o objetivo de conscientizar toda a sociedade, especialmente crianças e adolescentes, sobre o valor da honestidade e transparência das atitudes do cidadão comum, destacando atos rotineiros que contribuem para a formação do caráter.
A partir de então a campanha espalhou-se sob um ritmo crescente, integrando: feiras do livro; salas de cinema (exibição previa do audiovisual); outdoors; busdoors; mídia televisiva e radiofônica; peças teatrais; divulgação no esporte (times catarinenses e do campeonato brasileiro); implementação, em algumas escolas, de um projeto piloto voltado ao assunto, com a inclusão da matéria de edução e cidadania em sua grade curricular; conscientização de motoristas com o apóio da Polícia Rodoviária Federal; realização de curso de capacitação pela Secretaria de Estado de Educação (SED) e a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP), voltado para a formação de professores; passeatas contra a corrupção (em Joinville reuniu aproximadamente 3,5mil pessoas); proferência de palestras em universidades; distribuição de materiais educativos em todas as escolas da rede pública estadual catarinense; realização de concursos estundantis sobre o tema etc.
A partir de 2007 a campanha ganhou âmbito nacional, com a adesão dos seguintes órgãos/entidades: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), Governo Estadual de SC, Rede Globo, União dos Vereadores de Santa Catarina, Assembléia Legislativa de Santa Catarina, Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Ainda, todos os alunos da rede privada estadual de ensino também receberam material e ensinamentos da campanha. 
Em 2008, a campanha contou com a participação dos atores globais Murilo Rosa, Milton Gonçalves, José Wilker e Armando Babaioff, do esportista Alberto Bial, da pianista Beatriz Salles e da cantora lírica Denise Tavares. Foi realizada enqueste no site da Globo e diversos orgãos e entidades aderiram ao programa, como: Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU), UNESCO, Senado Federal, Santos FC, Campeonato Brasileiro de Futebol, Mundial de Surf 2008.
Em 2009 houve a adesão do Ministério Público do Trabalho e da Brasil Telecom (com a distribuição de 1,4 milhão de cartões na sua área de atuação: Distrito Federal e os estados Acre, Rondônia, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul ).
O projeto prevê, doravante: a) a necessidade de continuação de divulgação nacional da campanha visando a atingir o maior número possível de crianças e adolescentes, com: parcerias com as redes de TV de alcance nacional, para exibição dos filmes da campanha; fixação de outdoors em locais com grande circulação de pessoas; divulgação em eventos esportivos com grande concentração de pessoas;  mobilização de um número expressivo de agentes públicos, como promotores e procuradores, para realização de palestras e seminários em colégios, associações, ONGs etc;  passeatas e mobilizações (Dia “C” contra a corrupção com uma passeata e distribuição de adesivos em semáforos); organização de concursos estudantis sobre o tema; disponibilização para a população um número telefônico gratuito (0800), por meio do qual podem ser feitas denúncias etc. 
A equipe de trabalho, responsável pela execução da campanha, é composta pelo promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto e de voluntários que vão se agregando ao movimento. Segundo o autor da prática, faz-se necessário ainda o engajamento de todos os membros do Ministério Público de Santa Catarina com atuação nas Curadorias da Infância e Juventude e Moralidade Administrativa (aproximadamente 150 promotores). 
Hoje o custo total do projeto é estimado em aproximadamente 3 milhões de reais. Os benefícios da campanha, no entanto, serão surpreendentemente maiores, alcançados no médio e longo prazo, e denotados principalmente quando as pessoas compreenderem que as maiores vítimas da corrupção são elas mesmas.


Fonte:
- Material enviado pelo Dr. Affonso Ghizzo Neto, coordenador do projeto e promotor de justiça em SC. 

39. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FATOR DE REDUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL. ÁREA CRIMINAL: JUSTIÇA PENAL E PACIFICAÇÃO

O Direito, bem se sabe, deve sua existência ao convívio do homem em sociedade e toda a sorte de conflitos decorrente de tal contexto, de modo que se pode dizer que a matéria-prima do Poder Judiciário são as lides submetidas a julgamento e, assim, seu objetivo precípuo é a pacificação social através da resolução das referidas contendas.
Os conflitos de interesses são percebidos sob uma dupla dimensão. De um lado o conflito jurídico envolvendo direitos violados ou supostamente violados e, de outro, o conflito social envolvendo as relações entre indivíduos, que desestabilizam a sociedade e nem sempre são reestruturadas, Muito embora, juridicamente, tenha-se solucionado o conflito emergente, a insatisfação permanece latente entre os indivíduos; em realidade não se tratam os conflitos de meras questões materiais, mas sobretudo de aspectos subjetivos e emocionais.
Não raro se verifica que mesmo após a entrega da prestação jurisdicional, ambas as partes litigantes se apresentam insatisfeitas; conseqüência de sentenças judiciais em que se tem a solução de um conflito em seu aspecto jurídico apenas, deixando de solucionar o conflito sociológico.
Tal panorama é resultado da predominância em nosso país de um modelo penal dissuasório clássico temperado por nuanças abstratas de um modelo ressocializador. O primeiro fundado na implacabilidade da resposta punitiva estatal, suficiente para a reprovação e prevenção de futuros delitos, contando a pena com finalidade puramente retributiva, ao passo que o segundo atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de ressocialização do infrator (prevenção especial positiva).
Assim, somente com o advento da Lei 9.099/95 é que se passou a adotar no Brasil uma espécie de modelo consensual de Justiça penal.
Para que se entenda tal modelo, parece correto (e necessário) distinguir, no âmbito da Justiça criminal, atualmente, o "espaço de consenso" do "espaço de conflito". Aquele resolve o conflito penal ajuste entre as partes envolvidas. Este não admite qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal (denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau de jurisdição etc.).
O modelo consensual pertence ao primeiro espaço (do consenso); os modelos punitivistas (dissuasório e ressocializador) integram o segundo espaço (do conflito).
Não existe, porém, um único modelo consensual de Justiça penal. Em outras palavras, dentro do espaço de consenso (da Justiça consensuada) impõe-se bem definir e distinguir as múltiplas formas de resolução dos conflitos penais: conciliação, mediação e negociação.
O ordenamento normativo brasileiro não conta com a mediação como forma de resolução de conflitos penais, nem tampouco com a negociação, cujo melhor exemplo é o plea bargaining norte-americano.
Já a conciliação é típica dos juizados criminais no nosso país e, assim, é nela em que se sobressai mais nitidamente a atuação do Ministério Público para fins de pacificação social. A conciliação é um gênero do qual tanto a reparação ou composição civil como a transação penal. É apropriada para as infrações penais de menor potencial ofensivo, quais sejam, aquelas punidas com pena máxima não superior a dois anos.
A composição civil nada mais é do que o acordo firmado entre autor do fato e ofendido visando recompor os prejuízos materiais advindos do ilícito penal. No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, e em se tratando de ação penal privada ou pública condicionada, equivale à renúncia do direito de queixa ou representação, razão pela qual todo o procedimento deve ser rigorosamente acompanhado e fiscalizado por membro do Parquet, até pare que se evite a mera mercantilização da Justiça criminal, buscando-se sempre a harmonia social como finalidade última.
A transação penal, por sua volta, tem lugar nos casos em que inexitosa a composição civil na ação penal condicionada ou, ainda, nos de ação penal pública incondicionada, traduzindo-se, em suma, por concessões mútuas entre o Ministério Público, titular da actio, que abre mão do jus persequendi, e o indivíduo supostamente infrator, que, a despeito de não reconhecer a culpa do delito, aceita a imposição de pena restritiva de direitos ou multa para não se ver processado.
A participação do Ministério Público é de suma importância neste contexto, uma vez que os termos do acordo de transação penal devem primar, dentro da lógica suso exposta, não apenas pela satisfação do conflito jurídico, mas sobretudo pela resolução do conflito social criado pelo fato supostamente típico, dando-se especial relevância ao enfoque da vítima, mais valendo, no mais das vezes, a aplicação de prestação pecuniária ao ofendido do que mera interdição temporária de direitos.
Nesta perspectiva, faz-se necessário perceber que a justiça acompanha a evolução do homem dentro de suas necessidades, resultantes da evolução tecnológica, social, política, jurídica e econômica sendo necessário uma adaptação eis que do processo evolutivo o aumento da procura por soluções eficazes as quais podem ser obtidas não apenas por meios estatais, mas pela própria participação dos litigantes através de meios alternativos.
O Estado exerceu papel fundamental quando da organização do homem em sociedade, porém, ao mesmo tempo, representou o principal empecilho de seu acesso à Justiça no momento em que concedeu inúmeros direitos e garantias ao cidadão sem, no entanto, possuir estrutura que suporte a realização material de tais prerrogativas, impedindo, via de conseqüência, o pleno exercício da cidadania.
A busca constante pela Justiça e a inoperância do Poder Judiciário em face de sua inadequação às exigências sociais atuais fez surgirem mecanismos alternativos que evoluem na sociedade, oferecendo a rapidez e a eficácia almejada na composição dos conflitos.
Dessa forma é que a atuação ministerial tendente a solucionar as controvérsias que lhe são submetidas a análise não apenas pelo prisma jurídico, mas especialmente pelo enfoque humano do litígio, ao revés de abrir mão da titularidade da ação penal, devolve ao aparato estatal a legitimidade perdida, alcançando assim efetiva pacificação social, escopo maior do Estado Democrático de Direito.
40. 46. O MP COMO FATOR DE REDUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL: ÁREAS DA POLÍTICA INSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVA – INTERAÇÃO CORPORATIVA E RESPONSABILIDADE FUNCIONAL COMO CONDIÇÃO DE FORTALECIMENTO  INSTITUCIONAL.

A forma com que o Ministério Público brasileiro está definido pela nossa Constituição Federal é uma das mais adequadas para a instituição, pois com uma verdadeira autonomia, o Ministério Público pode cumprir todas as suas funções, tanto relacionadas com o direito penal, como com as de salvaguardar os interesses públicos e sociais, e a defesa da Legalidade.
A Carta Magna conferiu ao MP, autonomia funcional, administrativa e financeira, conforme se observa no art. 127, §§ 2º e 3º, que constituem princípios institucionais. 
Já as funções institucionais estão relacionadas no art. 129 da Constituição Federal, e consistem na titularidade da ação penal, da ação civil pública para a tutela dos interesses públicos, coletivos, sociais e difusos e da ação direta da inconstitucionalidade genérica e interventiva, nos termos da Constituição; é o garantidor do respeito aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública; defensor dos direitos e interesses das populações indígenas; intervém em procedimentos administrativos; é controlador externo da atividade policial, na forma da lei complementar, podendo para tanto, inclusive, instaurar respectivo procedimento administrativo, quando necessário.
A estas funções se soma a unidade de sua organização. O Ministério Público está estruturado de maneira uniforme. Seu estudo demonstra que esta instituição possui suas raízes na história e que evoluiu essencialmente segundo as exigências da própria evolução da justiça e da administração do Estado.
O Ministério Público se afigura como autêntico advogado dos interesses sociais, dos interesses difusos e coletivos. É titular da ação que se fizer necessária para proteger o que é de todos. Quando na ação penal, comunica e apresenta ao Estado Juiz, o fato e requer a pena, dá voz à sociedade ofendida por uma conduta individual, exerce a função que o mesmo Estado lhe deu, tem verdadeira atribuição de advogado, estritamente ligada a de defensor.
Neste norte, defende a criança, o idoso, o meio ambiente, o consumidor, a moralidade administrativa, enfim, tudo o que for de todos.
De fato, o Ministério Público é potencialmente, um Advogado da sociedade, com vantagem para esta, não precisa, antes, não lhe deve pagar honorários. Veja-se, nas pequenas cidades, de modo especial, a autêntica procissão que se faz, rumo ao gabinete do Promotor. É isto que o faz se valer de todas as formas para não frustrar nenhuma expectativa, bem como adverte para as diversas iniciativas, no sentido de fazer suprir a falta do que ainda não existe, por meio da ação civil, se necessário, com faculdades próprias, quando urgir.
Onde quer que se vá, seus integrantes são reconhecidos como expectativa do asseguramento de todos os direitos, como certeza de que sua intervenção assegura o reconhecimento deles, sem reservas. Cumpre-lhes pois, não frustrar tal expectativa ou apagar tal esperança. 
Deve o Ministério Público, a fim de cumprir seu papel na construção de uma sociedade mais justa, empreender firme combate à violação da ordem social e dos direitos humanos, adotando, por exemplo, as seguintes providências, que também constituem meios de atuação:
1 — buscar seja dado real atendimento nos hospitais e postos de saúde; 
2 — fiscalizar a existência de vagas nas escolas;
3 — cuidar das condições em que se encontram os presos;
4 — receber petições, notícias de irregularidades, reclamações ou representações de qualquer pessoa ou natureza, por desrespeito aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual; 
5 — instaurar e presidir sindicâncias e Inquéritos Civis Públicos para apuração dos fatos e postulações que lhes sejam apresentados, promovendo inspeções e auditorias em órgãos públicos, quando houver indício de prática de conduta delituosa, notadamente atos de improbidade, ou quando for conveniente à apuração dos fatos; neste mister, pode, ainda, requisitar meios materiais e servidores públicos, por prazo razoável, para o exercício de atividades técnicas ou especializadas; 
6 — promover diligências e requisitar informações e documentos de quaisquer dos Poderes, órgãos ou entidades, no âmbito estadual e municipal, bem como de concessionários ou permissionários de serviço público estadual ou municipal, e ainda entidades que exerçam função delegada do Estado ou Município, ou executem serviços de relevância pública, podendo os membros do Parquet dirigir-se diretamente a qualquer autoridade;
7 — expedir notificações e requisitar o auxílio dos órgãos de Segurança Pública, para garantia do cumprimento de suas atribuições;
8 — promover seminários e campanhas de conscientização dos servidores públicos e da comunidade no sentido de que todos se engajem na fiscalização dos órgãos públicos e serviços de relevância pública, pugnando pelo respeito aos princípios de legalidade e moralidade administrativa;
9 — realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil ou seus representantes legais; 
10 — propor a adoção de medidas de caráter administrativo, visando ao aprimoramento e saneamento do serviço público;
11 — manter contatos com entidades e organismos que tenham por finalidade o combate a atos de corrupção e de improbidade administrativa, objetivando o estabelecimento de linhas de atuação conjunta e de mecanismos de apoio recíproco;
12 — sugerir ao poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade, como, ainda, para adequá-las a eventuais direitos assegurados constitucionalmente.

Para cumprir seu papel na redução de conflitos e em busca da paz social, a Constituição Federal lhe assegurou autonomia ou independência funcional, o que se traduz na ausência de subordinação intelectual de cada agente; assim, por exemplo, havendo substituição de um Promotor de Justiça, o novo titular poderá agir e opinar diferentemente do antecessor, no mesmo grau ou em recurso. A opinião pessoal de cada um tem que ser respeitada, sem ser nenhum obrigado a contrariar sua convicção quando atue. Cada membro só está vinculado ao imperativo da lei e de sua consciência, esteios que dão sustentação à independência funcional, não podendo receber ordens ou recomendações de caráter normativo, quando de suas manifestações, para agir deste ou daquele modo.
O Ministério Público foi encarregado constitucionalmente de zelar pelo efetivo funcionamento dos serviços públicos, o que faz dele um espaço público para a solução de demandas e de acesso à justiça pelos movimentos sociais. Isso tem se dado através da prestação de assistência jurídica e informações a respeito de direitos, propositura de ações referentes a interesses difusos da sociedade, e busca da solução de conflitos por meio de procedimentos extrajudiciais, como recomendações e termos de ajustamento de conduta. Quanto mais independente ele for, melhor exercerá sua função e mais benefícios terá a sociedade. 
Importante ressaltar a interação corporativa existente entre os vários órgãos do Ministério Público de Santa Catarina, sejam os órgãos de Administração Superior, de Execução ou de Apoio, que por meio de seus programas institucionais buscam solucionar os problemas que afligem a sociedade, atingindo-os de forma global. Assim, agindo de forma conjunta, há um fortalecimento não apenas da instituição, como também são obtidos melhores resultados para a sociedade, resguardando sempre a independência funcional de seus membros.
Por fim, a legitimidade ministerial e a manutenção ou ampliação dos seus poderes dependem do êxito no cumprimento de suas atribuições constitucionais; cabe à própria instituição zelar pela sua reforma interna, pela adequação de suas tarefas às demandas sociais, delineando seu perfil a fim de atender ao real interesse público. O povo cobra, cada vez mais, resultados efetivos do Ministério Público, a quem foram atribuídos tantos poderes e garantias, portanto cabe a este assumir de fato o papel de defensor da sociedade.
41. 41. A APROXIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM A SOCIEDADE – DÉBORA

De acordo com o preconizado pelo art. 5°, inciso LIV, da Constituição Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” consectário disso, resulta na garantia “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, conforme expressa previsão inserta no inciso LV do citado artigo constitucional.
As garantias constitucionais ora expostas e aliadas aos institutos processuais devem ser compreendidas em noção bem mais ampla que a singela aplicação da lei em busca da resolução do conflito.
As controvérsias postas ao Promotor de Justiça têm desdobramentos que atingem não só os litigantes em juízo, mas toda a sociedade que espera uma solução justa e eficaz. Exemplo clássico são as demandas judiciais que gravitam em torno de questões ambientais, cuja natureza é de direito difuso por excelência.
Esta nova realidade exige alternativa para a solução de determinados conflitos, devendo o promotor de justiça estar à frente, sempre buscando soluções mais democráticas, eficazes e comprometidas com a sociedade.
Surge aí a necessidade de a sociedade fazer parte dessa realidade. Nem poderia cogitar-se de outra forma: afinal, não será ela a atingida pela tomada de decisões do promotor de justiça?
A importância da participação da sociedade nos procedimentos judiciais ou extrajudiciais – como é o caso do termo de ajustamento de condutas – é fundamental para que se tenha consciência de que são empreendidos esforços por parte da instituição em busca da verdade real, além de possuir um inegável caráter pedagógico.
Mas de que forma o Promotor de justiça pode se aproximar da sociedade?
No plano da litigância judicial, a convocação de audiências públicas é medida que se impõem quando a matéria seja relevante em razão da natureza do direito ou da quantidade de direitos fundamentais em conflito. A forma de assegurar a participação da sociedade no processo judicial, portanto, ocorre pela realização de audiências judiciais participativas, nas quais deve ser oportunizada a participação direta dos cidadãos, de especialistas na matéria e de autoridades públicas, tudo com o objetivo de construir uma solução conjunta.
O Código de processo civil, no art. 331, caput, oportuniza a realização de audiência preliminar em busca da transação. Contudo, em litígios que envolvam direitos difusos e coletivos, é defesa a transação como forma de extinção do processo. Mas isso não obsta que seja feita a referida audiência judicial participativa para fins de fixar pontos controvertidos e possibilitar a exposição de idéias dos demais segmentos da sociedade.
A idéia da audiência judicial participativa já foi, inclusive, aplicada no caso concreto pelo Juiz Federal Zenildo Bodnar nos Autos da Ação Civil Pública n. 2004.72.00.013.781-9, em Florianópolis, ajuizada pela Associação dos Monitores Ambientais do Parque Nacional de São Joaquim e pela Associação dos Moradores da Comunidade São José, dentre outros, contra o IBAMA e a União.
Já no plano extrajudicial, especialmente, no Termo de Ajustamento de Condutas e no inquérito civil, a solução não é diversa.
Embora sejam medidas extrajudiciais, a participação da sociedade é de igual importância, uma vez que servirá para demonstrar para a sociedade a forma pela qual o Promotor de Justiça trabalha e soluciona os conflitos sem socorrer-se ao judiciário de forma eficaz, mas sem abrir mão do direito tutelado em juízo.
Ou seja, essa medida ainda é mais importante do que a audiência judicial participativa.
Primeiro, porque na maioria das vezes, a população não conhece a rotina de trabalho do Promotor de Justiça, tampouco tem conhecido das possibilidades que o Promotor de justiça têm para fazer valer os comandos legais. Ao contrário, veiculam-se na imprensa as ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, mas pouco se fala de termos de ajustamento de condutas bem sucedidos.
Segundo, porque com a participação da sociedade nesta esfera, fica mais fácil perceber que as demandas judiciais devem ser a última solução em busca da pacificação social. 
Por derradeiro, ainda que não exista conflito de direitos, caberá ao Promotor de Justiça sair de seu gabinete e buscar no meio social as formas de expor os problemas sociais e as medidas que cada um pode fazer a seu alcance.
Em especial, nas escolas, com a participação dos professores, o Promotor de justiça poderá fazer palestras de educação ambiental, salientando a importância que as gerações futuras têm com o meio ambiente e os reflexos danosos da poluição no cotidiano de cada um.
Atualmente, a internet desempenha importante papel de comunicação com todos os segmentos sociais. Além de estar à disposição da maioria das pessoas, os jovens são os principais adeptos a esta forma de comunicação e informação.

Atento a isto, o Ministério Público de Santa Catarina já veiculou na rede mundial de computadores blogs que informam sobre as ações empreendidas em favor da população, recebem denúncias, informações e sugestões, e buscam dar mais conhecimento sobre as atribuições da instituição. Registro que o primeiro blog a ser veiculado foi do Promotor de Justiça Márcio Conti Júnior, de Joaçaba, em outubro de 2007. Naquele mesmo ano o Promotor de Justiça Rosan da Rocha criou o site da Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú. 
 Recentemente, em iniciativa pioneira, o Ministério Público de Santa Catarina abriu seu canal próprio no YouTube, o maior portal gratuito de vídeos na internet e que dispensa investimento em provedores, voltado à divulgação de conteúdo institucional e educativo, com o objetivo de atrair especialmente o público jovem para a discussão sobre os direitos sociais e coletivos e para a cidadania.
 O projeto “VideO Seu Direito" conta com cinco vídeos interativos que mostram casos de atuação de Promotores de Justiça na defesa do direito à Saúde, do Idoso, à Educação e do Meio Ambiente.
Igualmente, o Ministério Público catarinense mostrou-se à frente quando implementou um programa de ações educacionais para abordar a questão dos ilícitos socialmente aceitos, titulando a campanha "O que você tem a ver com a corrupção?". Isso demonstra que a responsabilidade para combater a corrupção não vem apenas das ações do Promotor de Justiça, mas da conduta de cada um, que acabam aceitando de forma velada as ações de pirataria e sonegação fiscal.
Tais ações objetivam aproximar a Instituição com a sociedade e são de salutar importância, pois é mediante a educação dos jovens e a informação das medidas tomadas pelo Promotor de Justiça que a sociedade terá conhecimento da atuação do Ministério Público e a forma pela qual pode buscar resposta para a colisão de direitos.

42. 48.  O MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DO SUS 
Com base na Constituição de 1988, podemos designar três importantes atuações do Ministério Público na defesa dos direitos dos cidadãos: zelar pelo regime democrático (127, CF), fiscalizar o cumprimento da lei e defender os direitos coletivos (129, III, CF). De acordo com o artigo 129, II, do mesmo texto constitucional, cabe ainda ao Ministério Público promover as medidas necessárias à garantia dos serviços de relevância pública. Sendo assim, as ações e os serviços viabilizados pelo SUS – cujos princípios basilares traduzem uma política de inclusão - necessitam ser fiscalizados. 

Quanto à prioridade atinente à saúde, a atuação do Ministério Público em relação ao SUS se dá sob os seguintes focos:

- qualificando a atuação em defesa do fornecimento de medicamentos, a fim de beneficiar a população da forma mais abrangente possível e não aos laboratórios (no sentido de comprovar a eficácia do medicamento pedido ou, se ele é o único com tais condições no mercado).

- garantindo a destinação mínima de recursos prevista constitucionalmente pela Emenda n. 29, de 2000, que garante recursos para o atendimento de demandas, sem descuidar da universalidade e integralidade no atendimento;

- zelando pela garantia constitucional de gratuidade dos serviços públicos e demais credenciados ao SUS. No âmbito da Lei Federal n. 8.080/90, inteirando a sociedade através de programas de incentivos à participação da população nos Conselhos de Saúde. O Ministério Público Catarinense tem como um de seus projetos o “Programa de Combate à abusividade de Cobrança no Sistema Único de Saúde”, cujas orientações (a Promotores e à Secretaria de Saúde) encontram-se no sítio da instituição;  

- fiscalizando a formação e o funcionamento dos Conselhos de Saúde, bem como o repasse de recursos ao Fundo de Saúde existente; e

- analisando as responsabilidades, quando da possibilidade de erro ou negligência profissional, na área da saúde.
Ao Ministério Público cabe também fiscalizar clínicas médicas e hospitais públicos; cabe fiscalizar a prática de irregularidades, conjuntamente com a Vigilância Sanitária, no que se inclui a inobservância das normas sanitárias legais, entre outras. 

Para além do acompanhamento das políticas de saúde e da fiscalização do sistema, o Ministério Público atua na mediação de conflitos por meio de termos de ajustamento de conduta, dispondo ainda de mecanismos judiciais, como as ações civis públicas, as ações de improbidade administrativa e outras medidas que entender pertinentes para a busca da efetivação dos direitos sociais. 

O SUS e o papel fiscalizador do MP:

O princípio da universalidade está previsto na Constituição Federal:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, CRFB/88).

No entanto, essa acessibilidade não está garantida, mas sim condicionada à disponibilidade orçamentária. A fim de fazer cumprir o princípio da universalidade, a Emenda Constitucional 29, de 2000, definiu percentuais mínimos de aplicação na área da Saúde. Dessa forma, evita-se o problema dos cortes orçamentários e dos conseqüentes bloqueios à realização de ações e serviços em saúde à população em geral - há que se lembrar que o SUS não pretende ser opção somente às mais baixas camadas sociais, mas deve estar ao alcance de todos, a quem possa interessar.  

A emenda determina que o mínimo a ser disponibilizado pela União à saúde se dá pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). Os estados devem destinar 12% de suas receitas à saúde, e os municípios, 15%. Não cumpridas as determinações legais, a União está autorizada a intervir nos estados, assim como estes poderão intervir nos municípios de sua abrangência. A fiscalização da EC 29 é atribuída aos Conselhos de Saúde, às Assembléias Legislativas e às Câmaras Municipais, por meio dos Tribunais de Contas.     
Uma grande dificuldade enfrentada no âmbito do SUS são as tentativas de burlar a Emenda em questão. Sendo assim, cabe também ao Ministério Público fiscalizar e exigir seu cumprimento, o que se traduz na garantia de entrada da cota orçamentária mínima e da destinação adequada e sem desvios do dinheiro reservado à saúde. Nesse sentido, o Ministério Público assume a função de verificar a limpidez no encaminhamento dos recursos orçamentários.       

Aliado nessa função é o SIOPS, ou seja, Sistema de Informações sobre Orçamentos públicos em Saúde. Através dele, que disponibiliza dados na internet a partir de 1998, pode-se verificar a situação de receitas e despesas relacionadas aos serviços públicos de saúde. Como planilha ou sob forma de indicadores, torna-se possível a comparação de dados, o que confere visibilidade às aplicações dos recursos públicos dessa área. Conseqüentemente, contribui com os Conselhos de Saúde. 

Atribuições da União, dos Estados e dos Municípios na Garantia do Direito à Saúde:

As competências na área da saúde não são nítidas, especialmente com a adoção da política de descentralização. A Constituição Federal e a Lei n. 8080/90 definem campos de competência comum e exclusiva.  

Sabe-se que a Saúde é responsabilidade do Estado como Nação (vide “Direito Sanitário e Saúde Pública” – Vol. II, 2003). Segundo o art. 196 da CF, é dever do Estado: “garantir a saúde como um direito de todos, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença ou de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (Esse artigo dá margem a ampla interpretação). A Saúde é também da alçada de todas as esferas de governo, tendo ainda algumas funções reservadas ao próprio SUS.

No caso de o SUS não estar apto a executar algum serviço, caberá ao Estado ou à União suprir tal carência; cuida-se de ações integrativas (ver Lei n. 8080/90). Os procedimentos pertinentes serão traçados pela Comissão Intergestores Bipartite e, Tripartite. Cabe mencionar o artigo 197 da Constituição Federal: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Quer dizer, as mencionadas ações não são exclusivas do Poder Público, que conta com auxiliares na atividade de controle.

Diante dos fatos, o Ministério Público poderá dirigir-se a um ou mais entes, em defesa da coletividade receptora da prestação de serviços, ou de indivíduo em situação específica. 


(O texto acima foi extraído do Manual do Ministério Público em Defesa da Saúde, do MP/SC, disponível no site www.mp.sc.gov.br).
43. 49.  O MP E A PROTEÇÃO DO IDOSO 
O Estatuto do Idoso, no art. 74, I, conferiu atribuição ao Ministério Público para instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso. Esse dispositivo poderia até mesmo ser considerado desnecessário, já que reproduz, em nossa opinião, o que já estabelece a Constituição. Ou seja, mesmo que não houvesse esse dispositivo, ou mesmo que inexistisse o Estatuto do Idoso, o Ministério Público estaria legitimado para a tutela dos direitos metaindividuais e individuais indisponíveis dos idosos. 

Entretanto, em face da existência das interpretações restritivas, a norma do Estatuto do Idoso assume particular importância, já que explicita, de maneira bastante didática, que o Ministério Público é legitimado para a defesa de direitos individuais homogêneos dos idosos, sendo que a redação do dispositivo foi feliz ao não vincular o conceito de direitos individuais homogêneos com a nota da indisponibilidade. 

Vejamos agora algumas hipóteses em que se revela possível e necessária a atuação do Ministério Público na tutela coletiva dos direitos dos idosos.

A omissão administrativa é campo fértil para as ações coletivas e o Ministério Público poderá ajuizar diversas ações que visem a obrigar a atuação do poder público em favor dos direitos dos idosos. Assim, poderá ser ajuizada ação coletiva para que sejam construídas entidades públicas de abrigo para idosos; ação coletiva visando a um adequado tratamento de doenças crônicas que atinjam idosos (art. 79, I e II, do Estatuto do Idoso); ação coletiva para fornecimento de medicamentos , etc. 

O acesso ao lazer e à cultura também é tema que merece a atuação do Ministério Público, valendo lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a legitimidade da instituição para o ajuizamento de ação coletiva visando a garantir o ingresso de aposentados gratuitamente em estádios de futebol, sob o fundamento de que o lazer dos idosos possui relevância social. 

Outra área de atuação importante do Ministério Público para a tutela coletiva dos direitos dos idosos é a fiscalização de entidades de atendimento, asilos e abrigos para idosos. Constatando irregularidades, e não havendo meios de saná-las, deve o Ministério Público ajuizar ação coletiva para suspensão das atividades ou a dissolução da entidade (art. 55, § 3o, do Estatuto do Idoso), podendo inclusive pleitear reparação por danos morais para os idosos residentes. A prática vem demonstrando que diversos asilos não possuem condições mínimas para o acolhimento de idosos e a atuação do Ministério Público está sendo fundamental para o resguardo dos direitos dos abrigados. Note-se que as entidades de atendimento prestam serviços (art. 35 do Estatuto do Idoso) e, portanto, enquadram-se também nas regras do Código do Consumidor, o que, entre outras conseqüências, pode ser interessante no caso de ser pleiteada alguma indenização e haver necessidade de desconsideração da personalidade jurídica. 

De todo modo, não obstante a prática comprovar que a atuação do Ministério Público na fiscalização das entidades de atendimento é fundamental, a medida do fechamento ou dissolução da entidade deve ser considerada excepcional, inclusive porque os idosos abrigados podem não ter outro local apto que os acolha imediatamente. A ponderação e a adequação à realidade de cada comarca se fazem mais presentes do que nunca em questões asilares. 

A tutela coletiva dos direitos dos idosos pelo Ministério Público também se mostra bastante efetiva nas relações de consumo, especialmente no que se refere aos contratos de prestação de serviços em entidades de atendimento e de planos de saúde, inclusive com pedido de reparação de dano moral coletivo, dependendo da hipótese. Para a discussão das cláusulas contratuais de planos de saúde a legitimidade do Ministério Público é tranqüila, em razão do que já dispõe o Código do Consumidor, vindo o Estatuto do Idoso apenas incrementar essa atribuição. 

Para a garantia de transporte gratuito dos idosos, na forma do disposto no art. 230 da Constituição e dos arts. 39/40 do Estatuto do Idoso, a ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público tem se mostrado importante instrumento, embora o Superior Tribunal de Justiça venha sistematicamente negando esse direito, no que se refere ao transporte interestadual. 

Dentre outras atribuições, destaca-se a possibilidade de determinação de medidas de proteção (encaminhamento à família ou ao curador, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporário; expedição de requisições para tratamento de saúde; etc.), instrumento este que facilita o acesso à justiça à medida que os direitos podem ser garantidos de forma pronta e ágil sem a necessidade e os entraves burocráticos do processo judicial.

O Promotor de Justiça poderá celebrar as transações relativas a alimentos, ocasião em que elaborará um termo de compromisso que será assinado por ele e pelas partes, que passará a ter efeito de título executivo extrajudicial.

O Ministério Público possui legitimidade conferida pela Constituição Federal para propor ação civil pública (Lei nº 7347/85) em defesa dos idosos

Vê-se, portanto, que a atuação do Ministério Público na defesa coletiva dos direitos é um importante componente na árdua tarefa de possibilitar o exercício do direito fundamental do aceso à justiça, sendo indevida qualquer limitação arbitrária no seu agir, sob pena de se estar limitando o próprio acesso à tutela adequada dos direitos.

A especialização é a melhor solução para que o Ministério Público atinja resultados mais satisfatórios na tutela dos direitos. As vantagens da criação de promotorias especializadas são evidentes, na medida em que a dedicação exclusiva a uma determinada matéria faz com que o serviço prestado naturalmente se aperfeiçoe rotineiramente. Além da familiaridade com os problemas relacionados com a matéria, que faz com que as medidas necessárias em boa medida já venham sendo elaboradas e testadas, a especialização aproxima e torna mais fácil o diálogo com órgãos governamentais e setores da sociedade que também são responsáveis pela mesma atividade específica ou se ocupam do mesmo tema. Bastante recomendável também a realização de planos de atuação para a efetiva tutela dos direitos dos idosos.

Outro ponto importante é a necessidade de as Promotorias contarem com o auxílio técnico de profissionais de outras áreas, como médicos, engenheiros, contadores etc. Invariavelmente os fatos desafiam conhecimentos interdisciplinares e apenas com apoio técnico também especializado é que o Ministério Público desempenhará satisfatoriamente suas funções.

Especialização e formação de grupo de apoio técnico a seus membros são componentes imprescindíveis para a otimização da tutela coletiva pelo Ministério Público.
Contudo, pode-se ainda destacar que a maioria dos idosos ainda não descobriu que são atores principais para a efetivação de seus direitos e para que isso aconteça é fundamental a conscientização da sua importância tanto por parte dos operadores jurídicos como também dos próprios idosos, os quais precisam conhecer seus direitos para exercê-los e reivindica-los.


Os trechos colacionados no texto acima foram extraídos das obras abaixo relacionadas:
O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva dos direitos dos idosos. Robson Renault Godinho. Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Elaborado em 09/2005. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7974
A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO IDOSO. ROBERTA TEREZINHA UVO. ATUAÇÃO – REVISTA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE. V.4, N. 8, JAN/ABR. 2006 – FLORIANÓPOLIS – PP. 123 A 132.  
44. 50 - A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE 
Após o advento da Constituição Brasileira de 1988, a preservação ambiental passa a ser matéria constitucional. Na defesa do meio ambiente, a Lei Fundamental atribuiu ao Ministério Público, enquanto guardião dos interesses difusos e coletivos, a função institucional de promover a ação civil pública para a tutela do meio ambiente, consolidando-se como instrumento de suma importância para a preservação e manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, elemento indispensável para uma sadia qualidade de vida das comunidades humanas. 
O meio ambiente insere-se entre os direitos fundamentais de terceira dimensão. Com a implementação destes direitos, iniciou-se um processo de reformulação na prioridade de sua positivação, o que ocasionou o maior enfoque aos direitos coletivos, baseados na solidariedade. No campo processual, os conceitos clássicos, em especial o da legitimidade ativa, necessitaram acompanhar a evolução para que fosse possível garantir a efetividade no acesso à justiça, tornando-se indispensável a superação da visão individualista que impedia a discussão sobre direitos metaindividuais.
Em decorrência da parte final do art. 225 da Constituição Federal (..impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações) diversos são os instrumentos processuais aptos a tutelar o meio ambiente.
A Constituição Federal, no artigo 127, ao incumbir ao Ministério Público da defesa dos interesses sociais transformou-o em um órgão de desenvolvimento do próprio direito da humanidade, uma vez que lhe foi atribuído como função institucional a proteção dos interesses difusos e coletivos. Essa função institucional, prevista no art. 129, III da CF, representa uma feição moderna dos assuntos que a Constituição Federal elege como prioritários. Para depreendermos a devida proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado pelo Ministério Público, deve-se analisar o artigo supracitado, que assim dispõe: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (grifo nosso).
A interpretação dessa função institucional deve levar em conta que o dano ambiental engloba os aspectos relacionados ao meio ambiente natural, artificial e cultural, bem como do trabalho, ou seja, um dano ambiental pode provocar reflexos tanto nos interesses metaindividuais quanto nos individuais, isoladamente ou concomitantemente. 
O Ministério Público é uma instituição pública essencial à justiça e possui, dentre suas funções, a de promover Inquéritos Administrativos e ações judiciais para a proteção do meio ambiente e de responsabilizar penalmente os autores dos danos ambientais, nos termo do artigo 129, da Constituição Federal de 1988.
De acordo com o artigo 225 da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Logo, o Ministério Público tem o dever legal de investigar os casos de poluição e de propor ações judiciais para assegurar esse direito constitucional de toda população ao meio ambiente.
O Promotor de Justiça na atuação na defesa extrajudicial do meio ambiente poderá valer-se de instrumentos de natureza investigatória e preparatoria nos casos que envolverem lesão aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Dentre estes instrumentos estão: o Inquérito Civil, o Procedimento Preparatório, o Compromisso de Ajustamento de Conduta, as Peças de Informações e as Recomendações. No Ministerio Público de Santa Catarina esta atuação extrajudicial do Promotor de Justiça é regulamentada pelo Ato n. 81/2008/PGJ.  
Enquanto o Inquérito Civil somente pode ser instaurado pelo Ministério Público, a ação civil pública pode ser proposta pelos legitimados dispostos no artigo 5º da Lei 7.347/85, dentre os quais também se encontra legitimado o Ministério Público Estadual. 
Toda vez que assim agir, instaurando inquéritos e propondo ações ambientais contra os poluidores, estará o Ministério Público contribuindo para o desenvolvimento sustentável, enquanto um novo modelo de desenvolvimento econômico que venha a conciliar o crescimento com respeito ao meio ambiente, assegurando a melhoria da qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.  
Os trechos colacionados no texto acima foram extraídos das obras abaixo relacionadas:
O Ministério Público na Defesa Extrajudicial do Meio Ambiente. Roberta Terezinha Uvo e Zenildo Bodnar. Texto retirado do site do MP/SC (www.mp.sc.gov.br)
A incumbência Constitucional do Ministério Público na tutela do Meio Ambiente. Eduardo Cunha Alves de Sena e Paulo Eduardo de Figueiredo Chacon. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Natal, a.5, n.7, p. 73-89. jul/dez. 2005.
A Atuação do Ministério Público Estadual na proteção do meio ambiente de Magé e Guapimirim. Pedro Elias Erthal Sanglard. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em ciência ambiental da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Ciência Ambiental. 
45.   41. A EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL – DÉBORA

No âmbito infraconstitucional, antes mesma do advento da Lei da Ação Civil Pública, bem como anteriormente à Constituição de 1988, o legislador especial estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei n. 6938/81. Em matéria de responsabilidade ambiental, aludida Lei, no artigo 14, parágrafo primeiro, dispõe que:
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados”
Isso significa que nas ações coletivas, quando o objeto se referir a dano ambiental, incide a responsabilidade objetiva, seja o agente pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, bastando ao autor da ação comprovar o dano, o nexo de causalidade e a atribuição ao réu da atividade danosa.
E como forma de operacionalizar a busca das penalidades, a Lei em comento autorizou o Ministério Público a ingressar com a ação de responsabilidade civil por danos decorrentes de condutas lesivas ao meio ambiente, na seguinte forma:
“Art. 14 § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”
Posteriormente, com o advento da Lei da Ação Civil pública (Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985), reforçou-se a legitimidade do Ministério Público para propor a mencionada ação, além de ter ampliado sua legitimidade para outros segmentos em busca da defesa de direitos difusos e coletivos.
Prescreve o art. 1° da Lei em análise:
“Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I - Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: 
I - ao meio-ambiente;”
Em seguida, o artigo 5° determina a legitimidade do Ministério Público para a propositura da Ação Civil Pública:
“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: 
I - o Ministério Público;”
Por sua vez, com a promulgação da Constituição Federal, o tema da responsabilidade civil ambiental passou por grande transformação advinda com a importância que o constituinte originário disciplinou.
A tutela ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está prevista no artigo 225, capítulo próprio e inserida no título Da ordem social.
 Em suma o artigo em comento ao determinar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” pregoou o direito universal de todos, sem restrição, à sadia qualidade de vida. Igualmente, o dispositivo estabeleceu uma ética entre as gerações e uma solidariedade intergeracional quando atribuiu ao Poder Público e à coletividade a obrigação de defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”
O texto constitucional também trouxe traz previsão expressa de responsabilidade objetiva do causador de danos nucleares, adotando nitidamente a teoria da responsabilidade integral nos seguintes termos:
“Art. 21, inciso XXIII, aliena d (...) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”
De outra parte, o art. 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal estende a responsabilidade objetiva a todos os danos causados pelo agente das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviços públicos, o que se aplica, naturalmente, à matéria ambiental, vinculando todos os agentes do poder público que causem danos ao meio ambiente.
Conseqüentemente, a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público a função promocional de preservar a ordem pública e os direitos indisponíveis, sempre de forma coerente com o papel de promover o projeto constitucional de bem estar social e garantir a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A partir de então, a legitimidade do Ministério Público para ingressar com a Ação Civil Pública e outras medidas judiciais ou extrajudiciais passou a ser garantia constitucional, conforme estampado no artigo 129, incisos I e III.
No plano infraconstitucional, houve avanços sobre a responsabilidade civil ambiental.
O código civil, no art. 1128, parágrafo primeiro, definiu que a função social da propriedade estará atingida quando o proprietário atender, além das finalidades econômicas e sociais, as normas legais que defendem a flora, a fauna, as belezas naturais e o equilíbrio ecológico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Desse panorama, conclui-se, portanto, frente aos textos legais trazidos à explanação, que a garantia da preservação do meio ambiente foi atribuída ao Ministério Público, alçado pela Constituição Federal a principal agente de promoção dos valores e direitos sociais indisponíveis, de modo que não cabe mais ao Promotor de justiça apenas coibir ilícitos penais, mas situar-se no realizador de medidas necessárias às garantias dos serviços de relevância pública e do bem estar social, interesse primário do Estado.
46.                   DEONTOLOGIA
A Deontologia Jurídica é definida como a ciência que trata dos deveres de operadores do Direito em geral, entre os quais estão incluídos os membros do Ministério Público (MP).
O Ministério Público adquiriu uma posição de destaque com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF), na medida em que se destacou do Poder Executivo e passou a figurar como uma instituição independente e autônoma, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos moldes do caput do art. 127 do Diploma mencionado.
O assunto, como um todo, consta do art. 127 ao art. 130-A da CF. Vale ressaltar, ainda, que as normas gerais acerca da organização do MP dos Estados estão disciplinadas na Lei Federal n. 8.625/93 (Lei Orgânica do MP), e, da União, regulamentadas pela Lei Complementar Federal n. 75/93.
O MP de Santa Catarina (MPSC), especificamente, está calcado na Lei Complementar Estadual n. 197/2000, que trata minuciosamente da sua organização, das suas atribuições, entre outros detalhes fundamentais para a sua continuidade harmoniosa.
Entre as muitas funções institucionais do MP expostas no art. 82 da LCE n. 197/2000, podem ser citadas as incumbências de (a) promover, privativamente, a ação penal pública; (b) promover o inquérito civil e a ação civil pública, nos casos especificados; (c) exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e que abriguem idosos, crianças, adolescentes, incapazes ou portadores de deficiência; e (d) se manifestar nos processos em que sua participação seja obrigatória por lei.
Com tamanha responsabilidade conferida aos indivíduos que optaram por seguir uma carreira dentro do MP, surge, inevitavelmente, o debate relacionado à ética do Promotor de Justiça.
Isso porque ocorrem, muitas vezes, conflitos entre as obrigações inerentes aos Promotores de Justiça e os sentimentos íntimos e pessoais que podem aflorar no ser humano ocupante deste cargo.
As situações ocorridas na esfera criminal, principalmente, exemplificam melhor a dicotomia explanada, porque são exaltadas pela mídia diariamente e estão em voga para a opinião pública.
A criminalidade é um problema crescente e a sociedade absorve a idéia de que, para a solução dos problemas, os infratores merecem receber castigos cada vez mais rigorosos, sem a devida observância dos direitos e garantias constitucionais dos réus.
Um reflexo mais aprofundado do tema, entretanto, conduz ao entendimento de que a questão é muito mais complexa. Os sujeitos que infringem a legislação penal, em regra, foram condenados muito antes por uma infância pobre e sem condições ideais de alimentação, higiene, trabalho, desenvolvimento, etc.
Esses indivíduos são produtos da sociedade capitalista que avança sem dar chances, aos menos favorecidos, de uma vida longe da criminalidade.
Um sistema prisional como o brasileiro, considerado inadequado por muitos especialistas no assunto, não pode ser tido como a única forma de extinguir os crimes da sociedade.
Tanto é verdade que, como é de conhecimento público e notório, a população carcerária aumenta ano após ano, mesmo com as sanções de leis mais rigorosas, como a dos crimes hediondos – datada de 1990 – e a instituidora da prisão temporária – do ano de 1989.
Não se pode, portanto, almejar que a legislação penal e a processual penal resolvam rupturas sociais que estão fora de sua alçada.
Juristas de renome, como o Ministro aposentado do STF, Dr. Evandro Lins e Silva, são implacáveis em afirmar que a severidade do sistema penal não é suficiente para inibir uma conduta ilegal de um criminoso (Ciência jurídica – fatos – n. 20, de 1996).
Tais questões são corriqueiras no exercício da atividade do promotor de justiça, que deve obrigatoriamente ser detentor de uma consciência ética, pois precisará equilibrar valores como o do direito à liberdade, de um lado, e o da descoberta da verdade real quanto ao fato criminoso, de outro.
Caso contrário, será inevitável que diversas garantias individuais sejam esquecidas, pois as condições atuais de individualidade e competitividade são propícias ao endurecimento penal dos acusados de toda ordem.
Aquele profissional não pode simplesmente atuar como um perseguidor implacável do réu e que tenta a condenação para satisfazer os anseios da população, sem se importar com todas as circunstâncias envolvidas no caso ocorrido.
Deve, sim, conferir ao acusado as condições plenas de provar a sua inocência, pleiteando em Juízo uma sanção penal apenas com a convicção e a certeza processual do fato e da autoria, uma vez que dispõe de um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição.
A acusação pública, ainda que deduzida em favor de toda a comunidade, não pode estar viciada por sentimentos de ódio, raiva, paixão ou vingança, pois a digna função da promotoria há de ser amparada, sempre, na lógica jurídica e na boa argumentação.
O MP deve estar revestido da completa imparcialidade e cumprir uma dupla função, a de acusador público e a de fiscal da lei, garantindo um desenvolver justo e legal de todo o processo.
Por essa razão que, atualmente, é pacífica a possibilidade de o Promotor de Justiça requerer medidas que sejam favoráveis aos acusados, como pedido de absolvição ou interposição de recursos em seu favor, o que deve ser visto como uma atitude nobre e eticamente incensurável, quando praticada corretamente.
A ética, portanto, determina que o Promotor cumpra a difícil tarefa de se distanciar de todas as paixões que circundam as lides, esquecendo-se da notoriedade, do espaço na mídia e da proporção teatral que alguns casos podem atingir.
Em suma, o réu que pratica uma conduta delituosa merece, evidentemente, ser punido, mas sempre com o respeito e a observância dos direitos garantidos constitucionalmente.
A verdade das situações será incansavelmente buscada pelo MP, que não pode sucumbir à vaidade. O reconhecimento da improcedência de sua pretensão, de outro lado, há de ser visto com altivez e dignidade.
Independentemente da área em que atue o representante do Parquet, a prática da ética exige também que este indique todos os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos, obedeça aos prazos processuais, agilize a prestação jurisdicional, assista aos atos processuais pertinentes, trate com urbanidade as partes, atendam ao público, e assim por diante.
No mesmo sentido, a convivência com os Juízes, Advogados e colegas de profissão deve ser isenta de qualquer animosidade, mesmo que suas funções e teses sejam conflitantes, como é normal no exercício do Direito.
Com esses passos, a ética conduzirá o operador do Direito a um caminho de brilho e sucesso profissional.

Referências:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=271

http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/normas_legais/estadual/leis_complementares/lei%20complementar%20nº%20197,%20de%2013%20de%20julho%20de%202000.doc

http://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia_Jur%C3%ADdica
47. 53. MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNÇÕES INSTITUCIONAIS – FELIPE

O Ministério Público, conforme conceitua o art. 127 da Constituição da República, “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Trata-se de um ente público que tem o dever de defender os valores mais relevante da sociedade. Na visão de Gabriel Rezende Filho , “é a personificação do interesse coletivo ante os órgãos jurisdicionais”, ou melhor, é o legítimo representante da “ação do poder Social do Estado junto ao Poder Judiciário”.
Seus princípios institucionais, a teor do disposto no art. 127, § 1º, da CF, são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. 
O princípio da unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só Procurador-Geral. O princípio da indivisibilidade, por sua vez, é verdadeiro corolário do princípio da unidade, pois o Ministério Público não se pode subdividir em vários outros Ministérios Públicos autônomos e desvinculados uns dos outros. Conforme esses dois princípios (unidade/indivisibilidade), cada membro do Ministério Público age em nome da instituição, podendo ainda ser substituídos uns pelos outros. Já o princípio da independência funcional significa que cada membro é autônomo, agindo segundo a própria convicção e não podendo ser coagido pelos superiores no uso das atribuições que lhe são próprias. Em deste princípio, só se admite na instituição uma hierarquia no sentido administrativo, pela chefia do Procurador-Geral do Ministério Público, nunca de índole pessoal.
Os membros do Ministério público possuem, ainda, garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, encartadas no art. 128, inciso I, da CF. São mecanismos de proteção à independência e liberdade funcional, além de servir de resguardo para o desempenho de suas funções.
A vitaliciedade significa a possibilidade de permanência no cargo, salvo deliberação espontânea de dele ser exonerado, ou destituição, operada mediante sentença judicial transitada em julgado. Fica a aquisição desta garantia condicionada à aprovação em estágio probatório, que deverá durar dois anos.
A garantia da inamovibilidade, por seu turno, diz respeito a impossibilidade de remover-se compulsoriamente o membro de seu cargo, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do colegiado competente, assegurada ampla defesa, por maioria absoluta de seus componentes.
Já a garantia da irredutibilidade de vencimentos é predicativo que visa a resguardar a autonomia e a independência funcional.
Nos termos do art. 128 da Constituição da República, o Ministério público abrange: I – O Ministério Público da União, que compreende (a) o Ministério Público Federal, (b) o Ministério Público do Trabalho, (c) o Ministério Público Militar e (d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e II – o Ministério Público dos Estados.
A estrutura e a organização do Ministério Público da União são estabelecidas pela Lei Complementar n. 75/93. Já as dos Ministérios Públicos Estaduais são regulamentadas pela Lei Federal n. 8.625/93. No tocante ao Ministério Público catarinense, especificando sua estrutura e organização, tem-se a Lei Complementar Estadual n. 197/2000.
O art. 4º da LC estadual 197/2000 estabelece que o Ministério Público de Santa Catarina compreende: I – órgãos de Administração Superior; II – Órgão de Administração; III – Órgãos de Execução; e IV – Órgãos auxiliares.
São Órgãos de Administração Superior, conforme o art. 5º da referida Lei Complementar: I – a Procuradoria-Geral de Justiça; II – o Colégio de Procuradores de Justiça; III – o Conselho Superior do Ministério Público; e IV – a Corregedoria-Geral do Ministério Público.
Os Órgãos de Administração, por sua vez, são: I – Procuradorias de Justiça; e II – Promotoria de Justiça (art. 6º). 
Já os Órgãos de Execução são: I – o Procurador-Geral de Justiça; II – o Colégio de Procuradores de Justiça; III – o Conselho Superior do Ministério Público; IV – os Procuradores de Justiça; V – a Coordenadoria de Recursos; e VI – os Promotores de Justiça (art. 7º).
Por fim, são Órgãos Auxiliares: I - a Secretaria-Geral do Ministério Público; II – os Centro de Apoio Operacionais; III – a Comissão de Concurso; IV – o Centro de Estudo e Aperfeiçoamento Funcional; V – os órgãos de apoio técnico e administrativo; e VI – os estagiários (art. 8º).
Todo esse aparato, aliado aos princípios e garantias relatados acima, existem para que o Ministério Público possa dar consecução a suas funções institucionais.
O Ministério Público possui funções institucionais, que foram definidas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, posteriormente, pela Lei Complementar nº 75 de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, e pela Lei Federal nº 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
De acordo com o art. 129 da Constituição da República, são funções do Ministério Público: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Outras funções são estabelecidas pela Lei Complementar nº 75 de 1993 e Lei Federal nº 8.625/93, uma vez que o inciso IX do art. 129 da CF contém uma cláusula aberta, possibilitando que a lei infraconstitucional disponha sobre ouras funções institucionais.
Com efeito, sua função primeira e que mais de perto o caracteriza é a de tornar efetivo, como representante do Estado, o direito de punir os infratores da lei penal. Nesse sentido, como órgão de acusação, é o legitimo órgão promotor da justiça e da defesa social.
Sem dúvida, a função institucional mais associada ao Ministério Público é a promoção da ação penal pública. No entanto, o campo de atuação, que antes era restrito a área penal, vem crescendo vertiginosamente na área cível, a notar, por exemplo, pela intensa utilização da ação civil pública.
Atualmente, a tendência e a amplitude de suas funções são no sentido da ampliação dos interesses metaindividuais, quer sejam difusos, coletivos ou individuais homogêneos.   
Com essa perspectiva, o Ministério Público tem por função a defesa dos interesses sociais, aonde quer que estes interesses estejam presentes. Ou seja, o Órgão Ministerial tem a incumbência de promover a defesa de direitos e interesses sociais, coletivos, individuais indisponíveis e individuais disponíveis, quando estes direitos e interesses tenham uma relevância e um viés social.

48. 54. NEPOTISMO – FELIPE

O nepotismo (termo utilizado para o favorecimento ou beneficiamento de cônjuges, companheiros e parentes no provimento dos cargos em comissão da estrutura dos Poderes constituídos) é prática que atenta contra os princípios da impessoalidade, eficiência, isonomia e moralidade administrativa.
O princípio da impessoalidade consiste no descarte do personalismo. Impõe a proibição do marketing pessoal e da auto-promoção com cargos, funções, empregos, obras, serviços e campanhas de natureza pública. Exige, então, uma absoluta separação entre o público e o privado, ou entre o administrador e a Administração, não podendo aquele fazer “cortesia” com esta. Por óbvio, a nomeação ou designação de parentes não-concursados para cargos em comissão afronta tal princípio.
Já o princípio da eficiência postula o recrutamento de mão de obra qualificada para as atividades públicas, sobretudo em termos de capacitação técnica e vocação para as funções estatais. A prática do nepotismo fere também esse princípio, pois a avaliação dessas aptidões no seio familiar é desprovida de isenção. Além disso, a fusão do ambiente familiar com o espaço público repercute negativamente na rotina de um trabalho.
Com o nepotismo, ataca-se igualmente o princípio da isonomia. É inegável a maior facilidade de acesso de parentes e familiares a cargos em comissão e funções de confiança. Conferem-se, indiretamente, privilégios para uns em detrimento de outros.
Por fim, pelo simples fato de atentar contra os 3 (três) princípios citados acima, afronta-se, outrossim, a moralidade administrativa. Aliás, haverá ofensa a esta quando "(...) se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa." .
Todos esses princípios estão encartados na Constituição da República, nos arts. 5ºe 37. Por isso, indubitável a violação à Carta Magna, sendo este o teor da recentíssima súmula vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
Assim, diante incontestável carga normativa conferida aos princípios, completamente prescindível a existência de lei federal regulamentando a matéria para que se possa coibir essa nefasta prática do nepotismo.
Cumpre ao Ministério Público, portanto, como defensor “da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF), zelando “pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública” (art. 129, III, da CF) assegurados na Constituição, promover as medidas necessárias para atacar as nomeações de provimento de cargos ou funções, quando estas afrontarem o art. 37, caput, da Constituição da República.
E não se diga que o provimento dos cargos em comissão, por serem de "livre nomeação" do respectivo Chefe de Poder, não pode ser controlado pelo Judiciário. Ora, a discricionariedade do administrador público na contratação de pessoal deve ser regulada, limitada e balizada pelos princípios da moralidade, impessoalidade, eficiência e isonomia, comandos que, pelo seu cunho constitucional, mostram-se auto-aplicáveis e imediatamente exeqüíveis, ostentando eficácia plena e independente de regulamentação legislativa superveniente. Além do mais, conforme consolidada jurisprudência, no mérito administrativo, plenamente possível o controle de legalidade (aqui incluído a constitucionalidade) e até mesmo a proporcionalidade da medida. Assim, inquestionável a possibilidade de Poder Judiciário anular os atos nepotistas de nomeação em cargos de comissão.
Com efeito, a luta contra o nepotismo tem sido intensa, especialmente quando o Conselho Nacional do Ministério Público (Resoluções 1 e 7) e o Conselho Nacional de Justiça (Resoluções 7, 9 e 21), em postura merecedora de aplausos, assentaram e normatizaram a proibição e vedação da prática do nepotismo no âmbito de suas respectivas instituições – exemplo modelar que, por simetria e paralelismo, deve ser seguido e rigorosamente respeitado pelos demais poderes e instituições existentes em todos os níveis da federação. Essas resoluções, por sinal, já foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12. 
 Ressalta-se que o Ministério Público de Santa Cataria foi um dos pioneiros no combate a prática do nepotismo, proibindo-o expressamente por meio de sua Lei Orgânica Estadual (Lei Complementar Estadual 197/2000).
Portanto, a investidura no cargo em comissão de pessoa que ostente parentesco com quaisquer dos sujeitos que detêm parcela do poder constituído no âmbito do ente federado deve ser alvo da atuação prioritária do Ministério Público, pois é só assim que essa prática maléfica, aos poucos, será neutralizada e, quiçá, definitivamente extirpada do poder público.
Ademais, a proibição da contratação de parentes é medida pertinente e capaz de trazer inúmeras outras vantagens ao Estado brasileiro, tais como: a) reduzir focos de clientelismo; b) atenuar concessão de favores pessoais ilegais; c) restringir a excessiva politização e negociata no provimento de cargos públicos em comissão; d) incrementar a política de incentivo ao funcionalismo de carreira; e e) reforçar o combate à corrupção, que assola a Administração Pública.
Concluindo, importante registrar que a atuação do Ministério Público no combate ao nepotismo deve ser tanto preventiva quando repressiva. Pode-se começar pela emissão de recomendação, indicando a necessidade de abstenção na contratação de servidores enquadráveis nas hipóteses de nepotismo (ou exoneração daqueles que já estejam nos quadros). Inobservada tal orientação, imperativo será o ajuizamento de ação civil pública, a fim de que a observância dos princípios constitucionais da Administração Pública seja uma realidade concreta no nosso ordenamento jurídico. 










é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos.
Originalmente a palavra aplicava-se exclusivamente ao âmbito das relações do papa com seus parentes, mas atualmente é utilizado como sinônimo da concessão de privilégios ou cargos a parentes no funcionalismo público. Distingue-se do favoritismo simples, que não implica relações familiares com o favorecido.
Nepotismo ocorre quando, por exemplo, um funcionário é promovido por ter relações de parentesco com aquele que o promove, havendo pessoas mais qualificadas e mais merecedoras da promoção. Alguns biólogos sustentam que o nepotismo pode ser instintivo, uma maneira de seleção familiar. Parentes próximos possuem genes compartilhados e protegê-los seria uma forma de garantir que os genes do próprio individuo tenha uma oportunidade a mais de sobreviver. Um grande nepotista foi Napoleão Bonaparte. Em 1809, 3 de seus irmãos eram reis de países ocupados por seu exército.
Outro exemplo (menos usual) ocorre quando, alguém é acusado de fazer fama, às custas de algum parente já famoso (especialmente, se for o pai, a mãe, ou algum tio ou avô). Por exemplo: Wanessa Camargo como filha de Zezé Di Camargo, Pedro e Thiago como filhos de Leandro e Leonardo, o KLB como filhos do ex-baixista e atual empresário musical Franco Scornavacca, Preta Gil como filha do cantor e ministro da cultura Gilberto Gil, etc.


49. 55. REFORMAS NO PROCESSO PENAL – MÁRCIA

As reformas recentemente produzidas pelas leis ns. 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, que alteram dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689/1941 – Código de Processo Penal (CPP), relativos ao Tribunal do Júri, às provas e à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli, visam dar mais celeridade, simplicidade e segurança ao processo penal e, com isso, alcançar a efetiva prestação jurisdicional.
A Lei n. 11.689/2008 alterou todos os dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri, ou seja, do artigo 406 ao 497, bem como artigo 581, dentre as quais se destacam:
1 – Foi dada nova redação ao Capítulo II do Título I do Livro II, denominando-o: "Do Procedimento Relativo aos Processos da Competência do Tribunal do Júri", bem como introduzindo novas subdivisões a este capítulo;
2 - Formação do Júri: idade mínima para participar como jurado cai de 21 para 18 anos;
3 - Recebida a denúncia, o juiz terá o prazo de 10 (dez) dias para ordenar a citação do acusado;
4 – O procedimento passa a ser agora condensado em uma única audiência de instrução, em que, se possível, será ouvido o ofendido em declarações, será tomado o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa e haverá os esclarecimentos dos peritos, as acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado, abrindo-se, por fim, oportunidade às partes para os debates orais, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).
5 – Concluídos os debates, o juiz criminal proferirá a sua decisão “imediatamente” ou no prazo de 10 (dez) dias da decisão de pronúncia, se for o caso;
6 - Substituição da iudicium accusatione por uma fase contraditória preliminar, a ser encerrada em 90 dias;
7 - Vedação expressa da eloqüência acusatória na decisão de pronúncia;
8 - Ampliação das hipóteses de absolvição sumária; passando a fazer parte dessas hipóteses também o fato do juiz fundamentalmente absolver desde logo o acusado quando provada a inexistência do fato, provado não ser ele autor ou partícipe do fato, o fato não constituir infração penal e demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime;
9 - Recurso cabível contra as decisões de impronúncia e absolvição sumária: apelação (antes cabia RESE);
10 - Intimação da decisão de pronúncia: em se tratando de réu solto, que se oculta para não ser citado, passa a ser admitida a intimação por edital, com o normal prosseguimento do feito, o que colocou fim à chamada crise de instância;
11 - Desaforamento para a Comarca vizinha: quando o julgamento não for realizado nos 6 meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de pronúncia;
12 - Extinção do libelo acusatório;
13 - Impossibilidade de dupla recusa de jurados;
14 – Aumentou para 25 (vinte e cinco) o número dos jurados sorteados para a reunião periódica ou extraordinária, dos quais pelo menos 15 (quinze) deverão comparecer à sessão do júri para o sorteio dos 7 (sete) que constituirão o Conselho de Sentença;
15 – O julgamento não será adiado caso o réu solto não compareça à sessão do júri; passando a entender que o não comparecimento do réu manifesta-se pelo seu direito de silêncio. Anteriormente, o não comparecimento do réu adiava imediatamente o julgamento.
16 – O tempo destinado à acusação e à defesa em plenário foi reduzida em meia hora, anteriormente era de duas horas, passando agora para uma hora e meia para cada; já para réplica e para a tréplica, foi o tempo aumentado em meia hora para uma hora;
17 – No plenário, as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou o uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado, e tampouco ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo;
18 – Limitação na leitura de peças em plenário;
19 - Adoção da cross examination;
20 – Foram simplificados os quesitos a serem respondidos pelos jurados quando da deliberação do Conselho de Sentença. Os jurados deverão respondê-los de forma secreta, por meio de cédulas. O objetivo é diminuir a possibilidade de haver recursos para anular o julgamento, com base em erros na fase de questionamento dos jurados e eliminar as dificuldades dos jurados de responderem as perguntas técnicas;
21 - Extinção do Protesto por Novo Júri.

A Lei n. 11.690/08 modificou dispositivos do Código de Processo Penal relativos às provas, mencionados nos artigos 155; 156; 157; 159; 201; 210; 212; 217 e 386.
1 – Art. 155: ao prever que o juiz forme sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial e vedar que sua decisão seja fundamentada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, acaba positivando o entendimento doutrinário de que a investigação preliminar, é peça meramente informativa e com finalidade de instruir uma futura ação penal, portanto, sem valor probatório. Além disso, atribui valor judicial às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, que terão seu contraditório diferido para a fase judicial;
2 – Art. 156: atribui ao juiz a faculdade de, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
3 – Art. 157: traz à legislação infraconstitucional uma vedação já prevista no inciso LVI, art. 5º, da Constituição Federal, ou seja, a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, que deverão ser desentranhadas do processo;
O parágrafo 1º desse artigo cuida da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, consagrando a posição já consolidada no Supremo Tribunal Federal sob os frutos envenenados (fruit of poisonous tree). Contudo, há a ressalva dos casos em que não há a necessária correlação de causa e efeito entre a prova ilícita e a derivada ou, ainda, quando esta puder ser obtida por uma fonte independente das primeiras;
4 – Art. 159: favorece as comarcas menores e mais distantes, onde é recorrente a dificuldade em se conseguir 2 (dois) peritos oficiais, como exigia a antiga redação do Código, permitindo que o exame de corpo de delito e outras perícias sejam realizados por perito oficial, portador de diploma superior.
5 – Art. 201, § 2º: prevê a possibilidade de o ofendido ser comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
O § 4º garante ao ofendido a reserva de um espaço separado para antes ou durante a audiência. O § 6º concede ao juiz a possibilidade de determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a respeito do ofendido, a fim de evitar sua exposição aos meios de comunicação, bem como adotar medidas para preservar direitos fundamentais, como intimidade, vida privada, honra e imagem;
6 – Art. 210, parágrafo único: garante a incomunicabilidade das testemunhas, prevendo a reserva de espaços separados para elas, antes e durante a audiência;
7 – Art. 212: inquirição direta das testemunhas pelos advogados;
8 – Art. 217: na busca pela celeridade, faz uso de métodos modernos e inclui na realização do depoimento, da testemunha ou do ofendido, a inquirição por videoconferência, nos casos em que a presença do réu causar humilhação, temor, ou sério constrangimento, de modo que prejudique a verdade do depoimento;
9 – Art. 386: novos incisos para o juiz absolver o réu:
IV – quando as provas demonstrarem que o acusado não cometeu o crime;
V – quando não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – quando o autor errar sobre a ilicitude do fato, mesmo conhecendo a lei; quando houver erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime que exclua o dolo, mas permita a punição por crime culposo; quando o fato for cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico; quando o agente praticar o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito; quando o agente tiver doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; e quando o agente praticar o crime estando com embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

Por fim a Lei n. 11.719/2008, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos, mencionados nos artigos 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 583.
1 – Foi acrescentado parágrafo único ao artigo 63 do CPP (que trata da reparação do dano causado pelo delito), determinando-se que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a execução pode ser efetuada pelo valor fixado pelo juiz na sentença, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido;
2 – A redação do artigo 257 do CPP foi alterada para destacar as duas funções principais do Ministério Público no processo penal: promoção privativa da ação penal pública e a fiscalização da execução da lei;
3 – Alterou-se o artigo 265, caput, do CPP, substituindo-se a sanção de multa de cem a quinhentos réis por sanção de multa de 10 a 100 salários mínimos, para o defensor que abandona a causa, sem motivo imperioso. Trata-se apenas de atualização monetária. O parágrafo único do artigo 265 foi desdobrado nos §§ 1º e 2º, prevendo-se agora que, antes de designar defensor para o ato, o juiz deve aguardar, até o início da audiência, a apresentação da justificativa pelo advogado que não compareceu a ela, previsão que não existia antes – a ausência do defensor, ainda que motivada, ensejava a substituição por outro defensor, para o ato. Agora, somente se o defensor se ausentar sem apresentar justificativa até o início da audiência é que haverá a substituição do defensor.
4 – No caso de ocultação do réu para não ser citado, ao invés de se promover à citação por edital, com prazo de 5 dias, como ocorria antes, agora, por força da redação do artigo 362, caput, do CPP, será procedida a citação com hora certa, na forma estabelecida pelo Código de Processo Civil (CPC, arts. 227 a 229).
5 – O artigo 383, que trata da ementatio libbeli, manteve o mesmo sentido da redação anterior;
6 – O art. 384 estabelece a necessidade de aditamento da denúncia sempre que surgir prova nova a respeito do fato, independentemente de a nova definição jurídica do fato implicar aplicação de pena mais ou menos grave ao réu. Anteriormente, somente nos casos em que a pena cominada ao novo crime fosse mais grave é que o aditamento se impunha;
7 – Procedimentos: comum ou especial. O procedimento comum é aplicável a todos os processos, salvo disposições em contrário do CPP ou de leis extravagantes, e poderá ser: 
a) ordinário (art. 394, §1º, I): quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
b) sumário (art. 394, §1º, II): quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; ou
c) sumaríssimo (art. 394, § 1º, III): para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei (Lei n. 9.099/1995, arts. 77-81);
8 – Art. 396: O juiz receberá a inicial e ordenará a citação do acusado, para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. Em caso de citação por edital, o prazo para defesa começa a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído (parágrafo único);
9 – Art. 399: Se o juiz receber a denúncia ou queixa, designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação (o termo técnico mais preciso seria notificação, pois se trata de comunicação processual para ato futuro) do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.
Assim, ao receber a denúncia ou queixa, deverá o juiz fazer duas comunicações ao réu:
a) citação, para que tome conhecimento da imputação que lhe pesa sobre os ombros e para que apresente defesa resposta à acusação; e
b) intimação (notificação) para comparecimento à audiência, ocasião em que inclusive será interrogado;
10 – Art. 400: audiência única;
11 – Revogaram-se expressamente os seguintes dispositivos do CPP:
a) artigo 43, que tratava das condições da ação penal, tema agora tratado no art. 395;
b) artigo 362, que previa a citação por edital do réu que se ocultava para não ser citado, situação que agora enseja citação com hora certa, nos termos do artigo 362, caput e parágrafo único, do CPP;
c) artigo 398, que previa o número de 8 testemunhas para cada parte do procedimento regra para crimes apenados com reclusão, tema agora previsto no art. 401, caput, do CPP (procedimento ordinário: 8 / procedimento sumário: 5);
d) artigos 498, 499, 500, 501 e 502, que tratavam do requerimento de diligências, alegações finais e diligências de ofício determinadas pelo juiz antes da sentença, referentes ao procedimento dos crimes apenados com reclusão e de competência do juiz singular, tema tratado agora, com diversas modificações, no artigo 394 e seguintes, do CPP;
e) artigos 537, 539, 540, §§ 1º a 4º do artigo 533, §§ 1º e 2º do artigo 535 e §§ 1º a 4º do artigo 538, que tratavam do procedimento sumário, o qual, agora, é tratado no artigo 394, II, e nos artigos 531-538, com várias alterações;
f) artigo 594, que tratava da prisão para apelar;
g) §§ 1º e 2º do artigo 366, que tratavam da suspensão do processo quando o réu fosse citado por edital, tema agora abordado no art. 363.

50.    56. AÇÕES AFIRMATIVAS E POLÍTICA DE COTAS NA EDUCAÇÃO

O termo Ação Afirmativa refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir positivamente a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem oportunidade de ascender a postos de comando.
Originariamente, as ações afirmativas foram implementadas pelo governo dos Estados Unidos da América, a partir de meados do século XX, mormente com a promulgação das leis dos direitos civis (1964), e atingiram o seu ápice após intensa pressão dos grupos organizados da sociedade civil, especialmente os denominados “movimentos negros”, de variada forma de autuação, capitaneados por lideranças como Martin Luther King e Malcon X, ou grupos radicais como os "Panteras Negras", na luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Daí esse conceito influenciou a Europa, onde tomou o nome de discriminação positiva.
A Ação Afirmativa, como forma de discriminação positiva, é uma política de aplicação prática e tem sido implementada em diversos países, variando o público a que se destina.
As cotas são uma segunda etapa das ações afirmativas. Constatada nos EUA a ineficácia dos procedimentos clássicos de combate à discriminação, deu-se início a um processo de alteração conceitual das ações afirmativas, que passou a ser associado à idéia, mais ousada, de realização da igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais.
No âmbito da educação, a política de discriminação positiva tem como alvo os alunos provenientes de meios socioculturais desprivilegiados, uma vez que o objetivo não deve ser aquele liberal da igualdade de acesso, mas igualdade de resultados, de tal modo que o contingente de mulheres, negros, operários, habitantes do campo deveria, em termos médios, apresentar o mesmo nível de escolaridade quando comparado à escolaridade média dos homens, dos brancos, dos funcionários e dos habitantes da cidade; caso contrário teria havido injustiça.
No Brasil, durante o ano de 2006, foram apresentados, ao Congresso Nacional, dois manifestos que, de certa forma, sintetizam os principais argumentos do debate sobre a questão de políticas afirmativas, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de cotas nas universidades públicas: o primeiro Todos têm direitos iguais na República Democrática posiciona-se contra, e, o segundo, Manifesto a favor da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial, a favor.
Aqueles que se posicionam contra baseiam sua argumentação no princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos, fundamento essencial da República alicerçado na Constituição brasileira. Para os defensores dessa corrente, a Lei de Cotas, além de representar uma ameaça a esse princípio, poderia até aumentar o racismo, dando respaldo legal ao conceito de raça. Como alternativo, apontam como caminho para o combate à exclusão social a construção de serviços públicos universais de qualidade em todos os setores importantes como educação, saúde, etc. Tal meta deve ser alcançada pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra privilégios que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade política e jurídica.
Ainda, os que são contrários à política de cotas, apontam a dificuldade de se saber no Brasil quem é negro e quem não o é, já que somos uma sociedade muito mais miscigenada. Se fosse feita a auto-classificação, muitos se aproveitariam impropriamente dessa chance. Caso fossem criadas comissões para classificar as pessoas conforme a cor, estaria sendo dado ao estado um poder perigoso, que poderia ser usado para outros fins. Parece haver maior consenso entre os que são a favor das ações afirmativas do uso da auto classificação.
Outra crítica às ações afirmativas se refere ao fato de que elas, quando aplicadas preferencialmente para o ingresso nas universidades, podem deixar de lado a grande maioria de negros que apresenta uma inserção precária no mercado de trabalho. Seria como uma política “para inglês ver”, que esconderia os problemas mais profundos da maioria da população negra no Brasil.
O segundo documento encaminhado ao Congresso Nacional, por sua vez, apresenta manifestação a favor de cotas, identificando na aplicação de políticas públicas a única forma de combater a desigualdade racial no Brasil. Faz referência a estudos realizados por organismos estatais que apontam o fato de, por quatro gerações ininterruptas, pretos e pardos terem apresentado menor escolaridade, piores condições de moradia, maior taxa de desemprego quando comparados aos brancos e asiáticos. Mostra, ainda, que a ascensão social e econômica no Brasil passa, necessariamente, pelo acesso ao ensino superior. Ainda, faz crítica ao documento Todos têm direitos iguais na República Democrática, ponderando que a igualdade universal dentro da República não é um princípio vazio e sim uma meta a ser alcançada e que as ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa meta.
O estabelecimento de cotas no mercado de trabalho já existe no Brasil por mais de 15 anos, desde a Lei n. 8.213/91 que prevê a obrigatoriedade da contratação de pessoas portadoras de deficiência em empresas privadas. No entanto, o debate sobre políticas de ação afirmativa é relativamente recente em nosso país. Ele ganha mais repercussão social com a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, em Durban, África do Sul, em que o Brasil se posiciona a favor de políticas públicas que venham a favorecer grupos historicamente discriminados.
Em termos educacionais, há o programa de bolsa escola, que favorece as populações de mais baixa renda e incentiva as mesmas a manterem seus filhos estudando, buscando, dessa forma, combater o trabalho infantil. Nesse caso, é o critério econômico que serve de base para o estabelecimento da política.
Em nível de educação superior, não existe ainda um consenso sobre qual a melhor orientação a tomar. Em 20 de novembro de 2008, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 73/99. O texto determina que 50% das vagas das instituições federais sejam destinadas a alunos provenientes da escola pública. Dessas vagas, 50% serão preenchidas por estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (R$ 622,50) por pessoa. Além das cotas sociais, a proposta exige que as vagas sejam destinadas a negros, pardos e indígenas em proporção igual a dessas populações no total de habitantes de cada estado. Estabelece ainda que a seleção dos alunos que terão direito ao ingresso na universidade por meio das cotas será feita a partir de um coeficiente de rendimento, obtido pelo cálculo da média aritmética das notas ou menções recebidas pelos alunos durante o Ensino Médio. As instituições privadas de ensino superior também poderão adotar as cotas para ingresso dos alunos. A proposta, no entanto, voltou para o Senado por causa da inclusão, pelos deputados, de critérios econômicos para a seleção dos alunos, e ainda está em análise pelos senadores da Comissão de Constituição e Justiça.
O Programa Universidades para Todos (PROUNI) também assegura a inclusão de alunos provenientes de escolas públicas em instituições privadas de educação superior, e entre esses alunos leva em consideração o percentual de negros e indígenas da população onde se encontra o estabelecimento de ensino.
Nada obstante os argumentos contrários à política de cotas, é certo que a adoção desse sistema visa a superação de desigualdades, na direção da conquista da igualdade material ou substancial, que é fruto do que se pode chamar de segunda geração de direitos fundamentais, pois ela absorve e amplia o direito processual.
Não basta, segundo esse novo paradigma de organização dos poderes públicos, garantir um Estado que seja cego para distinções arbitrárias. É insuficiente vedar que a lei condene o indivíduo com base no grupo em que este se insere segundo padrões naturais ou culturais. Faz-se necessário, implementar, por meio da lei e de instrumentos de políticas públicas, a igualdade de oportunidades, ainda que seja necessário estipular benefícios compensatórios a grupos historicamente discriminados. Da ótica ultrapassada do indivíduo genérico, desprovido de cor, sexo, idade, classe social entre outros critérios, agora se busca o indivíduo específico "historicamente situado", objetivando extinguir ou diminuir o peso das desigualdades impostas econômica e socialmente. A consagração normativa dessas políticas sociais representa, pois, um momento de ruptura na evolução do Estado moderno.
Cumpre enfatizar, por fim, que além do sistema de cotas, há outras opções que podem ser consideradas para a efetivação das ações afirmativas: o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e os incentivos fiscais (como instrumento de motivação do setor privado). De crucial importância é o uso do poder fiscal, não como mecanismo de aprofundamento da exclusão, como é da tradição brasileira, mas como instrumento de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho histórico.

FONTE:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/539/375
http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT11-2516--Int.pdf
http://www.ieps.org.br/ederson.pdf
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/655008/especialistas-divergem-sobre-cotas-da-educacao-aprovadas-na-camara 


51. PLANO GERAL DA ATUAÇÃO

O Plano Geral de Atuação do Ministério Público de Santa Catarina está previsto nos arts. 80 e 81 da Lei Complementar Estudual nº 197/2000:
“Art. 80. A Atuação do Ministério Público deve levar em conta os objetivos e diretrizes institucionais estabelecidos anualmente no Plano Geral de Atuação, destinados a viabilizar a consecução de metas prioritárias nas diversas áreas de suas atribuições legais.
Art. 81. O Plano Geral de Atuação  será estabelecido pelo Procurador-Geral de Justiça, com a participação dos Centros de Apoio Operacional, Coordenadoria de Recursos, Procuradorias e Promotorias de Justiça, OUVIDO o Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais.
§ 1º Para execução do Plano Geral de Atuação serão estabelecidos:
I – Programas de Atuação das Promotorias de Justiça;
II – Programas de Atuação Integrada das Promotorias de Justiça;
III – Projetos Especiais.
§ 2º A composição e atribuições do Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, bem como o procedimento de elaboração do Plano Geral de Atuação, dos programas de atuação e dos projetos especiais, serão disciplinados em ato do Procurador-Geral de Justiça.” (grifou-se)
Além da previsão legal supra, está em vigor o Ato 101/2007/PGJ (que revogou o Ato 066/2003/PGJ), que disciplina as atribuições do Procurador-Gral de Justiça e o procedimento para a formalização anual do Plano Geral de Atuação, considerando, para tanto, o Plano Geral de Atuação   como “um importante instrumento de democratização das decisões internas da Instituição, especialmente no que se refere à definição de prioridades, permitindo uma atuação eficaz e integrada de todos os órgãos da Instituição”. Alguns dos pontos importantes desse ato:
Art. 2º (...)
 § 1º São atribuições do Procurador-Geral de Justiça:
I - dar início ao procedimento de elaboração do Plano Geral de Atuação, sendo obedecidos os parâmetros do Plano Plurianual (PPA) e das leis orçamentárias; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
 II - coletar sugestões dos Centros de Apoio Operacional e de seus respectivos Conselhos Consultivos; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
III - elaborar o Anteprojeto do Plano Geral de Atuação; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
IV - publicar o Anteprojeto do Plano Geral de Atuação em fórum eletrônico institucional para discussões; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
V - realizar reuniões regionais para apresentação do Anteprojeto do Plano Geral de Atuação   e do fórum institucional. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
VI - elaborar o Projeto do Plano Geral de Atuação; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
VII - remeter o Projeto do Plano Geral de Atuação  ao Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais para manifestação final; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
VIII - editar ato instituindo o Plano Geral de Atuação; e (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
IX - divulgar e distribuir o Plano Geral de Atuação . (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
§ 2º Os Órgãos participantes poderão, nos prazos fixados pelo Procurador-Geral de Justiça, formular sugestões e propor emendas ao Anteprojeto, com vistas à elaboração do Projeto do Plano Geral de Atuação .
§ 3º O Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, composto na forma estabelecida em ato específico, terá como atribuição a análise do Projeto do Plano Geral de Atuação  e formalização de possíveis sugestões ou emendas, as quais serão avaliadas pelo Procurador-Geral de Justiça. 
CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO
Art. 3º Até o término do mês de maio de cada ano, o Procurador-Geral de Justiça deverá deflagrar o procedimento de elaboração do Plano Geral de Atuação.
Art. 4º O procedimento será deflagrado a partir da publicação do anteprojeto na intranet, para conhecimento e eventual manifestação dos Órgãos participantes, no prazo de 30 dias. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
Art. 5º Munido dos dados e das sugestões coletados, o Procurador-Geral de Justiça elaborará o Anteprojeto do Plano Geral de Atuação e o remeterá aos Órgãos participantes, para eventual manifestação, no prazo de 30 dias.
§ 1º Os Órgãos participantes realizarão, sempre que possível, audiências públicas, em conjunto com os demais membros do Ministério Público, visando a colher subsídios para elaboração do Plano Geral de Atuação .
§ 2º O Procurador-Geral de Justiça, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, poderá determinar a realização de pesquisas de opinião pública e consultas populares com a mesma finalidade do parágrafo anterior.
Art. 6º As propostas dos Órgãos participantes deverão ser apresentadas no prazo de 30 (trinta) dias, observando-se as normas técnicas estabelecidas pela Instituição.
Art. 7º À vista das propostas apresentadas, o Procurador-Geral de Justiça enviará, até o dia 15 de novembro de cada ano, Projeto do Plano Geral de Atuação  ao Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, para, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data do envio por meio eletrônico, proceder a análises e apresentar sugestões. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
Art. 8º Após a manifestação do Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, o Procurador-Geral de Justiça editará ato instituindo o Plano Geral de Atuação .
Parágrafo único. O ato mencionado no caput deste artigo deverá ser editado até o dia 30 de novembro de cada ano.
Art. 9º O Plano Geral de Atuação  será constituído por programas específicos para cada área de atuação do Ministério Público, além de prioridades, as quais poderão igualmente ser definidas por região, conforme peculiaridades locais, tais como: índices sócio-econômicos, geográficos, populacionais e outros determinados pelo próprio Plano.
Art. 10. Editado o ato, desde logo será dado conhecimento aos Órgãos de execução do Ministério Público, estabelecendo-se estratégias para o aprimoramento desses, visando, sempre, aos programas e às prioridades definidos no Plano.
Parágrafo único. As ações voltadas ao aprimoramento funcional serão realizadas sob a responsabilidade do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), com apoio dos Centros de Apoio Operacional, dentre as quais figurará a Semana Anual do Ministério Público, a ser instituída em ATO próprio.
CAPÍTULO III
DA GESTÃO DE RESULTADOS
Art. 11. Encerrada a vigência do Plano Geral de Atuação, os Centros de Apoio Operacional, com auxílio do CEAF, procederão à coleta, nos Órgãos de Execução, dos dados de resultados obtidos, das ações propostas e dos problemas diagnosticados, lavrando-se relatório a ser entregue ao Procurador-Geral de Justiça, para subsidiar a deflagração do Plano Geral de Atuação  para o ano subseqüente àquele em curso.
Parágrafo único. Para fins de avaliação externa dos resultados, poder-se-á proceder na forma estabelecida nos §§ 1º e 2º do artigo 5º deste Ato.” (grifou-se)
Tendo em vista a não localização do “Plano Geral de Atuação  2009” (elaborado em 2008), colaciona-se, na seqüência, a apresentação do “Plano Geral de Atuação  2008” (elaborado em 2007), texto esse que visa a somar argumentos a respeito do plano geral da atuação do ministério público:
“Plano  geral de atuação 2008 - APRESENTAÇÃO
 Ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais relevantes, tarefa que lhe foi outorgada pela Constituição Federal de 1988 e para a qual ainda se busca a estruturação e o aprimoramento necessários a lhe dar plena satisfação.
Os Direitos Fundamentais que legitimam o Estado Democrático de Direito não são estanques e compõem uma crescente demanda que nos bate à porta diariamente, exigindo da Instituição esforço adicional para o cumprimento de suas atribuições. 
Voltar as atividades à resolução dos conflitos que dificultam ou impedem a universalização e a generalização dos Direitos Fundamentais é um dos caminhos que o Ministério Público pode tomar, aproximando-se das demandas sociais e do relevante mister que lhe foi outorgado pela Constituição. 
Estruturar os Órgãos de Execução, estimular iniciativas inovadoras e buscar incessantemente a ampliação do apoio operacional e o aperfeiçoamento funcional são algumas das várias ações que a Administração Superior pode empreender no sentido dessa aproximação entre o que nos está posto no ordenamento constitucional e a realidade que nos é apresentada. 
Para que se intervenha de maneira eficaz sobre a realidade, não basta ao Ministério Público a atuação processual, quer na qualidade de titular da ação, quer no exercício da função de custos legis. Há que se fazer uso dos instrumentos que nos legitimam a solucionar, pela via do inquérito civil público e do procedimento de investigação criminal, problemas como o saneamento básico, proteção dos recursos hídricos, combate à corrupção e ao crime organizado, intervindo não apenas em relação aos efeitos gerados por esses problemas, mas também no enfrentamento de suas causas. 
Neste passo, o aprimoramento do Plano Geral de Atuação (PGA) se mostra oportuno para um melhor desempenho na missão constitucional do Ministério Público, adotando um modelo que contemplará não apenas o revigoramento dos programas de atuação, projetos especiais e políticas institucionais, mas uma metodologia que permita a leitura de resultados que possam ser utilizados na constante evolução da Instituição e também apresentados à sociedade catarinense. 
Neste ano, houve uma participação maior dos integrantes dos Órgãos de Execução, com a realização de seis encontros regionais, nos quais os programas já existentes foram avaliados, assim como a definição de um plano estratégico para melhor cumprir as metas já estabelecidas nos planos anteriores, que, embora contemplassem ações a serem desenvolvidas a médio e longo prazo, ainda não contemplavam o detalhamento das ações que deveriam ser desenvolvidas no respectivo período, para se atingir os objetivos já explicitados. O desafio maior, portanto, uma vez que o Plano Geral já contempla estratégias consolidadas no que tange ao que deve ser feito, é o como fazer para atingir as metas fixadas. 
Assim, aproveitando-se as linhas gerais dos planos anteriores e acrescendo-se a elas o plano estratégico, pretende-se dar maior efetividade a este valioso instrumento de trabalho, coletivizando as ações e potencializando os resultados. 
Numa sociedade democrática em que todos devem ser co-responsáveis, esperamos que todas as vozes do Ministério Público sejam um uníssono em torno de nossos valores de independência, ética, legalidade, efetividade, moralidade, solidariedade, harmonia, transparência, justiça e confiança.” (disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?Campo=7148&secao_id=5)


52. SANEAMENTO BÁSICO

O saneamento básico é assunto de relevância pública, em virtude de que, nos moldes do art. 129, incisos II, III e VI, da Constituição Federal (CF), incumbe ao Ministério Público atuar na busca da regularização dos problemas já existentes e também, em termos de urbanização futura, em prol da observância da aplicação da legislação pertinente.
A CF atribui à União a competência material de “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos” (art. 21, inciso XX), e, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência material de “promover programas de...saneamento básico” (art. 23, IX). Além disso, “ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico” (Art. 200, inciso IV).
Em nível nacional, está em vigor a lei 11.445/07, que estabelece as diretrizes nacionais do saneamento básico.
No Estado de Santa Catarina, vige a Lei Estadual 11.517/05, que dispõe sobre a política estadual de saneamento.
O Ministério Público de Santa Catarina vem, desde 2004, intensificando suas ações nessa área. No ano de 2008, foi publicado o “Guia de Saneamento Básico”, do qual se extrai as informações que seguem, tidas como primordiais a respeito do assunto:
“Considerações iniciais: (...) No ano de 2004, o Ministério Público, por ato do seu Procurador-Geral, instaurou o Inquérito Civil Público n. 004/04 objetivando reverter o quadro negativo do saneamento básico no Estado.
Trata-se de tarefa complexa, importando em engajamento dos órgãos competentes, considerando a importância da co-participação técnica e financeira por parte dos entes da federação, tendo em vista as naturais dificuldades que enfrentam grande parte dos Municípios catarinenses, por suas características, para implantação dos serviços, fundamentalmente em se tratando de sistemas coletivos. Note-se que, dos 293 Municípios catarinenses, 269 (91,8%) apresentam população inferior a 25.000 habitantes e 250 (85,3%) entre 1.000 e 10.000 habitantes (estimativa IBGE para 1º-7-5).
Nessa linha, para facilitar o acesso dos Municípios aos recursos federais disponíveis (ex: Programa de Aceleração do Crescimento- PAC, Fundação Nacional de Saúde-FUNASA), ou ainda, às linhas de crédito Estaduais, torna-se fundamental aos Municípios que procedam a sua prévia estruturação, em atendendo às Diretrizes da nova Política Nacional de Saneamento Básico (elaboração da política, planos e Conselho Municipal de Saneamento, além dos projetos a serem submetidos à aprovação pelos Governos Federal e Estadual).
Quanto à importância do Programa, dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelaram que 70% da mortalidade infantil até cinco anos é motivada por doenças que poderiam ser evitadas com uma adequada estrutura de saneamento (poliomielite, hepatite A, disenteria amebiana, diarréia por vírus, febre tifóide, febre paratifóide, diarréias e disenterias bacterianas como a cólera, esquistossomose, entre outras, têm relação direta com a ausência de esgoto sanitário).
Ainda, conforme estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada dólar investido em saneamento básico há uma redução de cerca de 4 a 5 dólares nos gastos com medicina curativa.
Segundo o diagnóstico da situação do saneamento básico no Estado realizado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), em cumprimento ao Termo de Cooperação Técnica n. 024/2005, firmado com o Ministério Público Estadual e outras entidades, apresentado em setembro de 2006, foi constatado que: 1)  a destinação inadequada de esgotos sanitários é a principal causadora da poluição do solo, de águas subterrâneas, de mananciais de superfície e de cursos d’água em Santa Catarina; - dos 293 Municípios existentes no Estado de Santa Catarina, apenas 22 deles (8%) são atendidos com serviços adequados de esgoto (média nacional é de 19%); 2)  estão desprovidos dessa infra-estrutura mais de 4 (quatro) milhões de catarinenses que residem na área urbana, sendo 576 (quinhentos e setenta e seis) milhões de litros de esgoto despejados diariamente nos mananciais de água superficiais e subterrâneos; 3) apenas 37 (12,63%) dos 293 Municípios catarinenses possuem alguma rede coletora de esgoto sanitário implantada e sistema de tratamento licenciado; e 4) apenas 12% (400.000) das pessoas que vivem nas cidades catarinenses são atendidas adequadamente por serviços de esgoto, enquanto a média nacional é de 44%. 
O lançamento inadequado do esgoto no meio ambiente, seja por responsabilidade pública ou privada, implica crime de poluição (art. 54, inc. VI, da Lei n. 9.605/98), podendo ser responsabilizados, por ação ou omissão, além de particulares, também os agentes públicos, a uma pena de um a cinco anos de reclusão, podendo recair sobre esses, ainda, a responsabilidade por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, inc. II, da Lei n. 8.429/92.
Nos dias 11 e 12 de julho de 2007, a Federação Catarinense dos Municípios (FECAM), principal entidade representativa dos Municípios Catarinenses, realizou, na Assembléia Legislativa do Estado, o Seminário intitulado O Município Frente ao Novo Marco Regulatório do Saneamento, resultando do Encontro a conclusão de que as principais atribuições dos Municípios, na nova Política Nacional de Saneamento Básico, regulamentada pela Lei n. 11.445/07, são a instituição da Política e do Plano Municipal de Saneamento Básico, além da definição da agência reguladora do serviço.”

“Saneamento Básico é o conjunto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais de: 1) abastecimento de água; 2) esgotamento sanitário; 3) drenagem urbana, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e 4) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Também podemos dizer que o saneamento é um todo, prestado (serviço) ou posto à disposição (estruturas e instalações) dos usuários.
O saneamento básico é regido pelos seguintes princípios: 1) Universalização do acesso ao saneamento: O serviço deverá ser efetivamente acessado e usufruído por toda sociedade, oferecendo salubridade ambiental e condições de saúde para os cidadãos; 2) Integralidade: Visa a proporcionar à população o acesso a todos os serviços de acordo com suas necessidades. Se o serviço for necessário, ainda que o usuário assim não entenda e não possa remunerá-lo, este princípio garante que ele será colocado à disposição da população de forma efetiva ou potencial. 3) Prestação dos serviços de forma adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente, à segurança da vida e do patrimônio público e privado, habilitando a cobrança de tributos: São os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais. 4) Adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais: De regra, os serviços de saneamento são executados sob a ótica do interesse local, tomando-se por referência o Município, operandose excepcionalmente de forma regional, embora a Bacia Hidrográfica deva ser considerada como unidade de planejamento, racionalizando as relações e ações dos diversos usuários e dos atores das áreas de saneamento, recursos hídricos e preservação ambiental. 5) Articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator Determinante: Reflete a necessidade de articulação entre as ações de saneamento com as diversas outras políticas públicas; 6) Eficiência e sustentabilidade econômica: A eficiência não significa apenas prestar serviços, mas sim buscar formas de gestão dos serviços de maneira a possibilitar a melhor aplicação dos recursos, expansão de rede e de pessoal; 7) Utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas: A falta de condições econômicas do usuário não é fator inibidor para a adoção de melhores tecnologias, e o princípio deixa explícita a necessidade de implantação dos serviços, ainda que de forma gradual e progressiva; 8) Transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados: O que se pretende é dar transparência às ações fundamentais e aos processos de decisão na gestão dos serviços, exigindo-se a criação de Conselhos Municipal e Estadual de Saneamento; 9) Controle social: Por meio de tal princípio, há a possibilidade de discussões pelos representantes da sociedade, preferencialmente pelos Conselhos instituídos para esse fim, em torno das opções técnicas que poderão ser adotadas pelos gestores dos serviços de saneamento, sem a violação do princípio da discricionariedade administrativa; 10) Segurança, qualidade e regularidade: Por segurança e qualidade, entenda-se a eficiência da prestação do serviço e o respeito à incolumidade dos consumidores; e, por regularidade, a prestação ininterrupta; 11) Integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos: A titularidade da água-bruta, matéria-prima, não se confunde com a titularidade da prestação de serviço saneamento-água, podendo ser exigida a outorga, contudo ambos deverão ter suas gestões e infra-estruturas manejadas de forma integrada.”

“Os serviços de saneamento básico são executados da seguinte forma: 1) Abastecimento de água potável: São atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e os respectivos instrumentos de medição; 2) Esgotamento sanitário: São atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; 3) Limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: São atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário de varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Obs.: Com relação aos resíduos sólidos, a Lei nacional limita-se a traçar diretrizes aos domiciliares, pois, em relação aos resíduos de serviços de saúde, industriais e comerciais, a responsabilidade é dos próprios geradores. 4) Drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: São atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção, para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas.” (grifou-se)

OBS: Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/comso/publicacoes/guia%20do%20saneamento%20basico_internet.pdf)

53. LEI MARIA DA PENHA

De início é importante que se registre que a violência doméstica tem ceifado a vida de muitas mulheres, com motivação abjeta, e por meios extremamente cruéis, sendo recorrentes as desconfianças e supostas traições, o alcoolismo, o uso de drogas, ou simplesmente o caráter violento do agressor e, no âmago da questão, o machismo exacerbado. 
Antes do advento da Lei 11.340/2006, a questão da violência doméstica, recebia tratamento negligente e descompromissado por parte do Estado, para dizer o mínimo.
Com efeito, os crimes de lesão corporal e ameaça, delitos mais constantes no âmbito da violência familiar e doméstica, eram conceituados como crimes de menor potencial ofensivo. Recebiam o tratamento legal previsto pela Lei n. 9.099/95, que, na grande maioria das vezes, ensejava, quando não a renúncia do direito de representação por parte da vítima – o que acarretava a extinção da punibilidade do agressor –, a imposição de transação penal ao autor do fato, sob a forma mais comum de doação de cestas básicas à entidade pública ou privada com destinação social.
Com intuito de se proteger efetivamente as mulheres e atender ao preceito insculpido no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, no qual prevê que o Estado criará mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, em 7/8/2006, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n. 11.340/2006, chamada Maria da Penha, que cria mecanismos de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 
Há quem sustente mais de uma inconstitucionalidade da lei, na tentativa de impedir sua vigência ou limitar sua eficácia. Até o fato de ela direcionar-se exclusivamente à mulher é invocado, como se tal afrontasse o princípio da igualdade, uma vez que o homem não pode ser o sujeito passivo. 
No entanto, o modelo conservador da sociedade, que coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão, é que a torna vítima da violência masculina. Ainda que os homens possam ser vítimas da violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Aliás, é exatamente para dar efetividade ao princípio da igualdade que se fazem necessárias equalizações por meio de ações afirmativas. Daí o significado da lei: assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial. 
Também não há inconstitucionalidade no fato de a lei definir competências. Ao assim agir, não transbordou seus limites.
Isso porque, a Constituição Federal, em seu art. 98, I, determinou a criação de Juizados Especiais Criminais com competência para crimes de menor potencial ofensivo, todavia não os definiu, delegando tal tarefa ao legislador infraconstitucional, que o fez através da Lei 9099/95, em seu artigo 61, cuja redação foi posteriormente alterada pela Lei 11.313, de 28/06/2006: “consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.
Por seu turno, a Lei Maria da Penha estabelece disposições especiais a par das já existentes, não tendo revogado a Lei 9099/95 (com sua modificação posterior) no tocante à definição de infração de menor potencial ofensivo, a qual prevalece para os delitos não abrangidos pela Lei Maria da Penha.
Ou seja, a Lei Maria da Penha não redefiniu a definição de infração de menor potencial ofensivo, mas antes estabeleceu tratamento diferenciado para os crimes de que trata, (e só para os crimes, diga-se de passagem) independentemente da pena prevista. 
Trata-se, portanto, de lei especial e como tal, seus mandamentos derrogam a lei geral, de acordo com o princípio da especialidade. 
Ressalta-se que a Lei 11.340/06 não cria novos tipos penais, mas traz em si dispositivos complementares de tipos pré-estabelecidos, com caráter especializante, em referência aos quais exclui benefícios despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais (art. 41), altera penas (art. 44), estabelece nova majorante (art. 44) e agravante (art. 43), além de outros avanços significativos e de vigência imediata. que buscam tornar mais eficaz o combate à violência contra a mulher.  
Destaca-se a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal (art. 14) e possibilidade de funcionamento em horário noturno, a fim de garantir acesso a todos (art. 14, parágrafo único), bem como contando com o apoio de equipe de atendimento multidisciplinar, formado por profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29), além de curadorias e serviço de assistência judiciária (art. 34). 
Foi criada nova hipótese de prisão preventiva (o art. 42 acrescentou o inciso IV ao art. 313 do CPC): “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Com isso a possibilidade da prisão preventiva não mais se restringe aos crimes punidos com reclusão. 
Um dos mecanismos mais importantes de coibição da violência foi a possibilidade da polícia judiciária, mediante registro da ocorrência, desencadear um leque de providências: proteção à vítima, encaminhamento ao hospital, fornecimento de transporte para lugar seguro e acompanhamento para retirar seus pertences do local da ocorrência (art. 11). Cabe ainda à polícia tomar por termo o pedido de providências protetivas urgentes (art. 12, § 1º) e a representação da ofendida no caso de ação penal pública condicionada (art. 12, I), além de poder solicitar a prisão preventiva do agressor (art. 20). 
O pedido de medidas urgentes será remetido em expediente apartado ao Juízo, no prazo de 48 horas (art. 12, III), fazendo-se necessária somente a ouvida da ofendida, bastando, para o esclarecimento dos fatos e sua circunstância, ser anexadas as provas que estejam disponíveis e na posse da ofendida (art. 12, § 2º).     
O Juiz da Vara Criminal, enquanto não instalados os juízos especializados, pode deferir as medidas cautelares em sede liminar, designar audiência de justificação ou indeferi-las de plano. Para garantir segurança à vítima e seus familiares é possível, de ofício, determinar o que entender de direito. 
As medidas que obrigam o agressor são: afastamento do lar, recondução da ofendida e seus dependentes, impedimento de que se aproxime da casa, fixando limite mínimo de distância, vedação de que se comunique com a família, suspensão de visitas, encaminhamento da mulher e dos filhos a abrigos seguros, fixação de alimentos provisórios ou provisionais (art. 22). Estão previstas medidas que protegem a ofendida, tais como a restituição de bens que lhe foram indevidamente subtraídos, suspensão de procuração outorgada ao agressor e proibição temporária da venda ou locação de bens comuns (art. 24). 
Por certo o tema que mais tem alimentado discussões a partir da vigência da nova lei seja sobre o delito de lesões corporais, pois, afinal, é esta a infração mais cometida no âmbito das relações que se dizem afetivas. 
A Constituição Federal determinou a criação de juizados especiais para as infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I), delegando-se à legislação infraconstitucional escolher referidos delitos. A Lei n. 9.099/95 veio dar efetividade ao comando constitucional e acabou por eleger, dentre outros delitos, a lesão corporal leve e a lesão culposa (art. 88 da Lei n. 9.099/95), limitando-se a condicionar tais crimes à representação, sem, no entanto, dar nova redação ao Código Penal. 
Porém, lei posterior e da mesma hierarquia expressamente afastou a incidência da Lei n. 9.099/95 quando a vítima é mulher e foi agredida no ambiente doméstico (art. 41 da Lei n. 11.340). A violência doméstica deixou de ser uma questão de âmbito privado subordinada ao interesse da vítima, não precisando o Ministério Público de autorização dela para proceder à denúncia. 
Portanto, está excluída do rol dos delitos de pequena e média lesividade a violência doméstica. Quando a vítima é mulher que sofreu a agressão física no ambiente doméstico, como nesta hipótese, foi afastada a égide da Lei dos Juizados Especiais, as lesões não mais podem ser consideradas de pequeno potencial ofensivo e a ação penal é pública incondicionada. O agressor responde pelo delito na forma prevista na Lei Penal, uma vez que foi restaurada a incondicionalidade para o processamento das lesões corporais.
Nesse sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1000222/DF, Sexta Turma, rela. Min. Jane Silva, j. em 23/9/2008).  
Nos crimes de ação penal pública condicionada, pode a vítima renunciar à representação (art. 16) até o oferecimento da denúncia, porém, só há dita possibilidade nos delitos que o Código Penal classifica como sendo de ação pública condicionada à representação, como os crimes contra a liberdade sexual (CP, art. 225) e o de ameaça (CP, art. 147, parágrafo único). Ressalta-se que a vítima poderá desistir da representação exclusivamente em audiência designada especialmente para tal fim, depois de ouvido o Ministério Público.
A participação do Ministério Público é indispensável. Tem legitimidade para agir como parte, intervindo nas demais ações tanto cíveis como criminais (art. 25). Também pode exercer a defesa dos interesses e direitos transindividuais (art. 37). Devem ser comunicadas ao promotor as medidas que foram aplicadas (art. 22, § 1º), podendo ele requerer outras providências (art. 19) ou a substituição por medidas diversas (art. 19, § 3º). Quando a vítima manifestar interesse em desistir da representação, deve o promotor estar presente na audiência (art. 16). Também lhe é facultado requerer o decreto da prisão preventiva do agressor (art. 20).
Incumbe aos operadores do direito implementar o cumprimento pleno da Lei Maria da Penha, visando a sua efetividade e difusão ampla por toda a sociedade de forma a consolidar uma cultura jurídica nova voltada para o reconhecimento do direito das mulheres a uma vida sem violência. 
 
54. NOVA SÚMULA VINCULANTE GARANTE ACESSO AOS AUTOS - CAROLINE
O Supremo Tribunal Federal editou a segunda súmula vinculante que privilegia direitos de acusados em processos criminais. O Plenário da corte, por oito votos a dois, decidiu editar a Súmula Vinculante 14, que deixa claro o direito dos advogados e da Defensoria Pública a terem acesso a provas documentadas levantadas em inquéritos policiais, mesmo que ainda em andamento. O enunciado aprovado é o seguinte: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo e irrestrito aos elementos de prova que, já documentado em procedimento investigatório, realizado por órgão de competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
A redação final resultou da união de pelo menos três propostas diferentes apresentadas pelos ministros, além da que foi levada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e da complementação sugerida pela Associação dos Advogados de São Paulo. A possibilidade de cópias dos processos, a diferença entre provas já documentadas e as que ainda são constituídas e o caráter não administrativo dos processos de inquérito permearam as discussões sobre o texto definitivo.
A vitória dos advogados se deu na primeira proposta de súmula vinculante feita por provocação. A possibilidade foi aberta pela Emenda Constitucional 45/04, que acrescentou o art. 103-A na CF e permitiu a autoridades do Executivo, dos tribunais e de entidades de representatividade nacional provocar o Supremo a discutir a edição de súmulas vinculantes. Com os enunciados, Judiciário, Executivo e Legislativo devem seguir o entendimento dos ministros.
O tema foi levado pela OAB à corte depois de diversos julgamentos prolatados pelos ministros concedendo o direito aos advogados de tomarem conhecimento das provas constituídas pelas autoridades policiais. Em sua sustentação oral, o advogado Alberto Zacharias Toron, secretário-geral adjunto da OAB e presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da Ordem, destacou que todos os ministros já haviam proferido decisões a respeito do tema. O ministro Marco Aurélio destacou pelo menos sete processos já julgados no STF — os Habeas Corpus 82.354, 87.827, 90.232, 88.190, 88.520, 92.331 e 91.684.
Representando o Ministério Público, o vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, argumentou que a edição da súmula nos termos da proposta da OAB impediria investigações principalmente dos crimes financeiros, também chamados de colarinho branco. Para ele, a produção de provas depende de um processo demorado e de diligências que precisam ser efetuadas sem o conhecimento prévio dos advogados dos investigados. Seu parecer foi integralmente contrário à proposta. Os ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa seguiram este entendimento.
Para o Ministro Barbosa, a súmula privilegiará os direitos dos investigados e dos advogados em detrimento do direito da sociedade de ver irregularidades devidamente investigadas. Segundo ele, “peculiaridades do caso concreto podem exigir que um inquérito corra em sigilo”. 
Essa tese foi defendida pela Procuradoria Geral da República (PGR), que também se posicionou contra a edição da súmula. Durante o julgamento, o vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que o verbete causará um “embaraço indevido do poder investigativo do Estado”, podendo até inviabilizar o prosseguimento de investigações. Ele acrescentou que o verbete se direciona, sobretudo, a crimes de colarinho branco, e pouco será utilizado por advogados de réus pobres.
Entretanto, não foi esta a tese adotada pela Suprema Corte, pois os ministros Menezes Direito — relator da proposta —, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes foram favoráveis à idéia.
Outro destaque importante é a observação do ministro Peluso, no momento do julgamento do texto, no sentido de que a súmula somente se aplicaria a provas já documentadas, não atingindo demais diligências do inquérito. “Nesses casos, o advogado não tem direito a ter acesso prévio”, observou. Ou seja, a autoridade policial está autorizada a separar partes do inquérito que estejam em andamento para proteger a investigação.
Por fim, cumpre observar que as investigações criminais ficarão muito prejudicadas quando houver acusação formal. O ato de indiciamento do acusado significa que o Delegado de Polícia reuniu elementos suficientes de autoria da infração penal investigada. Antes disso, não há ainda acusação formal e o réu figurará apenas como um dos suspeitos de autoria. Resta saber se os Tribunais irão estender a prerrogativa inserta na súmula vinculante n. 14 para os meros suspeitos. A redação da súmula não é restritiva, mas menciona “exercício do direito de defesa”, o que implica dizer que já houve acusação formal, porque só se defende aquele que é acusado de algo. Antes disso eu creio que não há a possibilidade de aplicação da referida súmula, posicionamento este que, quem sabe, poderá ser adotado pelos membros do Ministério Público e Autoridades Policiais.


55. ALIMENTOS GRAVÍDICOS: ASPECTOS DA LEI 11.804/08 - CAROLINE

Entrou em vigor no dia 06 de novembro de 2008, uma nova lei de alimentos, a Lei 11.804/08, que busca disciplinar o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido, objetivando preencher uma triste lacuna existente no Direito de Família contemporâneo.  Os alimentos gravídicos podem ser compreendidos como aqueles devidos ao nascituro e percebidos pela gestante, ao longo da gravidez. 
Tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Entende-se, pois, que o rol não é exaustivo, já que a lei confere ao juiz autonomia para considerar outras despesas pertinentes.
A Lei de Alimentos (Lei 5.478/68) consistia um óbice à concessão de alimentos ao nascituro, haja vista a exigência, nela contida, no seu artigo 2º, da comprovação do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar. Ainda que inegável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. 
A dificuldade gerada pela comprovação do vínculo de parentesco já não se encontrava engessada pela Justiça que teve a oportunidade de reconhecer, em casos ímpares, a obrigação alimentar antes do nascimento, garantindo, destarte, os direitos do nascituro e da gestante, consagrando a teoria concepcionista do Código Civil e o princípio da dignidade da pessoa humana. 
Sem dúvida, a novel legislação reconheceu, de forma expressa, o alcance dos direitos da personalidade ao nascituro.
Nesses moldes já afirmava Silvio de Salvo Venosa sobre a legitimidade para a propositura da ação investigatória: "São legitimados ativamente para essa ação o investigante, geralmente menor, e o Ministério Público. O nascituro também pode demandar a paternidade, como autoriza o art. 1.609, parágrafo único (art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente, repetindo disposição semelhante do parágrafo único do art. 357 do Código Civil de 1.916).[1]" 
Ainda especificamente a respeito dos alimentos ao nascituro, vale trazer à baila valioso ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira: "Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e estar seria comprometida se à mão necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre.[2]”
Diante de tais ensinamentos, dúvidas não restavam de que a tendência apontada pela doutrina e jurisprudência era o reconhecimento à mãe gestante da legitimidade para a propositura de ações em benefício do nascituro, circunstância que foi reconhecida pela nova legislação alimentícia por meio da Lei 11.804/08.
A nova legislação entra em contato com a realidade social, facilitando a apreciação dos requisitos para a concessão dos alimentos ao nascituro, devendo a requerente convencer o juiz da existência de indícios da paternidade e, desta forma, serão fixados os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.  
Note-se que os critérios para a fixação do valor dos alimentos gravídicos são os mesmos hoje previstos para a concessão dos alimentos estabelecidos no art. 1694 do Código Civil: a necessidade da gestante, a possibilidade do réu - suposto pai -, e a proporcionalidade como eixo de equilíbrio entre tais critérios.
Outro aspecto interessante da nova lei é o período de condenação ao pagamento dos alimentos gravídicos que se restringe à duração da gravidez, e após o nascimento com vida do feto, eles se convertem em pensão alimentícia. 
Por outro lado, convém salientar que a interrupção involuntária da gestação (aborto espontâneo), extingue de pleno direito os alimentos denominados gravídicos. 
Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão, de acordo com o parágrafo único do art. 6º, da Lei 11.804/08. 
Quanto ao foro competente certo é o do domicílio do alimentando, neste caso a gestante. O Projeto de Lei que originou a Lei de Alimentos Gravídicos previa o foro do domicílio do réu, o que se mostrava em desacordo com a sistemática processual civil em vigor, e por isso foi vetado. 
A Lei de Alimentos Gravídicos consagrou a busca incessante pela dignidade da pessoa humana, pessoa esta considerada desde a sua concepção.

Referências:
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Direito de Família. 4ª ed. São Paulo : Atlas, 2004, p. 317.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Direito de Família. vol. V. 16ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006, p. 517-519.


56. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS 
ARAÚJO, Paulo Jeyson Gomes. Disponível em http://www.lfg.com.br. 20 de novembro de 2008 (texto adaptado).
A evolução social ocorrida nas últimas décadas implicou alterações na concepção tradicional de família. A partir da verificação de que o objetivo principal do casamento não é mais procriar, mas unir duas pessoas pelo afeto, pode-se perceber o surgimento de novas formas de constituição de núcleos familiares, como o monoparental e o homoafetivo.
Apesar de a sociedade brasileira ter consagrado um novo padrão familiar, nem sempre a Justiça sabe como lidar com tantas novidades quando é chamada a intervir. Toda essa revolução de costumes foi bem absorvida, mas, quando surgem conflitos na nova família brasileira, dificuldades para juízes, promotores de justiça e advogados são praticamente certas, principalmente por falta de legislação específica para os casos que lhes são submetidos à apreciação. 
É neste momento de rompimento com a idéia tradicional de família, que se enquadra a adoção por pares homoafetivos. 
A adoção, como sabido, é o ato jurídico por meio do qual uma pessoa é permanentemente assumida como filho por outra ou por um casal que não são os pais biológicos do adotado, estabelecendo um vínculo fictício de filiação e dando origem a uma relação de parentesco civil entre adotante e adotado. A lei prevê a adoção por uma pessoa só ou por um homem e por uma mulher que sejam casados ou que vivam em união estável, não havendo, portanto, previsão expressa de adoção por casais homossexuais. 
No Brasil, não há dados oficiais relativos à quantidade de crianças e adolescentes aptos à adoção. Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica (IPE) apontou a existência de cerca de oitenta mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos mantidos pelo governo federal. Deste total, por volta de duas mil e quatrocentas crianças poderiam ser adotadas. 
Apesar de o número de pessoas interessadas em adotar ser maior que o número de crianças, a maioria nunca encontrará o conforto de um lar, pois, geralmente, os interessados preferem meninas brancas, sem doenças e de até dois anos de idade. Diante de tal constatação, a Associação de Magistrados Brasileiros lançou campanha em prol da adoção, objetivando agilizar o processo de adoção e, principalmente, proporcionar família às crianças de maiores idades. 
Nessa esteira e à luz dos princípios constitucionais, crescem os defensores da possibilidade de casais homoafetivos se candidatarem à adoção. Alegam que, no novo Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, não há vedação expressa no sentido de não permitir a adoção por conta da orientação sexual do adotante. Afirmam que, apesar da legislação existente ser omissa quanto à adoção por casais de iguais, os órgãos do Poder Judiciário não podem desconsiderar que as uniões entre homossexuais existem na realidade social e que, por vezes, desejam constituir família, objetivo que pode ser atingido por meio da adoção. 
Em contrapartida, muitos têm dificuldade em aceitar a possibilidade de homossexuais ou companheiros do mesmo sexo se candidatarem à adoção. São levantados questionamentos relativos ao sadio desenvolvimento da criança, na convicção de que a ausência de referências comportamentais de ambos os gêneros traria prejuízos de ordem psicológica e dificuldades na identificação sexual do adotado, ante a falta de modelo do gênero masculino e feminino, o que o faria "optar" pela homossexualidade. 
Outro argumento levantado contra a adoção por casais homoafetivos é a possibilidade de o adotado ser discriminado no meio social por ser filho de iguais, tornando-se alvo de repúdio ou vítima do escárnio por parte de colegas e vizinhos, o que poderia lhe ocasionar perturbações psicológicas ou dificuldades de inserção social. 
Chega-se, inclusive, a se questionar acerca do estilo de vida levado pelos homossexuais. 
A Justiça Brasileira tem evoluído no sentido de possibilitar a adoção por casais homoafetivos. Encontram-se posicionamentos que reconhecem a união homossexual como união estável, sendo possível geradora de um núcleo familiar. 
Tais decisões apóiam-se nos princípios da dignidade e da igualdade, além de determinar a competência das varas de família para o julgamento dos litígios. 
"APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes" (APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luis Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006). 
Em novembro de 2006, ocorreu o primeiro caso de adoção por casal homossexual masculino, sendo a criança registrada como filha dos dois. Anteriormente, outros três casais de lésbicas - dois no Rio Grande do Sul e um no Rio de Janeiro - também obtiveram adoção. 
Tramita no Congresso Nacional projeto para criar a Lei Nacional de Adoção. Tem o objetivo de unificar artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Civil, criando prazos para processos de adoção e tornando mais rigorosas regras a moradores no exterior interessados em crianças brasileiras. 
A proposta não menciona a adoção de crianças por casais homossexuais, entretanto, há emendas propondo a inserção desse ponto. O projeto também se choca com intenções de casais que, em geral, dão preferência a bebês, preterindo crianças de mais idade.
Diante de tais situações, sem leis específicas para resguardar decisões, acredito que, na solução do caso concreto, é preciso levar em conta o lado emocional das pessoas envolvidas nesse tipo de celeuma, além do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, principal objetivo do instituto da adoção. O bom senso e o bem estar do adotando devem ser o norte nesse tipo de questão.
57. UNIÃO HOMOAFETIVA
Antes de se pretender discutir ou debater sobre a união homoafetiva (neologismo cunhado pela Profª e Desembargadora do TJRS Maria Berenice Dias em contraposição à antiga designação união homossexual), necessário ponderar acerca do conceito de família previsto pelo texto constitucional (art. 226).
Inicialmente, a Carta Magna de 1988, que baliza todo o sistema jurídico, consagrou o respeito à dignidade humana como um dos fundamentos da República Federativa (Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;). Princípio esse que se reverberou por todo o texto constitucional, servindo de referência para adoção de outros valores, tais como a igualdade, a liberdade (inclusive a liberdade sexual e à livre orientação sexual) e a intimidade, vedando a discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Dentro dessa visão antropocêntrica, o constituinte de 1988 percebeu a necessidade de se reconhecer a existência de relações afetivas diversas do casamento, até então reconhecido como única instituição a gozar de proteção legal. Assim, a Constituição de 1988 estendeu seu manto protetivo expressamente sobre às entidades familiares formadas por um dos pais e sua prole (família monoparental) e à união estável formada por homem e mulher, nos seguintes termos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Contudo, esse elenco não esgota as formas de convívio merecedoras de tutela. Isso porque o artigo 226 da Carta Política, compreendido sistematicamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, revela-se uma verdadeira cláusula geral de inclusão, conferindo especial proteção do Estado a toda e qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade (Lôbo, Paulo Diniz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. p. 95).
Deste modo, ainda que a lei não tenha regulamentado esse tipo de entidade familiar e os efeitos patrimoniais dela decorrentes (cerne da problemática que envolve a homoafetividade), o dispositivo constitucional, norma de eficácia plena e imediata, é suficiente para garantir aos conviventes especial proteção do Estado.
Convém destacar que tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 2.285/07, de autoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), que cria o Estatuto das Famílias, o qual reconhece e regulamenta a união estável homoafetiva. Contudo, o repúdio social a segmentos marginalizados acaba intimidando o legislador, o qual evita a chancelar diplomas voltados às minoriais, a exemplo disso a PEC 139/1995, que pretende inserir entre os objetivos fundamentais do Estado ao de promover o bem de todos sem preconceito de orientação sexual e o projeto de parceria civil (PL 1.151/1995), os quais vagam pelo Congresso Nacional por mais de uma década.
Assim, face à omissão legal, os Tribunais, instados a se manifestar diante da inegável realidade social, inicialmente reconheceram a união homoafetiva como mera sociedade de fato, de índole tipicamente civil e obrigacional (art. 981 do CC), negando, portanto, a relação afetiva nutrida pelos conviventes, característica de uma família. Baseada em tal entendimento, a demanda deveria tramitar perante uma vara cível e, ao final, ao(à) parceiro(a) apenas era deferido(a) a metade (ou às vezes apenas uma indenização por prestação de serviços) do patrimônio adquirido durante a vida em comum e, ainda, mediante prova de sua efetiva colaboração na sua constituição. Deste modo, afastados quaisquer direitos sucessórios e à percepção de alimentos.
Tendo em vista as desastrosas conseqüências desse tipo de interpretação, a jurisprudência avançou seu entendimento, tendo fixado a competência para julgamento destas demandas em varas especializadas da família, bem como garantindo o direito de herança ao parceiro sobrevivente, como se infere dos seguintes excertos:
“Relações homossexuais – Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvam relações de afeto, mostra-se competente para julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais.” (TJRS, 8ª C.Cív., AI 599.075.496, rel. Des. Breno Moreira MUssi, j. 17.06.1999).
herança
O Tribunal Superior Eleitoral, ao proclamar a inelegibilidade de determinada candidata, reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, in verbis:
“Registro de candidato – Candidata ao cargo de prefeito – Relação estável homossexual com a Prefeita reeleita do município – Inelegibilidade (CF 14 §7°). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra da inelegibilidade prevista no art. 14 §7°, da CF. Recurso a que se dá provimento.” (TSE – REsp Eleitoral 24564/Viseu-PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.10/2004).
Influenciada pela jurisprudência que começou a se firmar, no âmbito da previdência social, o INSS expediu a instrução normativa n° 25/2000, reconhecendo o direito do convivente homoafetivo à percepção dos benefícios de pensão por morte e auxílio reclusão. Do mesmo modo, a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) baixou circular n° 257/2006, regulamentando o direito do companheiro ou companheira homossexual ao recebimento de indenização em caso de morte do outro, na condição de dependente preferencial da mesma classe que dos companheiros heterossexuais.
Após tantos avanços, o legislador finalmente alçou, ainda de forma tímida e indireta, as uniões homoafetivas ao conceito de família por meio da edição da Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), ao dispor que é assegurada proteção legal à mulher por fatos que configuram violência doméstica e familiar no ambiente da família, independente da orientação sexual da relação pessoal mantida entre seus membros (art. 5°, parágrafo único).
Destarte, deu-se o primeiro e significativo passo legislativo no reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares. Porém, pondera a Prof.ª Maria Berenice Dias que deverá permanecer o enfrentamento a toda uma cultura conservadora e ainda apegada ao conceito sacralizado de família, “assim, no momento em que a justiça consolidar o entendimento de ver as ditas relações como vínculos afetivos, certamente muito contribuirá para amenizar a aversão à homossexualidade. Essa talvez seja a função – verdadeira missão – dos juízes: buscar de forma corajosa um resultado justo. Com isso, a jurisprudência acaba estabelecendo pautas de conduta de caráter geral. Mesmo apreciando o caso concreto, funciona o juiz como agente transformador da própria sociedade. Não é ignorando certos fatos, deixando determinadas situações a descoberto do manto da juridicidade que se faz justiça. Condenar à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças e fomentar a discriminação. O Estado não pode se omitir e deixar de cumprir sua obrigação de conduzir o cidadão à felicidade.” (Manual de direito das famílias. p. 190). 

58. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
Quando do nascimento, ocorre a inserção do indivíduo em uma estrutura que recebe o nome de família, estrutura essa imprescindível ao crescimento e pleno desenvolvimento do ser humano, face à absoluta impossibilidade de sua sobrevivência de modo autônomo.
Deste modo, por se revelar ponto de identificação pessoal e social, o conceito de família e, por conseqüência, da parentalidade, sofreu, ao longo do tempo, severas mudanças. 
Num primeiro momento, a família constituída pelo casamento era a única a merecer o reconhecimento e a proteção estatal, razão pela qual recebeu o nome de família legítima. Por isso, a lei ao tratar da filiação se referiu unicamente aos filhos havidos no casamento, desprezando o legislador a verdade biológica para criação de uma paternidade jurídica. Acerca da questão, elucida a Profª. Maria Berenice Dias:
“Tal tendência decorre da visão sacralizada da família e da necessidade de sua preservação a qualquer preço, nem que para isso tenha de atribuir filhos a alguém, não por ser pai ou mãe, mas simplesmente para a mantença da estrutura familiar. [...] A ciência jurídica conforma-se com a paternidade calcada na moral familiar. Para a biologia, pai é unicamente quem, em uma relação sexual, fecunda uma mulher, que levando a gestação a termo, dá à luz um filho. Para o Direito o conceito sempre foi diverso. Pai é o marido da mãe. Até o advento da Constituição, que proibiu designações discriminatórias relativas à filiação (CF 227 § 6°), filho era exclusivamente o ser nascido 180 dias após o casamento de um homem e uma mulher, ou 300 dias depois do fim do relacionamento” (Manual do direito das famílias. p. 317).
Já em uma segunda etapa, diante da instabilidade das relações pessoais, do reconhecimento constitucional da união estável e do desenvolvimento de técnicas de reprodução assistida, a ciência jurídica passou a também tutelar a paternidade biológica, atentando-se o legislador à chamada verdade real, a qual inicialmente era apurada mediante simples exame de tipagem sanguínea para, após, ser diagnosticada definitivamente por meio de marcadores genéticos (exame de DNA).
Tais avanços científicos aliados ao tratamento igualitário conferido aos filhos, independentemente de serem frutos ou não do casamento, desencadearam uma verdadeira corrida ao Poder Judiciário de pessoas em busca de esclarecimento quanto a sua ascendência biológica (direito da identidade).
Contudo, o episódio gerou conseqüências paradoxais, como aponta o Prof°. Paulo Luiz Netto Lôbo, pois “uma coisa é vindicar a origem genética, outra a paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem biológica” (Direito ao estado de filiação e direito à origem genética. p. 153). Por tais razões, atualmente se mostra comum filhos biológicos pleitearem judicialmente reparação por danos morais, fundados na ausência de laços de afetividade em suas relações com os respectivos genitores, cujo vínculo se lastreia no pagamento mensal da verba alimentar   (tese do abandono afetivo, acatada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e, posteriormente, afastada por entendimento majoritário do STJ).
Nesse aspecto, a doutrina vem concebendo a filiação como “um conceito relacional: é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e deveres” (Idem, 135). Em outras palavras, “a paternidade se faz, o vínculo da paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar construir. Essa realidade corresponde ao que se costuma chamar de posse do estado de filho (ou paternidade socioafetiva ou filiação social ou filiação psicológica). A noção de posse do estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação” (FACHIN, Luiz Edson. A tríplice paternidade dos filhos imaginários. p. 172).
Destarte, a consolidação do conceito de família pelo texto constitucional de 1988 como um grupo de afetividade e companheirismo, imprimiu considerável reforço ao esvaziamento biológico do vínculo parental, de modo que toda paternidade é necessariamente socioafetiva , podendo ter origem genética ou não-genética . Para a Profª. Maria Berenice Dias, “a paternidade socioafetiva é gênero, do qual são espécies a paternidade biológica e não-biológica.” (Manual do direito das famílias. p. 320). 
Isso posto, compreende-se paternidade socioafetiva como o vínculo paterno-filial, independentemente de origem biológica, construído ao longo do tempo e pautado em laços de afeto e outros sentimentos igualmente nobres (zelo, amor, confiança e dedicação). Para sua caracterização, a doutrina exige a presença de três elementos: (i) nominatio: a utilização do nome da família, o que faz supor a existência do laço de filiação; (ii) tractatus: o tratamento dispensado ao filho, que é criado, educado e apresentado como tal; (iii) reputatio: a imagem social, ou seja, fatos exteriores que revelam uma relação de paternidade com notoriedade, como bem resume Jorge Bernardo Ramos Boeira:
“Entendemos que posse de estado de filho é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai”. (Investigação de Paternidade: posse de estado de filho: paternidade socioafetiva. p. 60.).
A legislação brasileira ainda não contempla, de forma expressa, o estado de posse de filho como situação que permita o reconhecimento de filiação. Entretanto, por meio de uma interpretação sistemática e extensiva, é possível incluir a paternidade socioafetiva na expressão “outra origem” dispensada pelo art. 1.593 do CC: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
Todavia, apesar da lacuna legal, a jurisprudência vem reconhecendo em reiteradas decisões a existência da paternidade socioafetiva nas hipóteses de adoção à brasileira, como se vislumbra dos seguintes julgados:
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - ‘ADOÇÃO À BRASILEIRA’ - CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA - TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PROCEDÊNCIA - DECISÃO REFORMADA - 1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira’ (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a situação que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘adoção à brasileira’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado. (TJPR. Apelação Cível 108.417-9 - 2ª C. Civ. - Rel. Des. Accácio Cambi - J. 12.12.2001.)
APELAÇÃO. ADOÇÃO. Estando a criança no convívio do casal adotante há mais de 4 anos, já tendo com eles desenvolvido vínculos afetivos e sociais, é inconcebível retira-la da guarda daqueles que reconhece como pais, mormente, quando a mãe biológica demonstrou interesse em dá-la em adoção, depois se arrependendo. Evidenciado que o vínculo afetivo da menor, a esta altura da vida encontra-se bem definido na pessoa dos apelados, deve-se prestigiar, como reiteradamente temos decidido neste colegiado, a PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, sobre a paternidade biológica, sempre que, no conflito entre ambas, assim apontar o superior interesse da criança. Negaram Provimento. (Apelação Cível nº 000190039. Sétima Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 02/05/2001.)
Da mesma forma, possível também, desde que formado o vínculo paterno-filial, a percepção de alimentos pelo infante, quando rompida a convivência (ex. separação dos pais), pois uma vez estabelecido o vínculo de parentalidade este não pode mais ser desconstituído.
Tormentosa questão no que pertine à possibilidade de percepção de pensão alimentícia quando presentes diversos vínculos de afetividade, tais como pai biológico e companheiro materno. Nessa hipótese, a doutrina se divide. Parte acredita que, por força da primazia dos interesses do infante, o filho poderá pleitear de qualquer um deles a pensão alimentícia, mormente quando um ostente melhores condições financeiras que o outro. Outra corrente, no entanto, aduz que, diante da manutenção dos laços de afetividade pelo genitor, este deverá suportar o encargo, pois também pai na acepção afetiva do termo.


59. SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVATIZAÇÃO – ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OS) E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP)


A noção de privatização logo de início traz à tona a idéia de alienação de bens públicos utilizados pelo Estado na exploração da atividade econômica, notadamente de empresas públicas. Pode-se arrolar exemplos notáveis, tais como ocorreu com empresas dos ramos de siderurgia, mineração, aviação e telefonia, dentre outros.
Justificou-se a transferência das atividades supracitadas à iniciativa privada pela necessidade de redução do Estado, mormente diante da orientação constitucional no sentido de que a exploração da atividade econômica de sua parte só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173, caput). Suas atenções deveriam voltar-se exclusivamente à prestação de serviços públicos, cuja qualidade dependeria da redução do leque de atuação do Estado.
Dado esse primeiro passo, tem-se observado, na seqüência, um avanço nesse processo e que, agora, vem resultando na transferência de misteres públicos à iniciativa privada. Serviços públicos por excelência, tais como prestações na área de saúde e educação, v.g., conquanto não serem de execução exclusiva do Estado (CF, arts. 199, 209), não mais vêm sendo explorados apenas por empresas privadas no âmbito do mercado, mas também por novas figuras jurídicas com criação viabilizada pela chamada “reforma administrativa”. Nesse novo contexto, ganha destaque a atuação das Organizações Sociais – OS e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP.  
A figura da OS foi criada pela Lei 9.637/1998, que dispõe, também, sobre o Programa Nacional de Publicização. Nos termos de seu art. 1o, são organizações sociais as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos assim qualificadas pelo Poder Executivo, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos na Lei. Note-se que as áreas de atuação dessas entidades coincide com muitas das atribuições do Poder Público, que passou a contar, agora, com novos parceiros na iniciativa privada. 
O Poder Público e as OS celebram “contrato de gestão” (elaborado de comum acordo – art. 6o) visando ao fomento e à execução das atividades relativas às áreas supracitadas (art. 5o). A cargo do primeiro fica o fornecimento de condições necessárias à execução da avença, tais como o repasse de recursos orçamentários e bens públicos (art. 12), inclusive de pessoal (art. 14); compete às segundas, por sua vez, cumprir rigorosamente as metas e os prazos (submetidas a fiscalização do Poder Público – arts. 7o e 8o), sob pena de desqualificação como OS (art. 16).
As OS são integrantes do contexto do chamado Plano Nacional de Publicização – PNP, que tem por objetivo expresso estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como OS a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da União que atuem nas atividades citadas alhures (art. 20).
No entanto, o novo sistema vem sendo alvo de críticas. 
Alegam-se flagrantes inconstitucionalidades em diversos pontos do relacionamento do ente público com o privado. É o que ocorre com a ausência de licitação na escolha das próprias OS que celebrariam o contrato de gestão; com a permissão de uso de bens públicos também prescindindo de concorrência, além da cessão de recursos humanos à expensas do erário. 
No que se refere às OSCIP o quadro se apresenta de maneira um pouco diversa. 
Previstas na Lei 9.790/1999, a primeira diferença encontra-se nos objetivos sociais das pessoas jurídicas postulantes da condição de OSCIP, cujo rol apresenta-se de maneira mais abrangente, a saber (art. 3o): I - promoção da assistência social; II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII - promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;    IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. No entanto, a exemplo do que ocorre no caso das OS, tais entidades não devem ter fins lucrativos.
Existe, ainda, vedação expressa a algumas espécies de pessoas jurídicas no que tange ao reconhecimento da qualidade de OSCIP, dispostas em seu art. 2o, tais como sociedades comerciais, sindicatos, instituições religiosas e organizações partidárias.
Diferem também na composição do quadro diretivo na medida em que o Poder Público tem participação no das OS (art. 3o), o que não ocorre no caso das OSCIP.
As OSCIP firmam “termo de parceria” com o poder público, instrumento que, a exemplo do contrato de gestão celebrado com as OS, estipulam metas e prazos para a consecução dos objetivos, e são submetidos a fiscalização do Poder Público. Esse, por sua vez, deparando-se com irregularidades na execução do contrato, deve levá-las ao conhecimento do Tribunal de Contas e do Ministério Público para a tomada das providências cabíveis (art. 12).
A perda da qualidade de OSCIP dá-se mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, assegurados o contraditório e a ampla defesa (art. 7 o).
Diante dessa sucinta análise, observa-se um verdadeiro processo de terceirização de atribuições estatais. 
Se, por um lado, cria-se condições para que a sociedade civil assuma compromissos na execução de projetos de interesse de todos (contrapondo-se à velha noção de que tudo cabe ao Estado), por outro não se pode ignorar os reflexos ou inconvenientes jurídicos de tamanha ousadia, muito menos a ocorrência de abusos e desvios inerentes à relação de promiscuidade entre o público e o privado. Talvez um aperfeiçoamento legislativo na matéria, principalmente em termos de rigores de fiscalização, poderia contribuir definitivamente para a viabilidade da experiência.  
60. SÚMULA VICULANTE

Com o objetivo de restringir o acesso do jurisdicionado às instâncias superiores, cujo volume de trabalho já ultrapassava, em muito, a própria capacidade laboral das Cortes, em especial, do Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional n° 45/04, que implementou a chamada “reforma do Poder Judiciário”, criou a possibilidade de edição de súmulas vinculantes.
Inicialmente, importante ponderar que a idéia de um enunciado de efeitos normativos não é recente, tendo sua primeira proposta sido formulada em 1946, sendo seguida por outras inúmeras tentativas de inclusão deste instrumento vinculativo, as quais quedaram infrutíferas.
Contudo, diante de um panorama de inequívoca insegurança jurídica, face à prolação de decisões divergentes pelos diversos órgãos jurisdicionais da federação, bem como de um quadro de ineficiência do Poder Judiciário na prestação célere e adequada da atividade jurisdicional, o constituinte derivado entendeu por bem conferir efeito vinculante a determinadas decisões emanadas pela Corte Suprema pátria e assim o fez nos seguintes termos:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 
Por sua vez, o legislador infraconstitucional, a fim de dar imediata aplicabilidade à norma, regulamentou a matéria por meio da Lei n° 11.417/06, trazendo alguns acréscimos ao texto constitucional: (i) a ampliação do rol de legitimados para propor a edição, revisão e cancelamento de enunciados; (ii) a possibilidade de intervenção de terceiros (amicus curae) por decisão irrecorrível, (iii) a faculdade de modulação dos efeitos da súmula, condicionada à decisão de 2/3 dos membros; (iv) a imposição do esgotamento da via administrativa como condição prévia ao manejo de reclamação (cuja constitucionalidade é discutível, diante do princípio da inafastabilidade e da expressa dicção do art. 103-A, §3°, da CF/88).
No tocante ao procedimento de edição, revisão e cancelamento das súmulas, o texto constitucional é expresso ao determinar que apenas o Supremo Tribunal Federal possui tal competência, podendo agir por iniciativa própria (ex officio) ou mediante provocação de outros entes: legitimados para propositura de ADI (I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional), além do Defensor Público-Geral da União e dos Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Militares (art. 3°, incisos VI e XI, da Lei 11.417/06).
Elaborada a proposta de enunciado, o relator irá submetê-la, após a oitiva de terceiros, se conveniente (amicus curae), à apreciação e votação em sessão plenária, na qual serão obrigatoriamente observados os seguintes pressupostos de ordem cumulativa: a) existência de decisões reiteradas sobre a matéria em apreço prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, questões de índole eminentemente constitucional já submetidas por vezes ao crivo da Corte; b) a aprovação por maioria qualificada (2/3 dos membros, equivalente a 8 ministros).
O primeiro requisito guarda estrita relação com os objetivos da súmula, que visa a reduzir a multiplicação de processos sobre questão idêntica no âmbito do Pretório Excelso. 
Nesse aspecto, muitos doutrinadores apontam como salutar a inserção deste novo mecanismo de aferição de constitucionalidade, implicando uma verdadeira mudança no perfil do Supremo Tribunal Federal, porquanto suplanta definitivamente a feição, que por muitos juristas lhe foi atribuída, de última instância recursal, bem como reconduz a Corte ao seu legítimo papel de guardiã do texto constitucional, dedicando-se “somente às matérias de interesse geral, que transcendam o mero interesse individual das partes, e cuja decisão, por ser de interesse da sociedade, sirva de direcionamento a todos os órgãos judiciais e administrativos” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 542).
Contudo, apesar do intento, grandes debates (inclusive no MP/SC) estão sendo fomentados diante da edição dos últimos verbetes vinculantes pelo STF (a exemplo da súmula de n° 14, que permite ao advogado livre acesso a quaisquer procedimentos judiciais ou administrativos, ainda que definidos como sigilosos, se necessários à promoção da defesa de seu cliente). Isso porque parte da doutrina sustenta que tal enunciado não fora objeto de prévia análise pela Corte em casos análogos, havendo, portanto, flagrante ofensa ao pressuposto de edição do enunciado mencionado e, por conseguinte, ao seu objetivo, faz saber: dirimir controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarrete grave insegurança jurídica.
A despeito das críticas, vale lembrar que a súmula apenas terá caráter vinculante e eficácia imediata (se outro efeito não lhe for conferido por maioria qualificada dos ministros – 2/3 – a teor do art. 4° da Lei 11.417/06), a partir de sua publicação em órgão de imprensa oficial, uma vez que, por ato normativo que é, necessita de ampla publicidade a fim de que seus destinatários (órgãos judiciários e Administração Pública) observem fielmente seu conteúdo.
Face ao efeito vinculativo da súmula, a autoridade judicial ou administrativa não poderá se escusar de aplicá-la ao caso concreto. Caso o faça, é assegurado a qualquer dos legitimados o manejo de reclamação ao próprio Supremo Tribunal Federal, o qual, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (art. 103-A, § 3°, da CF/88).
Convém notar, no entanto, que a súmula vinculante não tem o condão de eliminar o poder de livre convicção e independência do magistrado, de forma que, constatando não ter o fato semelhança com o objeto do enunciado, poderá afastá-la motivadamente, inexistindo, por isso, usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal e violação à garantia da autoridade de suas decisões.
No que pertine aos verbetes anteriores à edição da EC 45/04, esses permanecem como meras orientações sintetizadoras do entendimento do tribunal sobre determinada questão dirigidas aos demais órgãos públicos e, assim, despidas de observância obrigatória, pelo menos até que sejam confirmadas pelo quórum qualificado (2/3) de seus integrantes e publicadas na imprensa oficial (art. 8° da EC 45/04).
Destarte, ultrapassada sua finalidade inaugural de política de contenção à jurisdição do STF, escopo imediato da reforma, bem assim a limitação do livre convencimento do magistrado, a positivação deste sistema de vinculação das súmulas veio a primar, sobretudo, pela segurança jurídica e efetividade processual, uma vez que “dessa forma, a Suprema Corte será reconduzida à sua verdadeira função, que é a de zelar pelo direito objetivo – sua eficácia, sua inteireza e uniformidade de sua interpretação – na medida em que os temas trazidos à discussão tenham relevância para a Nação” (MEDIDA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante. Reforma da Judiciário. p. 374.).
61. A PROVA ILEGAL NO PROCESSO PENAL.
Autor: Rodolpho Figueiredo Saraiva.  
Disponível em http://www.lfg.com.br. 14 de novembro de 2008 (texto adaptado).
Vigora no processo penal a regra da liberdade dos meios de prova (artigo 155 de parágrafo único do Código de Processo Penal), com algumas exceções legalmente previstas, dentre as quais destaca-se a proibição das provas obtidas por meios ilegais (art. 5º LVI da CF). 
A vedação abrange tanto as provas ilícitas, ou seja, obtidas com violação de regra de direito material; como as provas ilegítimas, obtidas com violação de regra de direito processual. 
Todas as provas que derivem das ilícitas padecem do mesmo vício, conforme prevê a primeira parte do parágrafo primeiro do artigo 157 do CPP, que adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada, oriunda do direito norte-americano. 
Contudo, não será considerada ilegal por derivação a que for obtida por fonte independente ou cuja descoberta era inevitável. 
Por fonte independente entende-se aquela prova que foi obtida autonomamente, não havendo qualquer nexo entre ela e a prova ilegal. 
Por descoberta inevitável, entende-se a situação em que se demonstra, por probabilidade, que os elementos colhidos a partir da prova ilegal poderiam perfeitamente serem obtidos a partir de outro meio. Ou seja, seriam obtidos ainda que não houvesse a prova ilegal. 
Nessas duas hipóteses, como se vê, a relação de causalidade não existe, de modo que não há que se falar em contaminação.
A "EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO": A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILEGAIS NO PROCESSO PENAL 
A vedação às provas ilegais no processo penal não é absoluta, havendo mitigações apontadas pela doutrina e jurisprudência mais recentes, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade. 
Pela teoria dos direitos fundamentais, sabe-se que não há direito absoluto, e sempre que houver colisão entre direitos, é necessária a ponderação de bens e valores, conferindo-se maior peso àqueles que possuírem maior importância, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. 
Logo, a vedação do artigo 5º LVI da CF pode ser afastada quando houver outro bem de maior importância em jogo, tal qual o estado de inocência do acusado, e sua ampla defesa. 
Já é pacífica a possibilidade de réu valer-se de gravação ou correspondência, obtidas ilicitamente, com o fim de provar sua inocência. Nesse caso, a proporcionalidade incide por determinação específica do legislador, que previu causas excludentes de ilicitude, no artigo 23 do Código Penal, tais como o estado de necessidade e a legítima defesa. 
Contra o réu, a questão tem sido mais polêmica. 
Há uma parcela da doutrina que admite a utilização de prova ilícita contra o réu, ou seja, pro societate, em casos de grandes reflexos, tais como crimes que representem extremo risco ao corpo social, mormente crime organizado. Nesse caso o interesse público preponderaria. Esse entendimento, contudo, não tem prevalecido, diante dos primados do Estado democrático de direito. 
O que se admite é exclusão de ilicitude, quando a vítima de um crime, defendendo-se de uma injusta agressão, obtém gravações ou documentos que incriminem o autor do delito (seqüestro ou extorsão por exemplo). Nesse caso, pode-se dizer que os direitos e garantias individuais não podem servir de escudo para prática de atos ilícitos, de modo que o criminoso não poderia se socorrer da proteção dos sigilos constitucionais. Assim, a prova de acusação seria admitida, por se tratar de reação justificada. 
Situação excepcional julgada pelo Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 2040/DF, foi a admissão de exame de DNA realizado com placenta da gestante (uma artista mexicana), sem sua autorização, para instruir processo criminal de estupro, crime do qual tinha sido vítima. Considerou legal a prova, eis que não houve qualquer lesão à integridade física da vítima ou de algum dos acusados. 
Do mesmo modo, conforme descreve Eugenio Pacelli, em seu curso de Processo Penal (Editora Lumen Iuris, edição 2007), quem está em flagrante de delito não pode invocar proteção constitucionais para não ser incriminado com filmagens ou gravações ambientais. 
O ENCONTRO FORTUITO E ILEGALIDADE 
Convém ainda ressalvar que são legais as provas encontradas no cumprimento normal de uma diligência (busca e apreensão ou interceptação telefônica, por exemplo), desde que não tenha havido qualquer desvio de finalidade. 
Essas podem perfeitamente ser utilizadas no processo e, no caso da interceptação telefônica, se tiverem conexão com objeto da investigação. Caso não tenham, servirão como notícia para instauração de outro procedimento investigativo. 
Portanto, as provas decorrentes da extrapolação dos poderes conferidos pelo mandado judicial são ilegais. 
CONSEQÜÊNCIAS DA PROVA ILEGAL NO PROCESSO PENAL 
Se a prova ilícita foi obtida no inquérito, deve ser arquivado pelo promotor, caso não hajam outras provas que sirvam de justa causa ao oferecimento da denúncia. 
Durante o processo, cabe ao juiz indeferir pedido de produção de prova ilegal, ou determinar desentranhamento do processo, caso já conste dos autos, conforme dispõe o caput do artigo 157 do CPP. 
Após julgamento, resta a via recursal para anulá-lo, caso a prova ilegal tenha sido determinante à fundamentação do órgão jurisdicional. Em se tratando de tribunal do Júri, em que vigora a íntima convicção, não se poderá medir a influência da prova ilegal na decisão dos jurados, razão pela qual, em qual caso o julgamento deverá ser anulado. 
CONCLUSÃO 
Diante do exposto, podemos apresentar as seguintes conclusões: 
1) Em regra são admitidos todos meios de prova em Processo Penal, ressalvadas exceções legais, tais como a prova ilegal. 
2) A prova ilegal é gênero que compreende a prova ilícita e a prova ilegítima. 
3) A prova derivada da ilegal é inadmitida porque sofre contaminação. Contudo, as provas que não tenham nexo com a ilícita, seja porque provavelmente seriam obtidas por outros meios lícitos, seja por decorrerem de fonte independente, são válidas. 
4) A prova ilícita pode ser admitida no processo penal por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, quando, no caso concreto, existirem direitos e valores em jogo mais relevantes que justifiquem, tais como o estado de inocência do acusado, a ampla defesa, e o direito de a vítima se defender de injusta agressão. 
5) É ilegal toda prova produzida a partir de violação de direito fundamental, sem que haja justificativa razoável. 
6) É ilegal a prova produzida em razão de desvio dos poderes conferidos por mandado judicial, na realização de diligências. 
7) A prova ilegal deve ser desentranhada do processo, e caso tenha sido determinante para o julgamento, implicará na nulidade da decisão. 

62. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL. 
Uma análise sobre o conflito entre a segurança jurídica e a justiça das decisões
Carla Blanco Rendeiro Martins.
Disponível em http://www.lfg.com.br. 20 de novembro de 2008 (texto adaptado).
A denominada relativização da coisa julgada material é um tema bastante polêmico, que voltou ao centro das discussões com o advento da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, responsável por várias alterações no Código de Processo Civil Brasileiro, entre elas a previsão contida no § 1º do art. 475-L.
O citado dispositivo preceitua, em síntese, que será inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo inconstitucionais, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas como incompatíveis com a Constituição Federal.
Outros casos que geraram recentes discussões sobre a necessidade de se repensar o instituto estão relacionados à investigação de paternidade julgada improcedente em época que não havia exame de DNA, assim como a desapropriação de imóvel com avaliação supervalorizada.
A partir de então, os estudiosos do Direito voltaram a debater o tema da relativização ou, como alguns preferem, desconsideração da coisa julgada material, surgindo decisões judiciais nesse sentido. Contudo, até o momento, não há posição pacificada sobre o assunto.
COISA JULGADA
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, determina que a lei não prejudicará a coisa julgada. 
O artigo 467 do Código de Processo Civil Brasileiro define a coisa julgada material como "a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".
Diz-se que após reconhecida a coisa julgada material a decisão judicial (sua parte dispositiva, como ordena o CPC) torna-se firme, imutável e irrecorrível, assentada no ordenamento jurídico.
Embora exista um mito em torno da imutabilidade garantida às decisões judiciais, quando atingidas pela coisa julgada material (alguns falam até em santificação do instituto), a lei brasileira, por exemplo, prevê as hipóteses de desconstituir a decisão definitivamente julgada, por meio da ação rescisória, a qual possui um prazo peremptório de 2 anos, a contar do trânsito em julgado.
SEGURANÇA JURÍDICA X JUSTIÇA DAS DECISÕES
As reformas recentes ocorridas no direito processual brasileiro foram realizadas no sentido de interpretá-lo – e aplicá-lo, logicamente – à luz de comandos constitucionais.
Nesse contexto, diversos doutrinadores do direito vêm levantando a tese da relativização da coisa julgada material, ou seja, da possibilidade de desconstituir decisão já transitada em julgado, depois de extrapolado o prazo para ajuizamento da ação rescisória, ou de ampliação das hipóteses de cabimento desta ação, em nome de valores mais importantes que a segurança jurídica.
Os seguidores de tal corrente buscam fundamento em princípios como o da supremacia da Constituição, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da justiça das decisões.
A maioria dos doutrinadores, entretanto, justifica a possibilidade de relativizar a coisa julgada na busca da efetivação da justiça.
Assim, o debate em torno do tema envolve, primordialmente, o confronto entre dois princípios: o da segurança jurídica e o da decisão justa.
A imutabilidade conferida às sentenças pela coisa julgada surgiu como um mecanismo, criado pelo sistema jurídico, para finalizar as demandas levadas à apreciação do Estado-Juiz. 
A segurança jurídica está também relacionada com o princípio do devido processo legal. Fala-se, ainda, na proteção da confiança, como subprincípio ou dimensão específica da segurança jurídica. 
Entre o justo absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria dos sistemas democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que é consubstanciado na segurança jurídica da coisa julgada material
Assim, nesse entendimento, a decisão será justa, uma justiça "possível" (tendo em vista as limitações do ser humano) em uma relação jurídica.
O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO
A análise do conteúdo doutrinário sobre o tema, evidencia diferentes posições, favoráveis e contrárias, à relativização da coisa julgada material.
Verifica-se que as discussões travadas entre os estudiosos da matéria resumem-se à tentativa de estabelecer se o instituto, criado pelo Estado com a função de garantir segurança jurídica e social, é legítimo quando torna imodificável uma decisão considerada injusta (pois em desacordo com a realidade fática ou com a ordem constitucional).
Tereza Arruda Alvim Wambier (2003) afirma que a razão de ser da proteção constitucional da coisa julgada é a segurança jurídica, mas entende que em determinadas situações esse princípio deveria ser relativizado, em nome de outros, mais relevantes para aquele momento, como a efetividade e a justiça da decisão.
A autora fala em desmistificação da coisa julgada material e defende ser possível a desconsideração de uma decisão transitada em julgado quando fundamentada em lei ou ato normativo que posteriormente venham a ser declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Para Cândido Rangel Dinamarco (2001) também é possível se falar em desconsideração da coisa julgada material, com o objetivo de proteção de outros princípios tais quais o da legalidade, da moralidade e da justiça.
Nelson Nery Junior (2004) não aceita a teoria da relativização da coisa julgada material, por entender ser incompatível com um Estado Democrático de Direito e explica que tal tese serve como uma luva para ser aplicada por regimes totalitários, como ocorreu na Alemanha, durante a ditadura de Adolf Hitler. 
Alerta que são falhas as alegações apresentadas pela teoria favorável à relativização, quais sejam: a) a sentença deve ser justa, pois se injusta não produz coisa julgada; b) a sentença deve ser proferida segundo o resultado da prova, desse modo, caso os avanços científicos e tecnológicos possibilitem a produção de nova prova, há que se desconsiderar a coisa julgada para que nova decisão de mérito seja prolatada; c) a coisa julgada é matéria objeto de lei ordinária (CPC) e, portanto, pode sofrer alterações baseadas em comandos constitucionais e de outras leis ordinárias.
Assevera o doutrinador que os referidos casos são "exceções que não justificam a criação de regra para quebrar-se o estado democrático de direito, fundamento constitucional da própria república brasileira", complementando que causa mais impacto político a insegurança geral advinda da relativização da coisa julgada, do que a obrigação de conviver com decisões injustas ou inconstitucionais (idem)
José Carlos Barbosa Moreira (2007) assevera ser incompatível com o ordenamento jurídico pátrio o "aumento da dose de relativização" da coisa julgada material, pois observa que essa relativização já é consagrada na legislação processual ao prever a ação rescisória.
O ilustre processualista concorda, porém, com a possibilidade de rescisão da sentença proferida em ação de investigação de paternidade na época em que não era usual o exame de DNA (entendendo este como documento novo, hipótese prevista no inc. VII do art. 485 do CPC), assim como daquela fundada em lei já declarada inconstitucional à época da prolação (rescindida com base no inc. V).
Diante de todos esses posicionamentos fica evidente que a dificuldade em chegar a uma solução para o tema encontra-se no fato de os conceitos de segurança jurídica e justiça envolverem um alto grau de carga valorativa, e também estarem relacionados com questões de política judiciária.

63. A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO ELEMENTO DE FORTALECIMENTO DA CIDADANIA

O homem do século XXI (assim como o do século XX) vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo, caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing e também pelas dificuldades de acesso à justiça.
A sociedade de consumo, ao contrário do que se imaginava, não trouxe apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou ao invés de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor se encontravam em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor que, inegavelmente, assume posição de força na relação de consumo e, portanto, “dita as regras”. 
Por certo, a massificação dos contratos, que passaram a ser pré-elaborados pelos fornecedores, a concentração da força econômica e de capitais e os monopólios na sociedade de consumo originaram um desequilíbrio bastante evidenciado nas relações contratuais, circunstância que exigiu a interferência do Estado, por meio de uma ação protetora da parte mais frágil dessas relações. Sim, pois, o mercado não apresenta em si mesmo mecanismos eficientes para superar a vulnerabilidade do consumidor.
Percebeu-se a necessidade de tutelar os direitos de titularidade indeterminada. Segundo observou Mauro Capelletti, em sua obra “Acesso à justiça”, a segunda onda renovatória da ciência processual civil alude à necessidade de coletivização do processo, outrora essencialmente individualista. Observou-se, também, a imprescindibilidade de tutelar direitos economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. E o Direito não pode ficar alheio a tal fenômeno.
As providências reclamam, destarte, a intervenção do Estado nas suas três esferas: o Poder Legislativo, formulando normas jurídicas de consumo; o Poder Executivo, emprestando-lhes exeqüibilidade; e o Poder Judiciário, dirimindo os conflitos decorrentes dos esforços de formulação e de implementação.
Por ter a vulnerabilidade do consumidor diversas causas, não pode o direito proteger a parte mais fraca da relação de consumo somente no que atine a alguma ou mesmo algumas facetas do mercado. Não se busca uma tutela manca do consumidor. Almeja-se uma proteção integral e dinâmica. E, nesse ponto, a ordem jurídica pátria foi pródiga em sistematizar a matéria. 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não mediu esforços ao tratar do direito consumerista. Em seu art. 5º, XXII, erigiu a defesa do consumidor à condição de direito fundamental. No art. 170, V, por sua vez, elencou-a como princípio da ordem econômica. Não bastasse, a dicção do art. 48 do ADCT acometeu ao legislador infraconstitucional a missão de elaborar um Código de Defesa do Consumidor. 
A Lei 8.078/90, por sua vez, remodelou o sistema jurídico então vigente. Conceituou e distinguiu os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Delimitou os lindes de aplicação das suas disposições protetivas, a partir da sistematização dos atores da relação de consumo: fornecedor e consumidor. 
Previu sistemas diferenciados de responsabilização e prazos alargados para insurgir-se contra eventuais vícios do produto e do serviço. A par disso, apontou a necessidade de se criar uma estrutura de atendimento ao consumidor, mediante a implantação de delegacias especializadas, promotorias de justiça com atribuição específica na área e a manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita, para o consumidor carente. Incentivou-se a criação de associações de defesa do consumidor e de varas especializadas para a solução dos litígios de consumo.
No que diz respeito aos mecanismos de proteção dos interesses nele encartados, o Código de Defesa do Consumidor promoveu a revisão do tradicional princípio da legitimidade do exercício de pretensões e ações judiciais.
Dois caminhos abriram-se, desde logo, à exploração dos criadores do Direito: a ampliação da competência dos agentes estatais, notadamente do Ministério Público e do Poder Judiciário – a quem foi incumbido o dever de conceder a tutela específica da obrigação, de modo a atingir o resultado prático equivalente -, e a introdução ou o alargamento do princípio da defesa privada do interesse público. 
O diploma protetivo ampliou as noções de legitimidade ativa por substituição processual introduzidas pela Lei 7.347/85, ao admitir que o requisito da pré-constituição das associações civis possa ser dispensado pelo juiz (art. 82, § 1º). 
Não bastasse, a Lei 8.078/90 fez cair por terra do império indiscutível da autonomia da vontade no âmbito contratual, partindo da premissa de que só há autonomia plena quando os contratantes encontram-se em patamar de igualdade na relação. Introduziram-se os princípios da boa-fé objetiva, da informação, da transparência e da harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo como o fio condutor dos contratos.  
Munido dos instrumentos e mecanismos criados pelo Código de Defesa do Consumidor, o consumidor conscientizou-se do papel fundamental que possui na sociedade contemporânea. Criou-se, enfim, uma nova faceta do que se entende por cidadania. 
Constatou-se, ademais, que cidadania se constrói sob dois pilares fundamentais: informação e instrumentos de atuação. Em outras palavras, a partir das modificações introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor, foi possível perceber que cidadão, na acepção mais pura da palavra, não é simplesmente o detentor de direitos políticos, mas, sobretudo, aquele que possui mecanismos para intervir na vontade política do Estado e atuar de forma plena no âmbito das relações de direito privado. 


Fonte: GRINOVER, Ada Pelegrini. et. al. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.  
 
64. A REVISÃO JURISPRUDÊNCIAL DO STJ SOBRE O ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA

O art. 16 da LACP (Lei 7.347/85), modificado pela Lei 9.494/97 dispõe que:

"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."

A redação do referido dispositivo sempre foi alvo de duras críticas por parte da doutrina, a qual dizia ser o artigo inconstitucional e ineficaz. Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr formulam as seguintes críticas em sua obra Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Vol 4, 2009:

1) a aplicação do artigo causa prejuízo a economia processual e fomento ao conflito lógico e prático de julgados.

2) o dispositivo representa ofensa aos princípios da igualdade e do acesso à justiça, pois cria tratamento diferente aos jurisdicionados em situação idêntica;

3) existe indivisibilidade ontológica do objeto da tutela coletiva, ou seja, é da natureza dos direitos coletivos sua não separatividade no crso da demanda, sendo legalmente indivisíveis;

4) há equivoco na técnica legislativa na medida em que se confunde competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é uma em todo o território nacional;

5) há ineficácia da regra de competência em si, vez que o legislador estabeleceu no art. 93 do CDC que a competência para julgamento de causas de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos Estados ou no CF, ampliando, portanto, a “jurisdição do órgão prolator”.

Nada obstante, em que pese as inúmeras críticas da doutrina, a jurisprudência majoritária, inclusive do STJ, mantinha o entendimento no sentido de que a norma contida no art. 16 da LACP era válida e eficaz. Neste sentido, colaciona-se o seguinte julgado de abril de 2011:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA DA SENTENÇA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR.
1. A sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei 9.494/97. Precedentes. Agravo no recurso especial não provido. (AgRg no REsp 1105214 / DF
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0250917-1 Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Data do Julgamento 05/04/2011)

Ocorre que no julgamento do REsp Nº 1.243.887 – PR, de dezembro de 2011, a Corte Especial do STJ entendeu que as decisões tomadas em ações civis públicas devem ter validade nacional, não tendo mais suas execuções limitadas aos municípios onde foram proferidas, afastando, assim, a incidência dos limites impostos pelo art. 16 da LACP.

O relator do caso foi o ministro Luis Felipe Salomão e a decisão se deu em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos (543-C do CPC), fazendo com que o precedente gere efeitos em outros processos que tenham a mesma causa de pedir em relação aos limites objetivos e subjetivos das sentenças proferidas em processos coletivos.

Para o STJ, a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva podem ser ajuizadas no foro do domicílio do beneficiário, porque os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais discutidos em juízo.

Segue a ementa do julgado que representa a revisão do posicionamento do STJ sobre o tema:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).
1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.
2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1243887 / PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 19/10/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 12/12/2011)

Ademais, transcreve-se os seguintes trechos do voto do Ministro Relator:

“Com efeito, como ocorreu no caso dos autos, pode o consumidor ajuizar a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública no foro do seu próprio domicílio, e não se há falar em limites territoriais da coisa julgada, como argumenta o recorrente.

Aduz o recorrente, nesse ponto, que o alcance territorial da coisa julgada se limita à comarca na qual tramitou a ação coletiva, mercê do art. 16 da Lei das Ações Civis Públicas (Lei n. 7.347/85) 

(…)

Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidade prática da ação coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala nacional ou regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados ou no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar a tese do recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença estaria restrito às capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da decisão.

A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é "efeito" ou "eficácia" da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la "imutável e indiscutível".

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites da lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

(…)

A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual "a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário" (REsp 293.407/SP, Quarta Turma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial), em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide.

Caso contrário, "esse diferenciado regime processual não se justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado de tutela judicial em sua dimensão coletiva, reconvertido e pulverizado em multifárias demandas individuais" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit. p. 325), "atomizando" as lides na contramão do moderno processo de "molecularização" das demanas.” (REsp 1243887 / PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 19/10/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 12/12/2011).

65. A LEI MARIA DA PENHA E A ATIVIDADE DO MP

O tema a mim confiado foi “ A Lei Maria da Penha e a Atividade do MP”.

Sem dúvida a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) surgiu como um instrumento legal que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Mas o que se entende por violência doméstica e familiar contra a mulher?

É qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe causa a morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Seja no âmbito da unidade doméstica; no âmbito da família; e em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º).

Neste contexto, o Ministério Público passou a exercer papel de grande relevo, pois intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 25).

A partir dos ditames da Lei 11.340, busca-se desenvolver políticas públicas que visem coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de um conjunto articulado de ações dos Entes Políticos e da Sociedade Civil, tendo com uma de suas diretrizes a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação (art. 8, I).

Desde a entrada em vigor da Lei 11.340/06, muito se debateu sobre a natureza jurídica da ação penal, se condicionada ou não. Ou seja, pode a ação penal com base nessa lei ser proposta pelo Ministério Público ou ter continuidade independente da vontade da vontade da vítima?
O art. 16 estabelece que: “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Apesar de, inicialmente, se ter considerado dispensável a representação da vítima (nos crimes de lesões corporais leves) a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que é imprescindível a representação da vítima para propor ação penal nos casos de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica.  

Outro aspecto da Lei de grande relevância são as medidas protetivas de urgência, cujo rol exemplificativo consta do art. 22 da Lei 11.340/06.

Tais medidas protetivas poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida (art.19). Entretanto, caso concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, deve o Ministério Público ser prontamente comunicado (art. 19, § 1º).

Por outro lado, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, poderá conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público (art. 19, § 3º).

Vale destacar que além das medidas protetivas de urgência elencadas no art. 22, não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público (art. 22, §1º)


Frise-se que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial (art. 20).

Cabe ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário (art.26):

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

No aspecto da defesa dos interesses e direitos transindividuais, previstos na lei 11.340/06, o Ministério Público também possui papel destacado, nos termos do art. 37. 

Por fim cabe registrar que o Ministério Público de Santa Catarina desde 1º de abril de 2011 passou a contar com uma Promotoria de Justiça especializada na área de Violência Doméstica e familiar contra a Mulher, nos termos do art. 206/2011 do Colégio dos Procuradores de Justiça.

Diante de todo o exposto, podemos asseverar que o Ministério Público de Santa Catarina trata com prioridade os procedimentos relativos a violência doméstica e familiar contra a mulher, principalmente no que diz respeito à necessidade de medidas de proteção.

66. PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A ordem jurídica incentiva a atividade comercial e o desenvolvimento do mercado na medida em que permite a criação da pessoa jurídica, que pode ser conceituada como uma entidade a que a lei empresta personalidade, capacitando-a a ser sujeito de direitos e obrigações.
Dois fatores principais contribuem para a constituição das pessoas jurídicas: 1) o fato delas possuírem existência própria, distinta da dos seus membros; 2) a circunstância de o patrimônio da sociedade e o de seus membros não se confundirem.
No entanto, tem-se que o princípio da autonomia patrimonial e da separação subjetiva entre a pessoa física e jurídica, por vezes, acaba por possibilitar o uso fraudulento, abusivo, da empresa, que passa a ser utilizada como uma espécie de véu, de cortina de fumaça, capaz de esconder a ilicitude de determinados atos e gerar a impunidade, a não responsabilização de seus sócios.
Nessas hipóteses, nada mais justo do que se atingir, de forma direta, o patrimônio dos sócios ou administradores que tenham concorrido para a fraude ou para a frustração do pagamento aos credores.
Como exceção à autonomia patrimonial existente entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõem, portanto, há a possibilidade de se efetuar a despersonalização ou desconsideração da pessoa jurídica, a fim de que seja atingido o patrimônio dos seus sócios.
Essa medida não objetiva anular a personalidade jurídica, e sim apenas desconsiderar no caso concreto, dentro dos seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. Por tal motivo, a doutrina sustenta que a denominação mais apropriada para a teoria em foco é desconsideração da personalidade jurídica.
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) foi o pioneiro na implementação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo as regras por ele previstas copiadas e estendidas a outras relações que não as de consumo, como por exemplo, às infrações à ordem econômica (Lei n. 8.884/94) e às lesões ao meio ambiente (Lei n. 9.605/98).
De acordo com o art. 28, caput, do Código de Defesa do Consumidor, “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
O § 5º da mesma Lei dispõe que “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.
O primeiro pressuposto para a desconsideração, portanto, conforme o art. 28 do CDC, é a ocorrência do abuso de direito. A personalidade jurídica visa a uma finalidade social, de modo que, quando determinado ato é praticado em desacordo com tal finalidade, causando prejuízos a outrem, ele é considerado abusivo e, por conseguinte atentatório ao direito.
A segunda hipótese refere-se ao excesso de poder, que consiste na prática, pelos administradores, de atos para os quais não possuem poder. Considerando que os poderes dos administradores são definidos pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, a doutrina enfatiza que a redação do art. 28 é redundante e que é possível reunir em um mesmo grupo o excesso de poder, a violação ao contrato social ou ao estatuto, a infração à lei e os fatos ou atos ilícitos. 
Ressalta-se que os doutrinadores criticam a inclusão do excesso de poder como causa para a desconsideração da pessoa jurídica, porquanto é cediço que, nesses casos, a lei prevê a imputação direta e pessoal dos sócios ou administradores, sem a necessidade da aplicação do instituto em tela.
Por fim, o caput do art. 28 menciona como terceiro pressuposto para a desconsideração a falência, a insolvência e o encerramento das atividades provocado por má administração, acontecimentos que impedem o ressarcimento dos credores.
A última hipótese prevista no CDC está no parágrafo 5º do art. 28, que afirma ser possível a desconsideração da personalidade jurídica sempre que a sua personalidade servir de obstáculo ao ressarcimento dos consumidores. 
A extensão de tal dispositivo deu margem a diversas controvérsias doutrinárias. Defendem alguns autores que ele precisa ser interpretado como uma possibilidade de desconsideração a mais, sem, contudo, abstrair os fundamentos da teoria da desconsideração. Outros sustentam que basta a constatação de que a personalidade está dificultando o ressarcimento dos consumidores para que seja aplicada a desconsideração, não sendo imprescindível a constatação do abuso de direito nesse caso.
Posteriormente, o Código Civil de 2002 enraizou o instituto da desconsideração no ordenamento jurídico pátrio, prevendo, em seu art. 50, que “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
O dispositivo do Código Civil se mostrou mais rigoroso do que o previsto no Código de Defesa do Consumidor, por admitir a caracterização do abuso da personalidade jurídica somente em dois casos: quando houver o desvio da finalidade ou a confusão patrimonial. Com a demonstração da ocorrência de qualquer uma dessas hipóteses, em densidade suficiente para autorizar a deflagração dos efeitos da desconsideração da pessoa jurídica, é possível a extensão da responsabilidade aos bens particulares dos administradores ou sócios.
A partir da interpretação desses dispositivos, nota-se que a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quanto aos seus pressupostos, divide-se em duas categorias: teoria maior, consagrada pelo Código Civil, que se revela mais rigorosa, e teoria menor, consagrada pelo Código de Defesa do Consumidor, cujos requisitos são mais brandos.
A teoria maior tem como pressuposto para o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade o uso fraudulento ou abusivo do instituto. 
Essa teoria subdivide-se em subjetiva, segundo a qual o elemento autorizador da desconsideração é o desvio de finalidade, e objetiva, que admite como elemento ensejador da desconsideração a confusão entre o patrimônio do sócio e o da sociedade. Enquanto na formulação subjetiva da teoria maior é preciso comprovar o elemento intencional do sócio na condução fraudulenta ou abusiva dos negócios da sociedade, na formulação objetiva, a simples constatação de confusão patrimonial é suficiente para que fique caracterizada situação ensejadora da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. 
Já a teoria menor, com aplicação principal no âmbito do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, tem como pressuposto autorizador da desconsideração da personalidade da sociedade empresária o simples  inadimplemento aos credores ou o estado de  insolvência ou falência da pessoa jurídica, pois parte da premissa de que o risco da atividade econômica não deve ser suportado por terceiros, e sim pelos sócios ou administradores da empresa, ainda que não esteja demonstrado que estes agiram culposa ou dolosamente para o inadimplemento. 
Ela está pautada na incidência autônoma do § 5º do art. 28 do CDC, sem que seja necessária a presença dos requisitos previstos no caput do mesmo dispositivo, e condicionada à comprovação de que a mera existência da pessoa jurídica traduz-se em obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
A diferença entre as duas teorias encontra-se bem explicitada no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 279.273/SP:
“- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. 
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 29.03.2004).
Diante do exposto, nota-se que a utilização do instituto da desconsideração da pessoa jurídica é importante, em primeiro lugar por representar uma forma de punição para aqueles que não utilizam a personalidade dos entes societários para os fins que lhe são devidos, e em segundo lugar por facilitar o ressarcimento a terceiros, que não podem ser prejudicados pela má administração dos sócios ou pelo fato da personalidade servir de obstáculo a essa reparação.
Pode-se concluir, outrossim, que os pressupostos para a desconsideração da pessoa jurídica dependem do caso concreto e da aplicação da teoria menor ou da teoria maior, previstas, respectivamente, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do Código Civil Brasileiro.

67. O TEMA QUE ME FOI CONFIADO É AFETO À TUTELA DO IDOSO EM SITUAÇÃO DE RISCO E O MINISTÉRIO PÚBLICO.


A constituição da república assegura a todos o direito à dignidade, como principio fundamental da ordem jurídica. No capítulo constitucional relativo à família, criança, adolescente, jovem e idoso, consta que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assistir e amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem estar. 

Já o Estatuto do Idoso assegura aos maiores de 60 anos todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral, consistente em assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Embora essa proteção integral e absoluta prioridade ao idoso não dessaiam expressamente da Constituição, como ocorre no caso da criança e adolescente, também se revestem da característica de fundamentalidade, à vista do disposto no art. 5º, §2º, da Constituição.

Nos termos do mesmo Estatuto, o Idoso está em situação de risco quando seus direitos forem forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento ou em razão de sua condição pessoal (art. 43).

Dessa forma, verificado haver lesão ou risco de lesão a interesses de idosos, cabe cogitar da atuação do Ministério Público em sua defesa, pautada não só nos princípios e regras constitucionais referidos, mas também no dever de defender a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis. A atuação do Ministério Público pode ser preventiva ou repressiva, desenvolvida no âmbito judicial ou extrajudicial.
Naquelas hipóteses (situação de risco), o Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimento daquele, poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; abrigo em entidade; abrigo temporário. Pode também o MP atuar como substituto processual do idoso em situação de risco e deve oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco, sob pena de nulidade.
No que toca especificamente ao direito a alimentos, o MP deve promover e acompanhar as ações de alimentos, e as transações relativas a alimentos poderão ser celebradas perante o Promotor de Justiça, que as referendará, e passarão a ter efeito de título executivo extrajudicial nos termos da lei processual civil.
Quanto à saúde, os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra idoso serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde ao Ministério Público, que pode também requisitar a colaboração dos serviços de saúde em favor do idoso.
Cabe também ao MP fiscalizar as entidades governamentais e não-governamentais de atendimento ao idoso, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas. O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a toda entidade de atendimento ao idoso.
No âmbito penal, cabe ao MP propor ação penal pública incondicionada nos casos de crimes perpetrados contra idosos (arts. 96 a 109 do Estatuto).

No âmbito cível, cabe ao MP propor ações de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida, promover a revogação de instrumento procuratório do idoso, nas situações de risco, quando necessário ou o interesse público justificar e referendar transações envolvendo interesses e direitos dos idosos. Tais atribuições não vêm em prejuízo da tutela dos interesses do idoso (difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis) por via da ação civil pública e do inquérito civil. 

Essas são algumas observações específicas acerca da tutela dos interesses dos idosos em situação de risco pelo MP.

Achei na internet (site do MPSP) o seguinte ROTEIRO PRÁTICO SOBRE COMO ATUAR E MATÉRIA AFETA A IDOSOS EM SITUAÇÃO DE RISCO, pode ser interessante também:

Intervenção em casos de interesses individuais indisponíveis
(idosos em situação de risco)

Roteiro prático
(fonte: GAEPI)

1) A notícia sobre a situação do idoso pode chegar por comunicação de hospital, por denúncia recebida no expediente de atendimento ao público, por carta ou e-mail, por denúncia anônima, por denúncia recebida de outros órgãos (como, por exemplo, a Secretaria Especial de Direitos Humanos) ou até pela imprensa.

2) A notícia (ou representação) é autuada, formando-se um procedimento administrativo.

3) A primeira providência adotada é a de acionar a Supervisão de Assistência Social da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS/SAS) vinculada à Subprefeitura da região onde reside a pessoa idosa, solicitando-se a realização de visita social domiciliar, com urgência (se o caso), com a remessa de relatório social.

4) Com a vinda do relatório social, e dependendo de suas conclusões, adotam-se as seguintes providências;

- RELATÓRIO NÃO CONFIRMA A SITUAÇÃO DE RISCO E NEM CIRCUNSTÂNCIA QUE JUSTIFIQUE A INTERVENÇÃO MINISTERIAL - Os autos podem ser arquivados

- RELATÓRIO CONFIRMA A EXISTÊNCIA DA SITUAÇÃO DE RISCO E INDICA A EXISTÊNCIA DE FAMILIARES OU RESPONSÁVEIS - notificam-se os familiares ou responsáveis para averiguar eventual omissão, instá-los a tomar medidas para retirar o idoso da situação de risco (advertindo-os, se o caso, para os reflexos penais de sua conduta) e orientá-los sobre a eventual necessidade de interdição (com encaminhamento à Defensoria Pública), entre outras providências aplicáveis ao caso. 

- RELATÓRIO CONFIRMA A EXISTÊNCIA DA SITUAÇÃO DE RISCO, MAS NÃO CONSEGUE IDENTIFICAR FAMILIARES OU RESPONSÁVEIS

- se o idoso necessitar de atendimento de saúde - requisita-se à UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima uma visita médica domiciliar e a aplicação dos encaminhamentos necessários ao caso;

- se o caso envolver problema psiquiátrico que exija internação - requisita-se à Secretaria Estadual de Saúde a internação do idoso em hospital;

- se o caso indicar a vulnerabilidade social da pessoa idosa - requisita-se à SMADS a institucionalização.

OBSERVAÇÕES: 

- o Poder Judiciário só é acionado nos casos em que o poder público se nega ou se omite em intervir ou o caso exija a aplicação de medidas de proteção, inclusive aquelas que possam implicar em medidas coercitivas contra terceiros que estejam ameaçando a pessoa idosa ou contra pessoa idosa que esteja colocando em risco sua própria integridade física (artigo 45 do Estatuto do Idoso);

- se o caso indicar a existência de crime contra a pessoa idosa, adotar as providências cabíveis (inclusive para a lavratura de flagrante, se o caso).




68. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO

De início, importante mencionar que o constitucionalismo moderno deixou para trás a ideia do liberalismo clássico, calcado no individualismo, no absenteísmo estatal e na valorização da propriedade privada; e trouxe para o centro das atenções os direitos sociais, buscando-se com isso  diminuir a exclusão social e a concentração de renda gerada pelo liberalismo. 

A Constituição Federal de 1988 trouxe, no artigo 6º, um extenso rol de direitos sociais a serem garantidos aos cidadãos, de modo que, na prática, a implementação de todos esses direitos mostra-se impossível diante dos recursos disponíveis aos governantes, transformando, muitas vezes, esses direitos em meros ideais inatingíveis. 

Não se pode perder de vista que no Estado Democrático de Direito a formulação e a execução de políticas públicas dependem de ações dos Poderes Executivo e Legislativo, por conta das funções típicas conferidas a tais poderes pelo Constituinte. O que tem ocorrido é que, ante a inércia do Estado na efetivação dos direitos sociais, cada vez mais os cidadãos tem buscado junto ao Poder Judiciário a garantia desses direitos. Gera-se, com isso, uma certa intromissão do Judiciário nas atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo que nos faz questionar: qual o limite dessa atuação do Poder Judiciário nos Poderes Executivo e Legislativo?

Por um lado, a efetivação indiscriminada pelos Poderes Executivo e Legislativo de todos os direitos fundamentais para todas as pessoas, em qualquer situação, pode tornar impossível a sua concretização.

Exemplificativamente, se for utilizado o mesmo raciocínio atualmente aplicados pelos tribunais pátrios ao direito à saúde para o direito ao trabalho, poderia o Poder Público obrigar uma empresa, incondicionalmente, a contratar mais empregados? Ou pode o Executivo e o Legislativo serem compelidos pelo Judiciário a criar mais cargos na Administração Pública, somente para efetivar o direito ao trabalho, também um direito fundamental assegurado pela Constituição, inserido no mesmo dispositivo que garante o direito à saúde (caput do art. 6º)? O mesmo raciocínio pode ser aplicado à habitação, à educação, à segurança pública, etc.

De outro lado, não se pode utilizar esse discurso de forma absoluta, impedindo que qualquer decisão do Judiciário interfira nas opções do legislador, o que impediria, por exemplo, a condenação do DNIT a ressarcir uma pessoa pelos danos causados em seu veículo em decorrência da má conservação de uma rodovia, ou a concessão de um benefício previdenciário indevidamente indeferido pelo INSS.

Algumas colisões entre direitos (direito à felicidade x direito de matar o cônjuge, direito à liberdade de expressão x manifestação racista ou falso testemunho) podem ser, em tese, resolvidas pelo critério da ponderação de interesses, em cada caso concreto. De um lado, o conflito entre regras é solucionado normalmente com fundamento na teoria do ordenamento jurídico de Norberto Bobbio, que propõe a solução das antinomias por meio dos critérios cronológico (lei posterior derroga lei anterior), hierárquico (a lei hierarquicamente superior prevalece sobre a anterior) e da especialidade (a lei específica prepondera sobre a lei geral) (Teoria do ordenamento jurídico. 7. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p. 81-97). De outro, o conflito entre princípios é resolvido pelo critério da ponderação (em contraposição à subsunção das regras), não havendo antinomia, levando-se em conta o peso relativo de cada um em determinado caso concreto, não ocorrendo a revogação de um pela aplicação do outro. Ainda, pode ocorrer que mais de um princípio incida concomitantemente, produzindo parcialmente seus efeitos jurídicos (SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 45).

Porém, na prática, não há como se sustentar objetivamente o acerto desse critério, que envolve essencialmente o conflito entre juízos de valor, que podem ser ambos legítimos e com base constitucional. É evidente que os casos práticos extremos (como os mencionados) têm uma solução mais simples, todavia, como resolver questões, por exemplo, quando a única prova que demonstre o direito da parte tenha sido obtida por meios ilícitos. Pode ser conferido o mesmo peso quando essa prova ilícita comprove a inocência do réu em processo penal? Pode-se conferir um mesmo valor a uma prova obtida por meio de tortura àquela alcançada mediante interceptação telefônica, ou à obtida mediante furto, por se encontrar em poder da parte adversa, que tem interesse em ocultá-la, por lhe ser desfavorável? (Sobre o assunto: CARDOSO, Oscar Valente. Provas ilícitas e suspeição do julgador. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo, nº 68, pp. 78-85, novembro 2008).

No caso do direito à saúde, em decorrência das omissões do Executivo e do Legislativo, há quem sustente a existência de uma “política judicial de medicamentos”, diante da proliferação de ações judiciais pleiteando o fornecimento de medicamentos, o que causa uma interferência indevida do Judiciário na política nacional de medicamentos (ZANDONÁ, Fernando. Política nacional ou judicial de medicamentos? Revista de Doutrina da 4ª Região. Porto Alegre, nº 23, abril 2008. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br>). 

A partir daí pode se extrair outra indagação: essa “política judicial de medicamentos” é democrática, em comparação com a política nacional de medicamentos efetivada pelo Executivo, nos termos da lei elaborada pelo Legislativo?

Percebe-se que as opções legislativas, além de normalmente refletir determinados interesses (e provavelmente por isso), nem sempre têm entre seus fins a melhoria das condições de vida da população.

Exemplificando, no que diz respeito ao direito à saúde, em 22/12/2008, foi realizado o pregão pelo Ministério da Saúde, para a aquisição de 15 milhões de embalagens sachê de gel lubrificante, no valor aproximado de R$ 40 milhões. Ademais, o Ministério da Saúde também propala a maior compra de preservativos já realizada no mundo por um governo, com a meta de atingir a aquisição de um bilhão (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde lança campanha de planejamento familiar. Notícias. 07 março 2008. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm co_seq_noticia=43737>).

Por outro lado, os Executivos Federal, Estadual e Municipal relutam em fornecem medicamentos em situações de risco de morte...

Costuma-se invocar, para justificar a opção do Executivo, a necessidade de “escolhas trágicas”, que consiste em optar por concretizar determinados direitos, para algumas pessoas, em detrimento dos direitos de outras. A própria existência de políticas sociais, por si só, já implica nas escolhas trágicas, pois decorre de opção por determinadas políticas públicas, em detrimento de outras.

Outro dilema que surge com a necessidade das escolhas trágicas: deve o Poder Público fornecer um tratamento ou um medicamento de alto custo, se o valor desembolsado em 20 meses, por exemplo, é suficiente para construir um posto de saúde? Ainda, pode-se deferir, em antecipação de tutela, o transplante imediato de um órgão ao autor, sem ter ciência plena de suas condições de saúde, tampouco de quantas pessoas aguardam na “fila” do SUS esse mesmo transplante? Por outro lado, pode-se negar esse direito a uma pessoa com alto risco de morte (mesmo sem saber se existem – ou não – pessoas na mesma condição, necessitando do mesmo órgão)?

Diante de tais indagações, reitera-se, que nenhum direito fundamental é ilimitado e absoluto, podendo ser restringido ou não incidir em determinada situação fática quando em confronto com outro direito.

Contudo, isso não impede que o jurisdicionado questione as escolhas do Executivo, principalmente quando este desembolsa vários milhões de reais para a aquisição de preservativos e lubrificantes, às vésperas do carnaval, e deixa de fornecer medicamento que, em muitas situações, pode ter importância inclusive para a manutenção da vida de quem dele necessita.

Porém, o controle pelo Judiciário, e a efetivação de direitos fundamentais por este, deve ter limites, que ainda não estão devidamente definidos. Os principais, já mencionados, são os recursos financeiros do Estado, insuficientes para conferir efetividade aos direitos fundamentais de todos. Deles derivam outras restrições, como a reserva do possível, que relaciona os limites do Estado (principalmente dos recursos públicos) com a efetivação dos direitos sociais, podendo ser invocada somente quando demonstrar motivo justo e objetivamente comprovável (nesse sentido é a decisão monocrática do Min. Celso de Mello na ADPF 45, j. 29/04/2004, DJ 04/05/2004).

Com isso, conclui-se que, se por um lado deve-se ver com cautela o antigo dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, por outro, a atuação do Poder Judiciário para garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais deve se dar nos casos concretos, com uso do princípio da proporcionalidade e racionalidade, de forma a não subverter por completo a harmonia em que devem conviver os Poderes do Estado. 

69. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: LIMITES NA APLICAÇÃO PELO MP
Início: 22:48

Uma primeira restrição à aplicação de medidas socioeducativas àqueles que cometerem um ato infracional diz respeito à idade do agente: consoante disposição expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 105), ao ato infracional praticado por criança não corresponderão nenhuma das medidas socioeducativas, mas tão somente medidas específicas de proteção, identificadas no art. 101 do Estatuto.
Vale dizer: se o ato infracional (conduta descrita como crime ou contravenção penal – art. 103) for praticado por quem ainda não completou doze anos de idade (art. 2º), haverá óbice intransponível para eventual aplicação de medida socioeducativa (previstas nos incisos do art. 112 do Estatuto).
Essa primeira limitação objetiva exemplifica, por si só, o espírito do legislador (interpretação teleológica) ao elaborar, em conformidade com a ordem constitucional democrática reestabelecida em 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Promotor de Justiça, titular do exercício de representação pela prática de ato infracional, deve, a todo o momento, pautar suas ações pelos princípios orientadores da política educativa e protetiva veiculada no Estatuto da Criança e do Adolescente. Deve saber, de antemão, que, por meio da representação, não buscará impor aos penalmente inimputáveis sujeitos às disposições do Estatuto nenhuma reprimenda de caráter retributivo ou sancionador, mas sim entender a prática do ato ilícito sob a ótica da condição peculiar dos adolescentes como pessoas em desenvolvimento, e buscar, por meio da aplicação de medidas protetivas ou socioeducativas, o reestabelecimento da retidão de suas ações, quiçá evitando a formação de um futuro delinquente.
Neste aspecto, é interessante notar que  a gravidade concreta da infração, mensurada conjuntamente à situação social do agente infrator, impõe, desde logo, a necessidade de utilização da medida menos gravosa ao seu desenvolvimento; afinal, a aceitação da criança e do adolescente como sujeitos de direitos – e não meros objetos, como já foram tratados em legislações anteriores – é um princípio de observância obrigatória expresso no Estatuto.
Não há dúvidas de que, dentre as medidas previstas no art. 112 do Estatuto, é a internação em estabelecimento educacional a de maior rigor; afinal, em vistas à readequação da conduta social do jovem, é-lhe tolhido, ainda que de forma mitigada, o direito à plena liberdade. Não é sem razão, portanto, que o diploma legislativo em questão estabelece uma série de critérios à aplicação desta medida.
Nos termos do art. 122, a medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa (sic);
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Aliás, vale ressaltar que, na esteira de reiterados julgados proferidos pelo STJ, a gravidade abstrata da infração não basta, por si só, para justificar a aplicação desta excepcional e extremada medida. Cite-se, por exemplo, a prática de ato análogo ao crime de tráfico de drogas, que, embora no campo do Direito Penal tal ação típica seja equiparada, para todos os efeitos, aos crimes hediondos, não autoriza, por si só, a aplicação imediata da internação.
Também informa a jurisprudência do STJ o alcance da regra inscrita no inciso II: tem-se por reiteração o cometimento de três ou mais infrações graves pelo adolescente; não atingido este número, não há falar em imposição direta da internação.
Além do mais, prevê o Estatuto que a internação ficará adstrita ao princípio da brevidade, e, embora não comporte prazo determinado, sua manutenção deve ser periodicamente reavaliada, mediante decisão fundamentada da autoridade judicial, no máximo a cada seis meses. Em nenhuma hipótese, contudo, o período máximo de internação excederá a três anos, tampouco poderá ser mantida a medida depois do outrora adolescente completar 21 anos de idade.
Em linhas gerais, estas são algumas limitações impostas ao MP na aplicação das medidas socioeducativas.
Fim: 23:28

70. O CONSELHO NACIONAL DE POLÍCIA E O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

De início, necessário mencionar que a Constituição da República qualifica o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Ademais, nos termos do artigo 129, inciso VII, da CF, uma das funções institucionais do Ministério Público é “exercer o controle externo da atividade policial”, na forma da lei complementar.
No estado de Santa Catarina, a LC 197/2000, Lei Orgânica do Ministério Público estadual, dispõe, em seu artigo 82, inciso XVII, ser função institucional do Ministério Público:
exercer o controle externo da atividade policial, civil ou militar, podendo, dentre outras medidas administrativas e judiciais:
a) ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
b) ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária, ou requisitá-los;
c) requisitar à autoridade competente a adoção de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
d) requisitar à autoridade competente a abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a investigações, quando necessário;
e) acompanhar atividades investigatórias;
f) recomendar à autoridade policial a observância das leis e princípios jurídicos;
g) requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
h) exigir comunicação imediata sobre apreensão de adolescente;
i) avocar inquérito policial em qualquer fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se fizerem necessárias;

É válido salientar, ainda, que o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, disciplinando o controle externo da atividade policial pelos Promotores de Justiça.
No entanto, tramita no Congresso Nacional a PEC 381/2009, aprovada pela CCJ da Câmara dos Deputados em 26-5-2010, que institui o Conselho Nacional de Polícia, a ser criado nos moldes do CNJ e do CNMP. Esse órgão será composto por 17 membros, dentre os quais 10 delegados de polícia, e presidido pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça.
A criação do Conselho Nacional de Polícia, todavia, subtrai do Ministério Público a função de controle externo da atividade policial, que ficará a cargo exclusivamente deste novo órgão. Segundo o texto do projeto, o CNP terá, entre outras atribuições, o controle da atuação administrativa, funcional e financeira das Polícias Federal, dos Estados e do Distrito Federal, cabendo-lhe zelar pela autonomia funcional dos delegados de polícia e apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados pelos integrantes das Polícias Judiciárias, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei; receber e conhecer das reclamações contra autoridades policiais e agentes das Polícias Civis e Federal, inclusive contra seus serviços auxiliares, podendo avocar processos disciplinares em curso e aplicar penalidades previstas no Estatuto repressivo das Instituições; rever processos disciplinares, julgados há menos de um ano; elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação das Polícias no País e das atividades do Conselho; exercer o controle externo da atividade policial e julgar, em última instância, os recursos contra decisões administrativas adotadas no âmbito das instituições policiais. 
A criação deste novo órgão tem sido alvo de críticas tanto da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) quanto da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), considerado verdadeiro retrocesso no efetivo controle dos abusos praticados pelas polícias. Ademais, por ser o Ministério Público o titular da ação penal, a investigação policial deve atender às expectativas do Promotor de Justiça responsável, cujo trabalho poderá ficar comprometido caso não possa acompanhar, de perto, as atividades investigatórias desenvolvidas. Finalmente, há sempre o risco de corporativismo nas decisões do CNP, sobretudo por ser formado, em sua maioria, por delegados de polícia.
Há quem sustente, ainda, que o projeto é inconstitucional por violar o Pacto Federativo, já que retira dos governadores dos estados o poder sobre a polícia, órgão que não pode ser equiparado ao Judiciário, Poder da República (CF, artigo 2º), e ao Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (CF, artigo 127). Além disso, a PEC colocaria em risco as liberdades e garantias fundamentais conquistadas pela sociedade brasileira e consagradas pela Constituição Federal como cláusulas pétreas.
(Aqui, para encerrar, acredito que caberia a cada candidato externar sua posição sobre a conveniência e oportunidade da criação do Conselho Nacional de Polícia).

Link para o texto da PEC e sua justificativa: 
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/666868.pdf 

Link para o texto da Resolução do CNMP:
http://www.cnmp.gov.br/legislacao/resolucoes/resolucao-cnmp-n-20-com-alteracoes-promovidas-pela-resolucao-cnmp-n-65-11 

Link para os textos do Conjur com as críticas dos presidentes do Conamp e da ANPR:
http://www.conjur.com.br/2010-mai-27/conselho-nacional-policia-blindagem-corporativa-dizem-procuradores 
http://www.conjur.com.br/2010-mai-27/conselho-nacional-policia-blindagem-corporativa-dizem-procuradores 
71. O INSTITUTO DA FALÊNCIA E A AÇÃO DE COBRANÇA
Bom dia.
Meu nome é Diogo Luiz Deschamps e o tema por mim sorteado foi “O instituto da falência e a ação de cobrança”.
A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro várias inovações de ordem democrática, fortalecendo as instituições e aprimorando o sistema da separação de poderes, uma vez que, no regime constitucional anterior, a força do Poder Executivo sobrepunha-se aos demais.
Exemplo dessa afirmação é a configuração constitucional do Ministério Público, que foi definido pelo artigo 127 da Carta Magna como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Além disso, consta como função institucional do Ministério Público, dentre outras, “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
No campo da atividade econômica, a Constituição de 1988 também tratou de estabelecer diretrizes e princípios norteadores da área. Consta do artigo 170 da Carta Magna que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, devendo observar alguns princípios, dentre os quais a livre concorrência. Além disso, há no texto constitucional determinação de que o Estado deve exercer função de fiscalização, incentivo e planejamento da atividade econômica, com vistas à preservação das diretrizes estabelecidas no já mencionado artigo 170.
Dessarte, percebe-se que, muito embora a ordem econômica seja fundada na livre iniciativa, o Estado deve intervir para preservar um mínimo de equilíbrio, evitando que a busca incessante do lucro resulte em crises econômicas que há muito se repetem na história mundial. E também incumbe ao Ministério Público a fiscalização para que tais normas sejam cumpridas.
As diretrizes constitucionais já citadas influenciaram, como não poderia deixar de ser, a legislação infraconstitucional, conforme se percebe na Nova Lei de Falências, a Lei n. 11.101/05. No texto aprovado pelo Poder Legislativo, o artigo 4º disciplinava a atuação do Ministério Público na âmbito falimentar. Todavia, tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, gerando incerteza quanto ao tema. Existem duas correntes: uma afirmando que o Ministério Público atua no processo falimentar apenas nos momentos previstos expressa e casuisticamente na Lei, e a outra defendendo que a atuação ministerial decorre da própria constituição, devendo o Promotor intervir no processo falimentar sempre que julgar necessário, visando a proteger o crédito e a economia públicas. Pelo já exposto, entendo ser mais adequada a segunda linha de pensamento.
Além disso, a Nova Lei de Falências tornou expresso o entendimento jurisprudencial já existente na vigência do Decreto-Lei n. 7.661/45 no sentido de aplicar ao processo falimentar o princípio da preservação da empresa. Esse princípio decorre diretamente do texto constitucional mencionado acima. Segundo ele, deve-se buscar sempre e principalmente a restauração da empresa em dificuldades financeiras, mantendo-se a falência apenas para aquelas que não tiverem condições de retomar a atividade produtiva. Isso porque, segundo Waldo Fazzio Júnior, “A atividade empresarial desborda dos limites estritamente singulares para alcançar dimensão socioeconômica bem mais ampla. Afeta o mercado e a sociedade, mais que a singela conotação pessoal”.
Assim, foi criado pela Lei n. 11.101/05 o instituto da Recuperação de Empresas, seja judicial ou extrajudicial, buscando proporcionar um ambiente de superação da crise presente na empresa, mantendo as relações trabalhistas e econômicas já existentes ao invés de substituir a empresa em dificuldades por uma nova. Mas o princípio da preservação da empresa também está evidente no processo falimentar propriamente dito. Segundo o artigo 97 da citada Lei, dentre outros legitimados, a falência pode ser requerida por qualquer credor. No artigo 94, inciso I, há previsão de ser decretada a falência do devedor que não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título, sem relevante razão de direito. Na redação do revogado Decreto-Lei n.7.661/45, assim terminava o texto legal. Atualmente, foi criado um complemento, exigindo que o valor da dívida ultrapasse o equivalente a 40 salários-mínimos na data do pedido de falência.
Com isso, busca-se evitar que a ação de falência converta-se em simples ação de cobrança, uma vez que os efeitos danosos para a atividade empresária decorrente de um pedido de falência poderiam coagir o devedor a pagar a dívida, em prejuízo da função social da empresa e dos princípios e diretrizes traçados constitucionalmente. Tal prática era vedada já na vigência do revogado Decreto-Lei, conforme recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 920.140, sendo expressa na atual Lei de Falências. Conforme consta de tal julgado, segundo o princípio da preservação da empresa, não basta a impontualidade para o requerimento da falência; deve-se levar em consideração também os sinais de insolvência da empresa.
Assim, tem-se que o credor também tem seu papel para que sejam respeitados as diretrizes constitucionais da ordem econômica e o princípio da preservação da empresa. O pedido de falência deve ser reservado para quando ficar evidente que a empresa não tem condições de retornar da situação de crise em que se encontra, enquanto as eventuais e ocasionais inadimplências devem ser buscadas através de simples Ação Ordinária, sem que se prejudique a atividade empresária. E cabe ao Ministério Público atuar no processo falimentar para evitar que o credor utilize-se do instituto da falência como substitutivo da Ação de Cobrança, como parte de suas funções institucionais.



72. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO


I. Argumentos a favor

Prerrogativas funcionais: 

A possibilidade de instauração de procedimento investigatóroi por parte do MP se enquadra no espectro de suas funções institucionais.

“Embora a Constituição Federal assegure caber às polícias judiciárias a investigação das infrações penais (art. 144), é bem de ver que tal tarefa não foi cometida exclusivamente às autoridades policiais, cuidado o próprio constituinte de atribuir funções investigatórias, por exemplo, ao Ministério Público.” (Eugênio Pacelli de Oliveira )
Segundo o mesmo autor, “a legitimação do parquet para a apuração de infrações penais tem, de fato, assento constitucional, nos termos do disposto no art. 129, VI e VIII da CF, regulamentado no âmbito do Ministério Público Federal, pela Lei Complementar nº. 75/93, consoante o disposto nos arts. 7º e 8º. Também o art. 38 da mesma Lei Complementar nº 75/93 confere ao parquet a atribuição para requisitar inquéritos e investigações. Na mesma linha, com as mesmas atribuições, a Lei nº. 8.625/93 reserva tais poderes ao Ministério Público dos Estados.”
“A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito. - A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o "dominus litis", determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua "opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes.” (STF, 2ª Turma, HC 89837 - *ainda não há manifestação do Plenário neste sentido )
Dispositivos legais que asseguram a possibilidade de o MP requisitar e também realizar, segundo a doutrina e a jurisprudência, providências investigatórias, eis que é o dominus litis:

Constituição da República
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
(...)
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

A Lei Complementar nº 75/93
Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:
I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos;
II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;
III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;
VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
IX - requisitar o auxílio de força policial.
§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal.
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.
§ 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa.
§ 4º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.
§ 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada.

[...]
Art. 38. São funções institucionais do Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, incumbindo-lhe, especialmente:  
[...]
II - requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas;

Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: 
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;
III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;
V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;

Lei Orgânica Estadual do MPSC – LC 197/2000
Art. 83. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
(...)
V - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observando o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;

2) A inexistência de exclusividade da função penal investigatória:

A Constituição da República de 1988 não atribui a função de investigação criminal com exclusividade ao Órgão Policial. Esta previsão encontra eco inclusive no Código de Processo Penal, que em seu art. 4ª estabelece que a competência de polícia judiciária atribuída às autoridade policiais não exclui a de autoridades administrativas, a quem pode ser atribuída a mesma função. No caso, o que se veda, como já visto no trecho do HC 89837, da lavra do Min. Celso de Mello, é que o Ministério Público tome para sai a presidência do Inquérito Policial, esta sim exclusiva do delegado de polícia.

“A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. - O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de "dominus litis" e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a "opinio delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes (HC 89837)

3)Tese dos poderes implícitos:

Quando a Constituição prevê a privatividade da ação penal pública ao Ministério Público, e mais ainda quando lhe confere o poder de requisitar informações e documentos para instruir procedimentos administrativos, está, “a todas as luzes, autorizando o exercício direto da função investigatória a quem é o verdadeiro legitimado à persecução penal. Por que aquele a quem se atribui o fim não poderia se valer dos meios adequados?” (Pacelli)

“Há princípio basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia.” (STF – 2ª Turma; RE 468523/SC, em 01/12/2009). No mesmo sentido, RE 535478/SC.

4) O inquérito policial é dispensável, segundo o Código de Processo Penal

O inquérito policial é procedimento preparatório para apurar materialidade e indícios de autoria de crimes, destinados a formar a opinio delicti do Ministério Público, seu detentor. O Código de Processo Penal, nos arts. 12 e 39, §5º, deixa clara a dispensabilidade do IP.
A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. - Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes. (HC 89837)

5) Controle interno e externo (jurisdicional) da atuação do Ministério Público:

Há possibilidade de controle da atuação do Ministério Público quando realizar procedimentos investigatórios, o que afasta o argumento da potencial abusividade desta sua atuação, eis que não se impede que o Judiciário realize o devido controle, mormente à luz dos princípios processuais penais traçados na CF/88 e dos direitos fundamentais.

“CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO "PARQUET", O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. - O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova "ex propria auctoritate", não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio ("nemo tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.). - O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. - O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório.” (HC 89937)

II. Argumentos contrários

Argumentos enumerados e refutados pelo Prof. Eugênio Pacelli, em cuja doutrina foi elaborada a produção deste ponto.

1) Privatividade da função de investigação criminal à Polícia:
A Constituição da República, neste ponto, não atribui nenhuma exclusividade para investigações criminais a cargo da Polícia, como o faz, por exemplo, ao estabelecer que a Ministério Público compete, privativamente, o exercício da ação penal de iniciativa pública.
Corrobora este argumento o fato de que com o Código de Processo Penal também se admitem investigações criminais administrativas, não excluídas pela função de polícia judiciária a cargo das autoridades policiais. Neste contexto, portanto, é que se inserem as investigações criminais a cargo do Ministério Público, que, como ensina Pacelli, deverão ter curso por meio de regular procedimento administrativo.

2) Admitida a ausência da citada privatividade, a exigência de expressa previsão legal a autorizar a atuação investigatória do Ministério Público:
Como disposto anteriormente, esta possibilidade decorre do próprio rol constitucional de atribuições do MP, e do fato de ser o titular exclusivo da ação penal pública de iniciativa pública, e detentor da opinio delicti, o que dispensa a previsão expressa de lei autorizando. 
Entretanto, muito embora inexista tal lei, no sentido formal, que diga expressamente que o MP pode fazer investigações criminais, o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso da atribuição constitucional de expedir atos regulamentares (art. 130-A, § 2º, inciso I). regulamentou a matéria através da Resolução nº. 13, de 02 de Outubro de 2006, que instituiu o denominado “Procedimento Investigatório Criminal”.
No âmbito do MPSC, há o ATO CONJUNTO N. 01/2004/PGJ/CGMP. (bom dar uma boa lida nestes dois atos normativos!!)
Nestes dois documentos, está definido o “PIC” como:

Resolução nº 13/2006:

Art. 1º. O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.

Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.

Trata-se ainda de procedimento escrito (arts. 9º e 10º do Ato 01/2004) e público, salvo disposição legal em contrário ou por razões de interesse público. O sigilo das investigações, sem prejuízo do disposto na Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994,poderá ser decretado pelo presidente do procedimento investigatório criminal, por decisão fundamentada, quando a elucidação do fato o exigir (arts. 15 e 16 do Ato 01/2004).

3) O exercício abusivo por parte do Ministério Público quando executa investigações: 
Segundo Pacelli, “argumento novo, muito em voga atualmente, mas, como regra, defendido pelos mandatários públicos e/ou administradores públicos, compreensivelmente incomodados com a atuação do Ministério Público.”
Como visto, esta atuação está sujeita a controle interno e externo, tanto a cargo do CNMP como do Judiciário (no tocante aos princípios e garantias constitucionais).


OBSERVAÇÃO:

Um tema interessante, dentro de suas atribuições investigativas, que penso que deve ser lido por nós é a possibilidade de o Ministério Público, com fulcro no art. 8º da Lei Complementar 75/93, poder, por requisição, quebrar sigilo fiscal de investigado.
Sobre este tema, recomendo a leitura do material que obtive no próprio site do MPSC, no link publicações técnicas, sobre Moralidade Administrativa, que se refere a uma pesquisa sobre este tema, a partir da página 43 do Vol. 2.


73. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E PRISÕES PROCESSUAIS
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
A Constituição da República Federativa do Brasil consagrou em seu texto, direitos fundamentais, entre eles, os chamados direitos de primeira geração ou dimensão, que são os direitos de defesa do cidadão em face do Estado.
No artigo 5º, LVII, da Constituição da República, está consagrado que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Referida previsão constitucional alberga o denominado princípio da presunção de inocência, ou, também chamado por parte da doutrina e da jurisprudência de princípio da não culpabilidade ou da não-culpa.
Este princípio retrata a garantia do indivíduo contra o poder punitivo estatal, assegurando-lhe não ser tratado como culpado, ou, como presumidamente inocente, até que seja proferida condenação definitiva. Assim sendo, daí decorre, entre outras, a regra de que não cabe ao acusado fazer prova de sua inocência, mas sim, a acusação comprovar a sua culpabilidade.
PRISÕES CAUTELARES
A regra no direito brasileiro é de que durante as fases pré-processual e processual o indiciado ou acusado permaneça em liberdade, sendo a prisão, exceção e, portanto, só possível naqueles casos previstos em lei.
As espécies de prisões cautelares são:
a) prisão em flagrante;
b) prisão temporária;
c)prisão preventiva.
Ainda, cabe mencionar a prisão administrativa e a decorrente de pronúncia, porém, estas não são compatíveis com o atual ordenamento jurídico.
PRISÃO EM FLAGRANTE
A prisão em flagrante está prevista no artigo 5º, LXI, da Constituição da República e a partir do artigo 301 do CPP.
O flagrante pode ser:
- próprio: quando o agente está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la;
- impróprio: quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração;
- presumido: quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
A prisão em flagrante, em razão de sua natureza, independe de mandado judicial, podendo ser executada pelas autoridades policiais e seus agentes (flagrante obrigatório) ou por qualquer do povo (flagrante facultativo).
Há corrente doutrinária que entende que o flagrante não seria uma espécie de prisão cautelar, mas sim apenas um estado em que o agente se encontra, devendo, após o recolhimento do conduzido ao cárcere ser decretada uma das espécies de prisão cautelar (temporária ou preventiva), se for o caso, ou, não sendo, ser colocado o agente em liberdade.
De acordo com esta corrente, a prisão em flagrante seria uma prisão pré-cautelar.
PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária está prevista na Lei 7.960 de 1989.
De acordo com o artigo 1º desta lei, caberá prisão temporária nos seguintes casos:
- quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
- quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
- quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Observação: A referida Lei traz este rol de delitos em que é cabível a prisão temporária, porém é preciso ficar atento, pois, alguns dos crimes previstos não mais existem em seus respectivos artigos, ou porque foram objeto de “abolitio” ou porque passaram a ser previstos em dispositivo referente a outros crimes.
Além dos crimes acima previstos, que constam do rol do artigo 1° da Lei 7.960, de 1989, o entendimento que prevalece é de ser cabível a prisão temporária para todos os crimes hediondos e equiparados, em razão da previsão constante no artigo 2°, § 4º, da Lei 8.072, de 1990.
A prisão temporária só é possível na fase pré-processual, ou seja, na fase do inquérito policial ou outra forma de investigação. 
Não pode ser decretada de ofício pelo juiz. É preciso de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.
O prazo é de 5 dias, podendo ser prorrogada por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. No caso de crimes hediondos e equiparados, o prazo será de 30 dias, também podendo ser prorrogado nos mesmos moldes mencionados.
PRISÃO PREVENTIVA
O regramento da prisão preventiva está disposto no Código de Processo Penal, a partir do artigo 311.
Esta espécie de prisão poderá ser decretada para:
- garantia da ordem pública;
- garantia da ordem econômica;
- conveniência da instrução criminal;
- para assegurar a aplicação da lei penal.
Nas hipóteses acima mencionadas, caberá a prisão preventiva desde que haja prova da materialidade e indícios suficientes de autoria.
É cabível tanto na fase pré-processual quanto na fase processual, podendo ser decretada mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou mediante representação da autoridade policial. Também pode ser decretada de oficio pelo juiz, porém, conforme doutrina majoritária, apenas na fase processual, pois, a sua decretação de ofício na fase pré-processual implicaria na perda de imparcialidade do juiz e mácula ao sistema penal acusatório.
De acordo com o CPP, não é possível a decretação nos crimes culposos, só sendo admitida nos crimes dolosos.
Desaparecendo os motivos que autorizaram a decretação da prisão preventiva, deverá ser revogada, podendo ser novamente decretada se sobrevierem razões que a justifiquem.
74. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AS PRISÕES CAUTELARES.
A respeito da compatibilidade entre o princípio da presunção de inocência e as prisões cautelares, há dois posicionamentos antagônicos.
Conforme o primeiro entendimento, a previsão constitucional do princípio da presunção da inocência impede a decretação de qualquer tipo de prisão antes da condenação transitada em julgado, seja a que título for. Para os defensores desta linha de pensamento, as prisões cautelares são inconstitucionais, uma vez que levam ao cárcere e submetem as suas nefastas conseqüências pessoas que ao final do processo podem ter por comprovada a sua não culpabilidade.
Lado outro, há entendimento majoritário, inclusive adotado pelo Supremo Tribunal Federal, de que este dois institutos são compatíveis, visto que seus fundamentos são diversos.
O princípio da presunção de inocência põe a salvo o indivíduo, ou seja, o garante face ao poder punitivo estatal.
De acordo com este princípio, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, decorrente de devido processo legal, em que assegurado o contraditório e a ampla defesa, o Estado não pode executar punições. Ao cárcere, não havendo outro fundamento legal, só poder ser levado o condenado definitivo.
As prisões cautelares não possuem como fundamento a execução antecipada de condenação. Seu fundamento está previsto em lei, a depender de cada espécie, tendo como fim último a função garantidora.
Desta forma, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, o ordenamento brasileiro só permite a prisão como função garantidora e não com função punitiva.
Assim sendo, os dois institutos se compatibilizam exatamente naquilo em que divergem, qual seja, sua função, visto que a prisão cautelar não tem função punitiva e o princípio da presunção de inocência garante a não punição antecipada.
ATENÇÃO: o texto foi elaborado de acordo com o atual regramento das prisões previstos no CPP, visto que de acordo com o edital as inovações legislativas que ainda não estejam em vigor não serão objeto de indagações.
Entretanto, como no grupo já vi que estão todos sabendo da modificação legislativa, também acho interessante que estudemos estas alterações, pois, é um prato cheio para cair na prova.
Princípios e diretrizes que norteiam o direito social e fundamental à saúde
A Constituição Federal de 1988 trouxe um importante papel para o direito à saúde no Brasil, reconhecendo-o como um direito social fundamental, previsto no caput do artigo 6°.
Ao dispor sobre a Ordem Social, a Carta Magna estabeleceu expressamente, nos incisos I, II e III do artigo 198, como diretrizes do Sistema Único de Saúde, a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade. No caput dos artigos 196 e 198, encontram-se princípios não registrados explicitamente, mas que foram explicitados posteriormente na Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90), quais sejam: a saúde como direito de todos e dever do Estado, a regionalização e a hierarquização das ações e serviços de saúde, e a unicidade do sistema de saúde.
A referida Lei Orgânica, por sua vez, reservou um capítulo para tratar dos princípios e diretrizes que norteiam o direito à saúde. Dispõe o artigo 7° que as ações e serviços de saúde são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição, obedecendo ainda os princípios enumerados em seus treze incisos. Ainda, em outros dispositivos da lei n° 8.080/90, também é possível encontrar outros princípios e diretrizes do sistema.
Cabe aqui fazer uma breve explicação sobre alguns desses princípios e diretrizes.
13. A SAÚDE COMO DIREITO: a qualificação da saúde como direito fundamental significa, para a administração pública, a responsabilidade de elaborar programas que garantam o acesso à saúde; para a população, a possibilidade de exigir a consecução desse direito sempre que ele for negado.
14. UNICIDADE: as ações e os serviços de saúde operacionalizados por vários ministérios, institutos, fundações, autarquias e agências devem ser vinculados à administração direta das três esferas de governo e compatibilizados com as competências e atribuições da gestão de cada uma, em contraposição ao insucesso do modelo de saúde vigente até 1988, que era operacionalizado por uma multiplicidade de órgãos e resultou em prejuízos econômicos e sociais.
15. UNIVERSALIDADE: trata da possibilidade de atenção à saúde a todos os brasileiros, conforme a necessidade. Está relacionada à gratuidade no acesso aos serviços, independentemente de nacionalidade, classe social ou contribuição para o Fundo Nacional de Saúde, para aqueles que precisarem de um serviço de atendimento à saúde. Para concretização do princípio, a administração pública deve adotar um planejamento, com realização de estudos e propostas de solução dos problemas existentes em cada comunidade, possibilitando a atenção à saúde de todos os que necessitam.
16. INTEGRALIDADE: o cidadão tem direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação de risco ou agravo, utilizando ou não os insumos, medicamentos e equipamentos. O que define o atendimento deve ser a necessidade das pessoas.
17. IGUALDADE: o poder público deve oferecer condição de atendimento igual para todos, especialmente ao não permitir a diferenciação entre usuários pagantes e usuários do Sistema Único de Saúde. O que deve determinar o tipo e a prioridade do atendimento é a demanda e o grau de complexidade da doença, e não a condição socioeconômica dos usuários.
18. PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA: os serviços de saúde devem proteger e cuidar do usuário contra qualquer adversidade, possibilitando sua reabilitação física para que retome sua capacidade de mobilizar-se, autocuidar-se e realizar as atividades cotidianas que deseja.
19. DIREITO À INFORMAÇÃO: os usuários do sistema de saúde podem, a qualquer tempo, ter acesso a seus prontuários, a informações sobre as hipóteses de diagnóstico, tratamento e prognóstico de seus males, além de serem orientados e esclarecidos sobre os benefícios e os riscos de todos os procedimentos diagnósticos e terapêuticos possíveis de serem adotados.
20. DESCENTRALIZAÇÃO: o modelo anteriormente vigente no Brasil era da centralização das ações e serviços de saúde nas esferas Federais e Estaduais, e que redundava em relações de trabalho burocratizadas e desvinculação dos serviços com a comunidade. Com a descentralização dos serviços para os municípios, surge a possibilidade de se elaborarem projetos mais compatíveis com cada realidade, e a probabilidade efetiva da comunidade interferir na concepção, implementação e funcionamento do sistema.
21. REGIONALIZAÇÃO: a organização das ações e serviços de saúde deve considerar a distribuição da população nas regiões, a realidade epidemiológica e social de cada uma, e os meios de locomoção e transporte existentes. Para facilitar a regionalização, os municípios podem constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e serviços de saúde.
22. HIERARQUIZAÇÃO: a hierarquização em níveis de complexidade dos serviços deve ocorrer dentro do sistema de saúde como um todo, havendo um diálogo de cada estabelecimento com a rede de saúde local, e não apenas uma hierarquização interna, dentro de um mesmo estabelecimento.
23. RESOLUBILIDADE: as equipes de trabalho devem ser capazes de identificar a sua utilidade prática e sua missão institucional no sistema, de modo que caso uma unidade não tenha condições de solucionar determinada situação, saiba onde se pode solucioná-la, providenciando o encaminhamento do usuário.
24. HUMANIZAÇÃO: responsabilização mútua e compromisso entre os serviços de saúde e a comunidade, estabelecendo-se um vínculo entre as equipes de saúde e a população.
25. INTERSETORIALIDADE: o gestor da saúde deve participar da formulação e execução das ações relacionadas aos fatores determinantes e condicionantes da saúde – tais como a alimentação, a moradia, o meio ambiente e o saneamento básico – influenciando os governos na implementação de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida e de saúde das pessoas.
26. PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE: democratização do conhecimento do processo saúde/doença e dos serviços.
27. FINANCIAMENTO SOLIDÁRIO: com recursos do orçamento da seguridade social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
28. APLICAÇÃO MÍNIMA DOS RECURSOS: a Constituição prevê a obrigatoriedade da aplicação mínima de recursos na saúde, estipulando a possibilidade de intervenção da União nos Estados e dos Estados nos Municípios em caso de descumprimento.
29. PLANEJAMENTO ASCENDENTE: o planejamento inicia-se no nível local e termina no nível federal.
30. CONTROLE SOCIAL: à sociedade é assegurado interagir com o poder público, participar da formulação das políticas de saúde e fiscalizar a execução e a utilização de recursos.

O Ministério Público possui papel fundamental nessa seara, pois é incumbido de zelar para que os Poderes Públicos e serviços de relevância pública – entre eles os serviços e ações de saúde – observem os direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia. 
Para a concretização desses princípios e diretrizes, o membro do Ministério Público tem em suas mãos importantes instrumentos capazes de auxiliar na busca do exercício pleno do direito à saúde. Para isso, pode auxiliar na articulação dos Conselhos de Saúde, para assegurar a real participação comunitária na gestão da saúde, pode instaurar procedimentos extrajudiciais, como inquéritos civis e procedimentos de investigação preliminar, ou ajuizar medidas judiciais ligadas ao atendimento em saúde, ao acesso a medicamentos, a tratamentos especializados, enfim, a todos os recursos destinados à promoção, proteção ou à recuperação da saúde.





Fontes:

“Direito sanitário e saúde pública”. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde; Márcio Iorio Aranha (Org.) – Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

 “Da efetivação do direito à saúde no Brasil” – http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9037

“O Direito à Saúde e o Ministério Público” - http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:pEjpqAVfmQMJ:www.mp.pe.gov.br/uploads/p1KdxISyI758jG-2x2XOxQ/78Arwms7zZxEEvAJeVV0RA/Direito__sade_e_Ministrio_Pblico_-_Cristiane_Barreto.doc+direito+%C3%A0+sa%C3%BAde+minist%C3%A9rio+p%C3%BAblico&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShjgllNdL6Uh_Dj5XwikG4k-5h22IV3HwiAtCkK9h9HYUcP5yd-UGJbS9OewvW7ID2_pVqP81lssbZNfkAsugwOS6LZw5oXqkObUyiS-OnMAxnwJWecVACej0HoxQNelkAAdvlw&sig=AHIEtbSeNObnIsMwn8JwTKJN7MsAIdK3Sw
75. A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E O MINISTÉRIO PÚBLICO
O tema sorteado para a apresentação oral do candidato é “A Propaganda Eleitoral Antecipada e o Ministério Público”.
Inicialmente, para contextualizar o tema abordado, importante salientar que, de acordo com a previsão do art. 127 da Constituição Federal, o Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Desta maneira, cumpre ao Ministério Público exercer as funções que lhe forem legalmente conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade.
No que toca especificamente à atuação do Ministério Público no processo eleitoral, em cada Zona Eleitoral funciona o Promotor Eleitoral, membro do Ministério Público Estadual, com atribuições junto ao Juiz incumbido da função eleitoral. Neste caso Promotor Eleitoral exerce funções do Ministério Público Federal por delegação legal, daí que suas atribuições são aquelas definidas na Lei Complementar nº 75/93.
A partir da Constituição Federal de 1988 a atuação do Ministério Público tornou-se indispensável em toda e qualquer fase do processo eleitoral. 
Desta maneira, o Ministério Público Eleitoral atua nas atividades meramente administrativas:
- alistamento eleitoral
- nomeação de mesários
- designação de local de votação
- diplomação
E também nas jurisdicionais propriamente ditas:
- impugnação ao registro de candidatura
- representação
- investigação judicial
- impugnação de mandato eletivo
No que concerne à propaganda eleitoral, o Promotor de Justiça deve dar início a sua atuação mesmo antes da deflagração oficial da campanha. Isto porque alguns candidatos dão início à sua campanha muito antes do período permitido pela Lei Eleitoral.
De acordo com o art. 36, caput, da Lei 9.504/97, a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição, ou seja, a partir do dia 06 de julho.
A propaganda eleitoral consiste nas ações de natureza política e publicitária desenvolvidas pelos candidatos, de forma direta ou indireta, com apelos explícitos ou de modo disfarçado, destinadas a influir sobre os eleitores, de modo a obter a sua adesão às candidaturas e, por conseguinte, a conquistar o seu voto.
O Tribunal Superior Eleitoral vem interpretando o significado do termo "propaganda eleitoral" como uma manifestação levada a conhecimento geral que tenha a pretensão de revelar ao eleitorado, simultaneamente: o cargo político cobiçado pelo candidato; suas propostas de ação para o cargo; e a aptidão do candidato ao exercício da função pública.
Especificamente no que diz respeito à propaganda eleitoral antecipada, ou seja, aquela realizada antes do dia 6 de julho do ano das eleições, o representante do Ministério Público poderá adotar as seguintes medidas: 
- Reunir-se com os dirigentes partidários logo no início do ano eleitoral, advertindo-os para a necessidade de orientar seus filiados no sentido de não iniciarem a propaganda antes do tempo fixado por lei;
- Expedir recomendações e avisos escritos aos candidatos e partidos; e
- Havendo violação da norma, deve acionar a Justiça Eleitoral buscando sua imediata suspensão da propaganda e aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º da Lei 9.507-4/97, no valor de 20.000 a 50.000 UFIR por meio de REPRESENTAÇÃO ao Juiz competente.
A atuação do Ministério Público no que respeita à propaganda antecipada é de extrema importância, não somente porque lhe cumpre prevenir as condutas ilegais, por meio de orientação e expedição de recomendações aos partidos e candidatos, como também porque, ao lado dos partidos políticos, é o órgão competente para propor a representação por violação às normas eleitorais.
Assim, conclui-se que, no que diz respeito à propaganda eleitoral antecipada, o Ministério Público possui amplos instrumentos para atuar como defensor natural do interesse público, consistente em garantir que cada cidadão possa votar livremente e o resultado das urnas coincida com a vontade popular e, deste modo, ajuda a garantir a lisura do processo eleitoral como pressuposto da observância da ordem jurídica e da manutenção do regime democrático de direito.
Fontes de pesquisa:
http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/caocif/eleitoral/dourinas/artigos/o_papel_do_ministerio_publico_eleitoral.pdf
http://www.tse.gov.br/internet/CatalogoPublicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorais_v5-n1.pdf#page=38
http://www.tresc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/ejesc/documentos/publicacoes/a.doc
76. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Segundo o sistema jurídico vigente, a maioridade penal se dá aos 18 anos de idade. Essa norma encontra-se inscrita em três Diplomas Legais: 1) artigo 27 do Código Penal; 2) artigo 104 caput do Estatuto da Criança e do Adolescente; 3) e artigo 228 da Constituição Federal
Como a inimputabilidade penal antes dos 18 anos, portanto, está prevista na Constituição, a pretendida mudança só poderia ser efetivada pela via da Emenda Constitucional. 
Há juristas defensores da impossibilidade da reforma constitucional, pois entendem que se trata de direito individual que é imune à mudança pela Emenda, nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, da CF/88. Este é o primeiro obstáculo para a mudança do art. 228 da C.F., pois, para estes juristas, trata-se de cláusula pétrea, somente podendo ser alterada por nova Assembleia Constituinte.
O nosso sistema penal adotou o sistema biológico, pelo qual a simples condição de menoridade pressupõe a incapacidade para compreender com plenitude o caráter ilícito da infração penal praticada.
Em países como Estados Unidos e Inglaterra não existe idade mínima para a aplicação de penas. Nesses países são levadas em conta a índole do criminoso, tenha a idade que tiver, e sua consciência a respeito da gravidade do ato que cometeu. Em Portugal e na Argentina, o jovem atinge a maioridade penal aos 16 anos. Na Alemanha, a idade-limite é 14 anos e na Índia, 7 anos.
Os defensores da redução da maioridade penal acreditam que os adolescentes infratores não recebem a punição devida. Para eles, o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito tolerante com os infratores e não intimida os que pretendem transgredir a lei. Argumentam que, se a legislação eleitoral considera que o jovem de 16 anos com discernimento pode votar, ele tem também tem idade suficiente para responder diante da Justiça por suas infrações, pois tal fato demonstra que nessas condições ele já possui maturidade plena, sendo o exercício da maioridade eleitoral, inclusive, mais complexo.
Parte dessa corrente defende uma solução, pode-se dizer, mista, no sentido de condicionar a responsabilização à comprovação do desenvolvimento intelectual e emocional do adolescente entre 16 e 18 anos. Passaria a ser adotado, neste contexto, o sistema biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou misto), pelo qual as pessoas nessa faixa etária necessariamente deveriam ser submetidas a avaliação psiquiátrica e psicológica para aferir o seu grau de amadurecimento. O meio para a obtenção dessa conclusão é a perícia.
Das seis propostas de redução da maioridade penal que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado avalia, quatro reduzem a maioridade de 18 para 16 anos, e uma para 13 anos, em caso de crimes hediondos. Há ainda uma proposta de emenda constitucional (PEC), do senador Papaléo Paes (PSDB-AP) que determina a imputabilidade penal quando o menor apresentar "idade psicológica" igual ou superior a 18 anos.
Os que combatem as mudanças na legislação para reduzir a maioridade penal acreditam que ela não traria resultados na diminuição da violência e só acentuaria a exclusão de parte da população. Como alternativa, eles propõem melhorar o sistema socioeducativo dos infratores, investir em educação de uma forma ampla e também mudar a forma de julgamento de menores muito violentos. Alguns defendem mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer regras mais rígidas, como por exemplo o aumento do limite do prazo de internação para 10 anos. Outros dizem que já faria diferença a aplicação adequada da legislação vigente.
A pergunta que deve ser feita, portanto, é: a redução da maioridade penal, realmente, é um fator de redução para a violência? E, ainda: com essa medida continuariam preservados os direitos das crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento?
Em todo esse contexto, o Ministério Público, na condição de órgão que tutela os direitos dessas pessoas, possui atuação de grande relevância, e deve procurar aliar os dois fatores citados. 
Deve ser buscada, assim, uma aplicação rigorosa e sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente, que poderia receber, sim, a adição de normas que tornassem suas medidas mais efetivas e, em alguns casos, até mais rigorosas.
Para os que defendem, em absoluto, a redução da maioridade penal, uma pergunta muito importante deve ser feita: o Brasil possui, atualmente, condições concretas de superlotar ainda mais seus estabelecimentos prisionais? Caso a resposta seja positiva, essa continuidade de lotação reduziria efetivamente a violência, com condições para reintegrar à sociedade os detentos?
Para finalizar, uma observação. Qualquer medida que se pretenda tomar deve estar de acordo com o que o Estado tem condições de oferecer e suportar.
Fontes:
- http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas-respostas/maioridade penal/index.html;
- www.ipepe.com.br/idade.html;
- http://jus.uol.com.br/revista/texto/3374/reducao-da-maioridade-penal

77. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AFASTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO - PODER GERAL DE CAUTELA



A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – Lei nº 8.429/1992, a par das sanções cominadas aos atos considerados ímprobos (Art. 12), prevê basicamente três modalidades de medidas cautelares:

A indisponibilidade de bens (Art. 7º);
O sequestro de bens (Art. 16); e
O afastamento do agente (Art. 20, parágrafo único).

Conforme o disposto no caput do Art. 20 da LIA, a efetiva perda da função pública só pode ser decretada com o trânsito em julgado da sentença, em se tratando de processo deflagrado com o objetivo de apurar ato de improbidade administrativa.

O afastamento, contudo, segundo a dicção do dispositivo em comento, serve para garantir o bom andamento da instrução processual. O afastamento pode ser determinado pela autoridade judicial ou administrativa, dependendo de se tratar de procedimento administrativo disciplinar ou processo judicial por improbidade. Além do que, referido afastamento se dá sem prejuízo da remuneração do agente. E não há prazo previsto na lei para a duração do afastamento, mas levando-se em conta a razoabilidade e os motivos que ensejaram a aplicação da medida, deve durar enquanto for necessário, perdendo a eficácia quando desaparecerem os motivos determinantes de sua aplicação.

Ponto interessante versa sobre a possibilidade de se afastar (judicialmente) o agente político, titular de mandato eletivo. Aqui há divergências. De um lado, existem doutrinadores que sustentam a impossibilidade do afastamento do agente político. Para esta corrente, não seria possível tal afastamento por mera decisão cautelar, pois o detentor de mandato concedido pelo povo teria mais garantias para o despojamento do cargo, tendo em vista tratar-se de questão relativa à própria organização do Estado. Além do mais, sustentam que a previsão do Art. 2º da LIA (que até fala em “mandato”) não teria sido específica quanto ao mandato eletivo. De outro lado, os que defendem a aplicação irrestrita do afastamento, argumentam que a LIA não fez distinção entre os sujeitos passivos do afastamento (Art. 2º fala em mandato, que seria o eletivo). Esta última posição é majoritária tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

A questão central deste tema, todavia, refere-se à imbricação entre a medida de afastamento do agente ímprobo e o poder geral de cautela do juiz nas ações de improbidade. Assim, exsurgem entendimentos segundo os quais o julgador estaria autorizado a utilizar do poder geral de cautela, previsto no Art. 798, CPC, para determinar as medidas pertinentes e cabíveis nessas demandas.

O fundamento de aplicação do poder geral de cautela estaria espraiado pela LIA. Ela, em diversos dispositivos, prevê a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC, bem como preconiza medidas cautelares, com supedâneo nos dispositivos do CPC que tratam das cautelares. Tudo aliado à comunicação da LIA com LACP (Lei de Ação Civil Pública – 7.347/1985, em seu Art. 12).

Por exemplo, a teor exato da lei (art. 20, parágrafo único), o afastamento só poderia ser determinado, se amparado na interferência prejudicial do agente na instrução processual. Tal situação necessita, segundo a jurisprudência, de prova de fatos concretos de que o agente estaria, de algum modo, atrapalhando o bom andamento do processo. É uma restrição demasiada à aplicação do mencionado instituto.

Desta feita, de acordo com esta moderna visão, o juiz poderia, por exemplo, determinar o afastamento do agente por outros fatos, além daquele específico previsto na LIA. Os defensores desta tese dão como exemplo o fato de o agente, com sua conduta ímproba, causar grande descrédito nas instituições públicas, servindo o afastamento para garantir a ordem pública. Já existem, inclusive, julgados nesse sentido. Tal entendimento amplia o espectro da medida cautelar de afastamento, protegendo melhor o interesse público envolvido, especialmente a moralidade.

É aqui que entra o Ministério Público, como órgão deflagrador de tais medidas.


78. LEI MARIA DA PENHA
De início é importante que se registre que a violência doméstica tem ceifado a vida de muitas mulheres, com motivação abjeta, e por meios extremamente crués, sendo recorrentes as desconfianças e supostas traições, o alcoolismo, o uso de drogas, ou simplesmente o caráter violento do agressor e, no âmago da questão, o machismo exacerbado. 
Além disso, em muitos casos a mulher não é vítima isolada no contexto familiar. É alarmante a freqüência dos abusos sexuais perpetrados contra meninas pelos próprios pais biológicos ou por padrastos e parentes próximos no âmbito doméstico. Estudos científicos demonstram a gravidade e a irreversibilidade dos danos causados à saúde física e mental das vítimas, submetidas às mais repugnantes prática e a alviltantes perversões dentro de suas próprias casas. 
Vê-se, assim, que a violência doméstica é tema a ser tratado com seriedade. Atendendo-se ao preceito insculpido no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, no qual prevê que o Estado criará mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, em 7/8/2006, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n. 11.340/2006, chamada Maria da Penha, que cria mecanismos de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 
Há quem sustente mais de uma inconstitucionalidade da lei, na tentativa de impedir sua vigência ou limitar sua eficácia. Até o fato de ela direcionar-se exclusivamente à mulher é invocado, como se tal afrontasse o princípio da igualdade, uma vez que o homem não pode ser o sujeito passivo. 
No entanto, o modelo conservador da sociedade, que coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão, é que a torna vítima da violência masculina. Ainda que os homens possam ser vítimas da violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Aliás, é exatamente para dar efetividade ao princípio da igualdade que se fazem necessárias equalizações por meio de ações afirmativas. Daí o significado da lei: assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial. 
Também não há inconstitucionalidade no fato de a lei definir competências. Ao assim agir, não transbordou seus limites. Como foi excluída a incidência de lei que criou juízo especial (art. 41), a definição da competência deixa de ser da esfera de organização privativa do Poder Judiciário (CF/88, 125, § 1º). Deste modo, não há como questionar a constitucionalidade da exclusão levada a efeito, atentando ao vínculo afetivo dos envolvidos. 
Os benefícios trazidos pela lei são significativos e de vigência imediata. Destaca-se a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal (art. 14), com possibilidade de funcionamento em horário noturno, a fim de garantir acesso a todos (art. 14, parágrafo único), bem como contando com o apoio de equipe de atendimento multidisciplinar, formado por profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29), além de curadorias e serviço de assistência judiciária (art. 34). 
Foi criada nova hipótese de prisão preventiva (o art. 42 acrescentou o inciso IV ao art. 313 do CPC): “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Com isso, a possibilidade da prisão preventiva não mais se restringe aos crimes punidos com reclusão. 
Um dos mecanismos mais importantes de coibição da violência foi a possibilidade da polícia judiciária, mediante registro da ocorrência, desencadear um leque de providências: proteção à vítima, encaminhamento ao hospital, fornecimento de transporte para lugar seguro e acompanhamento para retirar seus pertences do local da ocorrência (art. 11). Cabe ainda à polícia tomar por termo o pedido de providências protetivas urgentes (art. 12, § 1º) e a representação da ofendida no caso de ação penal pública condicionada (art. 12, I), além de poder solicitar a prisão preventiva do agressor (art. 20). 
O pedido de medidas urgentes será remetido em expediente apartado ao Juízo, no prazo de 48 horas (art. 12, III), fazendo-se necessária somente a ouvida da ofendida, bastando, para o esclarecimento dos fatos e sua circunstância, ser anexadas as provas que estejam disponíveis e na posse da ofendida (art. 12, § 2º).     
O Juiz da Vara Criminal, enquanto não instalados os juízos especializados, pode deferir as medidas cautelares em sede liminar, designar audiência de justificação ou indeferi-las de plano. Para garantir segurança à vítima e seus familiares é possível, de ofício, determinar o que entender de direito. 
As medidas que obrigam o agressor são: afastamento do lar, recondução da ofendida e seus dependentes, impedimento de que se aproxime da casa, fixando limite mínimo de distância, vedação de que se comunique com a família, suspensão de visitas, encaminhamento da mulher e dos filhos a abrigos seguros, fixação de alimentos provisórios ou provisionais (art. 22). Estão previstas medidas que protegem a ofendida, tais como a restituição de bens que lhe foram indevidamente subtraídos, suspensão de procuração outorgada ao agressor e proibição temporária da venda ou locação de bens comuns (art. 24). 
Por certo o tema que mais tem alimentado discussões a partir da vigência da nova lei seja sobre o delito de lesões corporais, pois, afinal, é esta a infração mais cometida no âmbito das relações que se dizem afetivas. 
A Constituição Federal determinou a criação de juizados especiais para as infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I), delegando-se à legislação infraconstitucional escolher referidos delitos. A Lei n. 9.099/95 veio dar efetividade ao comando constitucional e acabou por eleger, dentre outros delitos, a lesão corporal leve e a lesão culposa (art. 88 da Lei n. 9.099/95), limitando-se a condicionar tais crimes à representação, sem, no entanto, dar nova redação ao Código Penal. 
Porém, lei posterior e da mesma hierarquia expressamente afastou a incidência da Lei n. 9.099/95 quando a vítima é mulher e foi agredida no ambiente doméstico (art. 41 da Lei n. 11.340). A violência doméstica deixou de ser uma questão de âmbito privado subordinada ao interesse da vítima, não precisando o Ministério Público de autorização dela para proceder à denúncia. 
Portanto, está excluída do rol dos delitos de pequena e média lesividade a violência doméstica. Quando a vítima é mulher que sofreu a agressão física no ambiente doméstico, como nesta hipótese, foi afastada a égide da Lei dos Juizados Especiais, as lesões não mais podem ser consideradas de pequeno potencial ofensivo e a ação penal é pública incondicionada. O agressor responde pelo delito na forma prevista na Lei Penal, uma vez que foi restaurada a incondicionalidade para o processamento das lesões corporais.
Nesse sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1000222/DF, Sexta Turma, rela. Min. Jane Silva, j. em 23/9/2008).  
Nos crimes de ação penal pública condicionada, pode a vítima renunciar à representação (art. 16) até o oferecimento da denúncia, porém, só há dita possibilidade nos delitos que o Código Penal classifica como sendo de ação pública condicionada à representação, como os crimes contra a liberdade sexual (CP, art. 225) e o de ameaça (CP, art. 147, parágrafo único). Ressalta-se que a vítima poderá desistir da representação exclusivamente em audiência designada especialmente para tal fim, depois de ouvido o Ministério Público.
A participação do Ministério Público é indispensável. Tem legitimidade para agir como parte, intervindo nas demais ações tanto cíveis como criminais (art. 25). Também pode exercer a defesa dos interesses e direitos transindividuais (art. 37). Devem ser comunicadas ao promotor as medidas que foram aplicadas (art. 22, § 1º), podendo ele requerer outras providências (art. 19) ou a substituição por medidas diversas (art. 19, § 3º). Quando a vítima manifestar interesse em desistir da representação, deve o promotor estar presente na audiência (art. 16). Também lhe é facultado requerer o decreto da prisão preventiva do agressor (art. 20).
A efetividade da Lei Maria da Penha depende da atuação de todos os operadores jurídicos, compromissados com o objetivo precípuo de coibir a prática, tão comum em nosso país, de violência doméstica ou familiar contra a mulher. 
 
79. O MP E O CUMPRIMENTO EFETIVO DAS DECISÕES JUDICIAIS

De início, necessário mencionar que a Constituição da República qualifica o Ministério Público como sendo uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Deve o Ministério Público zelar, em suma, pelo interesse público primário. Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza jurídica da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas, referentes à instituição e sua atuação em juízo.

Consoante previsão legal e constitucional, a atuação do Ministério Público, judicialmente, ocorre ora enquanto parte, ora enquanto custos legis.

Enquanto parte, é atribuída legitimidade ao Ministério Público para a propositura de ações (notadamente, ação civil pública), que visem à tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Aqui, sua legitimidade, em regra, é extraordinária, já que atua em juízo na defesa de interesses alheios.

Nos processos cíveis em que atua como parte, possui o Ministério Público uma série de instrumentos legais à sua disposição e que visam ao efetivo cumprimento das decisões judiciais. Como exemplo, pode-se citar o requerimento de incidência de multa cominatória no caso de descumprimento da decisão judicial, seja nas antecipatórias de tutela ou nas sentenças de mérito (neste caso, chama-se a multa por descumprimento de astreinte, consoante os ensinamentos de Mazzilli) e requerimento de medidas sub-rogatórias ao juízo, dispensando-se, nesse último caso, a atuação do devedor e atribuindo-se a terceiro o resultado esperado do sujeito passivo.

Nas ações de improbidade, tem o MP a sua disposição o requerimento de indisponibilidade de bens, instrumento processual que visa a garantir a eficácia do provimento jurisdicional condenatório.

Ademais, em referidos processos, em sendo o Ministério Público a parte ativa, é certo que possui legitimidade para exigir o cumprimento das decisões judiciais, seja no processo sincrético (atualmente regra no Processo Civil) ou por meio de processo de execução autônoma. Aliás, o art. 566, II do Código de Processo Civil, Lei 7.347/85, Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente conferem-lhe referida legitimidade. 

Não obstante, há casos em que, mesmo quando o Ministério Público não atua como parte, mas como custos legis, está autorizado, ou mesmo possui o dever institucional, de promover a execução da sentença. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de Ações Coletivas  propostas por outro dos legitimados à ação civil pública, quando não executa a sentença transitada em julgado no prazo legal, consoante previsão do art. 15 da Lei n. 7.347/85, art. 216 do Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 97 do Código de Defesa do Consumidor, entre outros diplomas legais que legitimam a execução pelo Ministério Público.

Assim, na esfera cível, seja como autor ou como custos legis, possui o Ministério Público meios à sua disposição visando ao efetivo cumprimento das decisões judiciais proferidas.

No que tange à esfera criminal, é cediço ser o Ministério Público, em regra, titular da Ação Penal. Proposta uma ação penal que acarrete a imposição de pena ou medida de segurança, mesmo quando se trate de ação penal provada, incumbe ao Ministério Público fiscalizar o exato cumprimento da reprimenda irrogada pelo Juízo. É, aliás, o que dispõe o art. 67 da Lei de Execuções Penais.

Não obstante, é certo que, mesmo quando aplicada medida despenalizadora ao acusado, incumbe ao Órgão de Execução com atribuição no feito fiscalizar o efetivo cumprimento das condições impostas, como condição à transação penal ou à suspensão condicional do processo e, em caso de descumprimento, tomar as providências cabíveis (oferecendo a competente denúncia ou requerendo o prosseguimento do processo, conforme o caso).

É atribuição, pois, do Ministério Público fiscalizar o efetivo cumprimento das decisões proferidas em ações penais. 

Observe-se, ademais, que verificado o descumprimento de qualquer ordem judicial, é dever do Ministério Público, enquanto titular da ação penal, promover a responsabilização criminal do desobediente e, em se tratando de agente público nos moldes do art. 2º da Lei n. 8.429/92, também a sua responsabilização por ato de improbidade administrativa. 

Já que tratamos do papel do Ministério Público no cumprimento das decisões judiciais, importante mencionar, também, que, proferida decisão judicial em sede de controle concentrado de constitucionalidade e, verificado o descumprimento pelo Ministério Público, tem este legitimidade para propor, junto ao Supremo Tribunal Federal, Reclamação, visando à preservação da autoridade da decisão proferida pela Corte Suprema.

Registre-se, ademais, que, quando o descumprimento de ordem judicial é reputado à Administração Pública, pode o Ministério Público requerer a deflagração de processo de intervenção no ente federativo a quem incumbiria o cumprimento, consoante previsão constitucional (arts. 34, VI e 35, IV da CF).

Por fim, importante observar que é latente, na sociedade atual, a sensação de ineficiência da atividade jurisdicional ante o corrente descumprimento de decisões judiciais.

Por isso a importância da atuação do Ministério Público buscando o fiel cumprimento das ordens judiciais, até porque, assegurando a fruição de direitos declarados pelo Poder Judiciário, ampliará a sensação de concretização da justiça, efetivando seu papel de defensor do Estado Democrático de Direito.

80. RESIDÊNCIA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA
De início, necessário mencionar que a Constituição da República qualifica o Ministério Público como sendo uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Deve o Ministério Público zelar, em suma, pelo interesse público primário. Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza jurídica da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas, referentes à instituição e sua atuação em juízo.
Consoante previsão legal e constitucional, a atuação do Ministério Público, judicialmente, ocorre ora enquanto parte, ora enquanto custos legis.
Especificamente, quanto ao tema a ser tratado, importante trazer à baila as previsões legais acerca da residência do Promotor de Justiça.
A Constituição da República, a Constituição do Estado de Santa Catarina, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (n. 8.625/93), a Lei Complementar 72/93 (que dispõe sobre a organização do MPU) e a Lei Complementar Estadual 197/2000 (que dispõe sobre a organização do Ministério Público de Santa Catarina) prevêem que as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.
Ademais, a respeito do assunto, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a RESOLUÇÃO Nº 26, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2007, que disciplina a exigência constitucional de residência na comarca pelos membros do Ministério Público. 
O texto explicita a obrigatoriedade de o membro do MP morar na comarca ou na localidade onde exerce a titularidade de seu cargo, inclusive nos finais de semana.
Segundo a resolução, essa regra somente pode ser flexibilizada por autorização do procurador-geral, por meio de ato motivado, e em caráter excepcional; a autorização somente poderá ocorrer se não houver prejuízo ao serviço e à comunidade atendida e está condicionada à prévia comprovação de alguns requisitos, tais como:
– estar em conformidade com a distância máxima entre a sede da Comarca ou localidade onde exerce sua titularidade e a sede da Comarca ou localidade onde pretende fixar residência
– estar regular o serviço, inclusive quanto à disponibilidade para o atendimento ao público, às partes e à comunidade e
– estar vitaliciado.
A exigência constitucional e legal de residência do Promotor de Justiça na comarca da respectiva lotação se justifica, já que somente a presença diuturna do promotor, com sua efetiva inserção na comunidade, leva à percepção dos problemas que a afetam, possibilitando adequada tomada de providências para a tutela dos interesses difusos e coletivos. O membro do Ministério Público que se distancia física e funcionalmente da localidade onde serve pode ter dificuldades para captar, com a amplitude desejável, as situações merecedoras de intervenção da Instituição, bem como para optar, dentre os meios postos à sua disposição, pelos mais adequados à solução dos problemas que afetem a coletividade. 
Da mesma forma, justifica-se a existência de ressalva, em situações especiais, a serem apreciadas pelo Procurador Geral de Justiça, que poderá autorizar, através de ato motivado e precário, a residência fora da Comarca ou da localidade onde o membro do Ministério Público exerce a titularidade de seu cargo, podendo ouvir previamente a Corregedoria-Geral.
Isso porque há casos em que a residência do Promotor de Justiça na Comarca se torna inviável, a exemplo das situações de inexistência de imóvel adequado no local ou comprometimento da segurança do Promotor de Justiça e sua família (quanto a essa última hipótese, aqui em Santa Catarina, quando não solucionado o problema pelo órgão de segurança institucional do MPSC).
De qualquer forma, a regra é que resida o Promotor de Justiça na Comarca de exercício de suas atividades, de modo a propiciar um maior contato com a comunidade local e seus problemas, uma mais adequada percepção das necessidades de intervenção do Ministério Público visando à tutela dos interesses da coletividade, de modo a realizar suas funções institucionais, efetivando seu papel de defensor do Estado Democrático de Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
81. TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: PRINCÍPIO DO PRESERVADOR PREMIADO OU PROTETOR-RECEBEDOR
O “preservador premiado” é um princípio novo e ainda pouco mencionado pelos doutrinadores, mas que já é aplicável a alguns diplomas legais nacionais, como por exemplo a nova lei de política nacional de resíduos sólidos de 2 de agosto de 2010.
Partindo da idéia inerente ao princípio do poluidor/usuário pagador, cujo o escopo da norma é prevenir e reparar os danos, o princípio do preservador premiado ou protetor-recebedor visa estimular os indivíduos a terem uma atitude ecologicamente correta, como por exemplo incentivar empresas a fornecerem produtos e serviços que contribuam para a preservação do meio ambiente e através disto obtenham vantagens fiscais.
Tal princípio também afetará o usuário-pagador, destinatário final da cadeia de produção, pois como os produtos ecologicamente corretos terão uma tributação mais benéfica o preço final tenderá a será menor, estimulando o consumidor a utilizar o produto ou serviço mais barato e menos poluidor.
Obviamente, a solução para crise ecológica não se encontra exclusivamente na aplicação do Direito Tributário, entretanto, o tributo extrafiscal é um instrumento de grande valia para tal desiderato.
A tributação apresenta uma função além da arrecadadora de receitas, tendo também características de norma de conduta. A incidência tributária ocorre quando uma hipótese (prevista em lei) contém a descrição de um fato ou ato, que quando ocorrido ensejará a relação jurídica tributária. Assim, através de regulamento dos atos e fatos o tributo tem o poder de influenciar as condutas dos contribuintes.
A extrafiscalidade, presente na tributação para fins não fiscais, visa induzir comportamentos dos sujeitos passivos das obrigações tributárias e não propriamente financiar o Estado. Assim, a tributação extrafiscal imposta pelo Estado pode ser estimulante (incentivos e prêmios) ou desestimulante (aumento da carga tributária).
Tanto os incentivos e como os desestímulos fiscais são meios de aplicação da extrafiscalidade, que muito embora tenham efeitos de ordem financeira, estão invariavelmente intrínsecos a determinado tributo, razão pela qual a extrafiscalidade se encontra no âmbito do Direito Tributário.
Logo, o uso da extrafiscalidade dos tributos cumulada com o princípio do poluidor pagador, empregando-os de forma a incentivar atividades não poluidoras e desestimular aquelas que deterioram o meio ambiente resultariam no princípio do protetor-recebedor. Sendo que "o proprietário de um bem natural só participará para a sua conservação, à medida que os custos para evitar o dano ambiental fiquem abaixo do custo de reparação do dano. Acima desse limite, perde-se o interesse por uma redução da poluição", conforme Cristiane Derani, citada por Leonardo Martim Lenz.
Ora, o princípio do poluidor pagador deve ser aplicado de forma racional, porquanto, caso seja manejado de modo abusivo e desproporcional, pode vir a ter sua efetividade comprometida, na medida em que resultará na criação de situações injustas. Cita-se como exemplo a criação de encargos financeiros a pequenos empresários ou pequenos agricultores que acabam por ter sua atividade econômica inviabilizada, sendo, assim, impedidos de obter renda e lançados à marginalidade e miséria. Ora, a tutela do meio ambiente não é um fim em si mesmo, devendo se harmonizar com o ordenamento jurídico, atendendo aos fundamentos e objetivos fundamentais da República, fixados nas cláusulas pétreas dos art. 1º e 3º da Constituição Federal, dentre os quais se destaca o princípio da dignidade humana.
Portanto a aplicação do princípio do poluidor pagador não deve ser considerada como a solução para os problemas ambientais, pois pode desestimular ações poluidoras diretamente, mas indiretamente pode causar danos ainda maiores do que aquele que buscava tutelar, caso seja utilizado de forma incorreta, abusiva e desproporcional.
Deste modo a premiação do preservador é essencial para um desenvolvimento econômico com estímulo à pesquisa de novas tecnologias menos poluentes, bem como à produção e ao consumo de bens e serviços ecológicos.
Atendendo a esta norma, o legislador positivou na Lei 12.305/10 (Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos) o princípio do protetor-recebedor, pois previu expressamente no capítulo dos princípios e objetivos, o seguinte:
Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
(…)
II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor;
(…)
E, adiante, dentre vários objetivos, firmou os de incentivo à preservação ambiental (sanção positiva) ao lado dos tradicionais de desestimulo com cominação de penas (sanção negativa):
Art. 7o São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
(...)
III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços;
(...)
VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;
(...)
XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:
a) produtos reciclados e recicláveis;
b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis;
(...)
XIII - estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto;
XIV - incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético;
XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável.
Por fim, concretizando o princípio do preservador premiado ou protetor-recebedor, a Lei 12.305/10 contêm um capítulo específico sobre instrumentos econômicos. Dentre as medidas previstas na referida lei, pode o poder público instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, às iniciativas, por exemplo, de desenvolvimento de produtos com menores impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em seu ciclo de vida; ou ainda, de implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda.
Não bastasse, indicando de forma expressa a possibilidade de implementação do princípio em análise mediante a extrafiscalidade dos tributos, a Lei de Política de Resíduos Sólidos determina que:
Art. 44. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências, poderão instituir normas com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros ou creditícios, respeitadas as limitações da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a:
I - indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos produzidos no território nacional;
II - projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda;
III - empresas dedicadas à limpeza urbana e a atividades a ela relacionadas.
Verifica-se portanto que, atendendo ao princípio do preservador premiado, que decorre da combinação do princípio do poluidor-pagador com uma das formas da função extrafiscal tributária, os entes federativos podem instituir normas com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros ou creditícios aos contribuíntes que promovam a reciclagem, que realizem projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, e a empresas dedicadas à limpeza urbana.
Destarte, através da extrafiscalidade por incentivos fiscais o Poder Público estimula os indivíduos a adotar condutas que a ordem jurídica considera conveniente, objetivo a ser alcançado mediante a diminuição da carga tributária ou concessão de benefícios financeiros ou creditícios. Com a implementação de instrumentos econômicos (Art. 8º, IX e Capítulo V da Lei 12.305/10) se atinge os objetivos de estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços e incentivo à indústria da reciclagem (art. 7º da Lei 12.305/10) tudo com base no princípio do protetor-recebedor (art. 6º, II da Lei 12.305/10), o qual encontra respaldo constitucional no preceito do poluidor-pagador, pois dele decorre.

82. 14 - LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E A ATUAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. -  THIAGO

Bom dia a todos.

Cumprimento o Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e Presidente da Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, e estendo o cumprimento aos demais membros desta augusta Banca.

O tema a mim confiado foi “Lei de Responsabilidade Fiscal e a atuação dos municípios”.

A Constituição Democrática de 1988, no art. 70, impõe a qualquer pessoa que guarde, gerencie ou administre bens públicos o dever de prestar contas. Tal disposição está em consonância com os princípios norteadores da Administração Pública da publicidade e da eficiência administrativa, além de outros. Assim, para dar efetividade a tais preceitos, foram criados vários institutos, dentre eles a Lei Complementar n.º 101/00, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que está embasada, diretamente, no art. 163, da CF. 
A citada Lei consolida o ciclo das principais mudanças nas finanças públicas, iniciado a partir dos anos oitenta, com a ocorrência da crise externa e a moratória de 1982. Trata-se de uma lei nacional, ou seja, aplicável a todos os entes federativos. Seu escopo mais evidente é o de suprir a necessidade de controle nas contas públicas da nação por parte de seus governantes, evitando abusos e descontroles de outros tempos.
A LRF funda-se nos princípios do planejamento, da transparência, do controle e da responsabilidade.
Sobre tais princípios, temos que:

O princípio do planejamento dará suporte técnico à gestão fiscal, através de mecanismos operacionais, como o Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual - LOA. Por meio desses instrumentos, haverá condições objetivas de programar a execução orçamentária e atuar no sentido do alcance de objetivos e metas prioritárias. O planejamento é o primeiro sustentáculo, a ferramenta básica para que o Estado alcance o seu fim último, que deve ser o bem-comum. Do ponto de vista administrativo e gerencial, tem o propósito de identificar os objetivos e metas prioritárias e definir modos operacionais que garantam, no tempo adequado, a estrutura e os recursos necessários para a execução de ações (programas, planos, projetos e atividades) consideradas relevantes e de interesse público.
 
A transparência colocará à disposição da sociedade diversos mecanismos de cunho democrático, entre os quais merecem relevo: a participação em audiências públicas e a ampla divulgação das informações gerenciais, através do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, do Relatório de Gestão Fiscal, bem como dos Anexos de Metas e Riscos Fiscais. Segundo o art. 48 da LRF, a transparência é assegurada através da divulgação ampla, inclusive pela Internet, de planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; relatórios de prestações de contas e respectivos pareceres prévios; relatórios resumidos da execução orçamentária e gestão fiscal, bem como das versões simplificadas de tais documentos. Inclusive, somente com a efetivação da transparência é possível que se aplique em sua inteireza o art. 73-A, no sentido de que “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão competente do Ministério Público o descumprimento das prescrições estabelecidas nesta Lei Complementar”

O princípio do controle das finanças, no que se refere especificamente ao âmbito municipal, é feito pela própria Administração (Poder Executivo), pelo Poder Legislativo municipal (Câmara dos Vereadores), auxiliado pelos Tribunais de Contas dos Estados (art. 31, da CF), além do Ministério Público, Poder Judiciário e, principalmente, a sociedade (que terá acesso às contas dos municípios durante 60 dias no ano– art. 31,  § 3º, da CF ).

  O último alicerce, referente à responsabilidade, impõe ao gestor público o cumprimento da lei, sob pena de responder por seus atos e sofrer as sanções inseridas na própria Lei Complementar 101/2000 e em outros diplomas legais. Inclusive, em âmbito municipal, há previsão expressa na CF (art. 29-A, § 2o ), no sentido de que “Constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: I - efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo (máximo de despesas com o Poder Legislativo); II - não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III - enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária”
  
Ainda sob a influência dos princípios do controle e da responsabilidade fiscal, é importante notar a exigência feita pela CF (art. 169), no sentido de que os Chefes do Executivo Municipal devem respeitar os limites de gastos com pessoal ativo e inativo, estabelecido por Lei Complementar, que é, justamente, a LRF, que estabeleceu o limite de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) para os municípios, dos quais 54% para o Executivo e 6% para o Legislativo (apurados quadrimestralmente). Com esse controle, tenta-se conter gastos com pessoal para fins exclusivamente políticos, evitando o inchamento do Estado em anos eleitorais. 

Além disso, a LRF inviabilizou práticas outrora corriqueiras no cenário político brasileiro, como, por exemplo, a redução de impostos municipais em ano eleitoral para fins de angariar votos com os favorecidos. Isso ocorre porque o art. 11, caput, da LRF reza que "constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação". E seu parágrafo único diz que "é vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos". Portanto, atualmente, os municípios que estrategicamente não arrecadam seus impostos sofrem uma pesada penalidade: deixam de receber recursos federais por meio das transferências voluntárias. Por isso, a arrecadação tributária passa a ser vista como uma característica da boa-gestão da máquina pública.

Conforme explica a doutrina especializada sobre o tema, a Lei de Responsabilidade Fiscal funciona como auditoria preventiva nas prefeituras, já que os prefeitos devem prestar contas mensalmente das receitas e despesas de seus municípios ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Além disso, ela determina que as administrações públicas terão de conviver com o Orçamento Participativo para definir as prioridades orçamentárias do município. Isso deve ser feito através de audiências públicas nas Câmaras, discutindo com a sociedade as prioridades de cada município, para provocar o equilíbrio receita/despesa. 

Destarte, conclui-se que a irresponsabilidade praticada hoje, em qualquer nível de governo, resultará amanha em mais impostos, menos investimentos ou mais inflação, que é o mais perverso dos impostos, pois incide sobre os mais pobres... Os governantes serão julgados pelos eleitores, pelo mercado e, se descumprirem as regras, serão punidos. Já entramos na era da responsabilidade fiscal. Ter uma postura responsável é dever de cada governante.


83. OS MEMBROS DO MP COMO AGENTES POLÍTICOS

O termo agentes públicos possui um conceito amplo, englobando todas as pessoas físicas que exerçam qualquer função pública, de maneira remunerada ou não, com vínculo permanente ou temporário com a Administração Pública, através de qualquer forma de investidura, tais como a eleição e a nomeação.
É através dos agentes públicos que o Estado se faz presente.
A doutrina os classifica, de maneira genérica, como particulares em colaboração, servidores estatais e agentes políticos.
Os particulares em colaboração não possuem um vínculo duradouro com a Administração. Porém, exercem uma função pública relevante como no caso do mesário nas eleições, do jurado no Tribunal do Júri, do militar no serviço obrigatório, e em outros casos previstos em lei.
Já os servidores estatais possuem, em regram um vínculo permanente com a Administração e se subdividem em servidores públicos e empregados públicos.
Os servidores públicos ocupam cargos públicos e atuam em pessoas jurídicas de direito público, sendo seu vínculo estatutário, ou seja, estabelecido pela lei. 
Possuem estabilidade, só perdendo seu cargo através de uma decisão administrativa, desde que observado o contraditório e a ampla defesa, ou por decisão judicial transitada em julgado. 
Cabe ressaltar que os servidores públicos também englobam os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração.
Já os empregados públicos atuam em pessoas jurídicas de direito privado, submetendo-se à CLT. Apesar de serem contratados através de concurso público, como os servidores públicos, não possuem estabilidade no exercício de seu emprego.
No tocante aos agentes políticos, estes estão no topo da estrutura orgânica do Poder Público, em seu comando, são integrantes dos mais altos escalões. 
Não se sujeitam às regras comuns aplicáveis aos servidores públicos em geral devido à importância de suas decisões. 
No Poder Executivo são representados pelo Presidente da República, Governadores, Prefeitos e seus respectivos Vices, bem como seus auxiliares diretos, quais sejam, Ministros e Secretários.
No Poder Legislativo são os Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores.
Agora, no que diz respeito aos magistrados e membros do Ministério Público, há divergência doutrinária.
Para a doutrina majoritária sim, os magistrados e membros do Ministério Público são agentes políticos, pois suas decisões representam a vontade estatal. Eles seriam dotados de atribuições constitucionalmente previstas.
Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, quem não entende dessa forma se justifica no fato de que o tratamento dado pela Constituição Federal às atribuições desses agentes não seria suficiente para caracterizá-los como agentes políticos, pois esses sim tomariam decisões políticas fundamentais para fixação de estratégias a conduzir os destinos do país.
Também levam em conta a natureza do vínculo jurídico que liga o agente ao Poder Público, que no caso dos agentes políticos seria eletivo, a rigor, já que democraticamente eleitos para condução do país, ou de nomeação, no caso de seus auxiliares diretos. 
Ademais, os agentes políticos seriam aqueles ligados à estruturação do país, pois seu vínculo seria de natureza política, e não profissional, como no caso dos magistrados e dos membros do Ministério Público que se sujeitam a concurso público, sendo escolhidos de maneira meritória, e não política. 
Cabe ressaltar que tal afirmativa, em parte, deixa de ser verdade devido às regras de ingresso nos Tribunais do Poder Judiciário. 
Em que pesem as divergências, os magistrados e membros do Ministério Público, mesmo para aqueles que não os consideram como agentes políticos, são servidores públicos qualificados, possuidores de certas prerrogativas garantidas pela própria Constituição Federal e por legislação específica, suas leis orgânicas, necessárias ao regular exercício de suas relevantes funções.
Dentre as garantias inclui-se o foro por prerrogativa de função, a vitaliciedade, perdendo o cargo somente através de decisão judicial, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio, bem como o direito à estabilidade após dois anos de efetivo exercício no caso do concursados, e não de três, como no caso dos demais servidores públicos.
Por derradeiro, a própria Constituição Federal os trata como agentes políticos em seu artigo 37, inciso XI, quanto ao teto remuneratório do serviço público.
Tratando agora especificamente dos membros do Ministério Público, eles não são funcionários públicos comuns em virtude de seu regime jurídico próprio.
Deve ser entendida correta sua classificação como agentes políticos, pois exercem funções próprias e originárias do Estado, com plena independência funcional e com responsabilidade própria.
Tomam decisões últimas em sua esfera de atribuições, subordinam-se apenas às leis e às suas consciências.
Tão relevante foi entendida pela Constituição Federal sua independência funcional que qualificou como crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra o livre exercício do Ministério Público. 
Somente podem ser responsabilizados quando atuarem com dolo ou fraude, e não por mera culpa porque como a eles incumbem as decisões finais de sua esfera de competência, isso prejudicaria suas decisões, assim como a própria atividade estatal.
Tem-se como exemplo a denúncia de alguém perante o Poder Judiciário. Esse acusado poderia ser absolvido e imputar ao membro do Ministério Público sua responsabilidade civil.
Tendo agido no regular exercício de sua função, sem ilegalidade ou abuso de poder, sua responsabilidade somente é cabível no caso de dolo ou fraude. 
Não é correto o que é dito por alguns que atribuem irresponsabilidade aos membros do Ministério Público, não, isso não é verdade, apenas há um regime próprio de responsabilidade para salvaguardar a atividade essencial que exercem perante a sociedade. 
Assim, os membros do Ministério Público são invioláveis por suas opiniões e manifestações, nos limites de sua independência funcional, pois representam uma parcela da soberania estatal.
84. UM NOVO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PARCIAL

Antes de tratar do tema é importante relembrar a ideia de constitucionalismo e do próprio conceito de Constituição. Sem grandes divagações doutrinárias o constitucionalismo, no seu sentido estrito, é uma técnica de garantia e controle do poder. Opõe-se, assim, ao absolutismo.
A Constiuição, por seu turno, segundo a concepção jurídica (Hans Kelsen / Konrad Hesse) é um conjunto de normas jurídicas, é uma lei como todas as demais. Seu fundamento está no próprio direito. Ao lado da concepção jurídica temos a Constituição como poder político e também em seu sentido sociológico, entre outras. Dentro da concepção jurídica Kelsen fazia a seguinte distinção:

a) Constituição em sentido lógico-jurídico: é a norma fundamental hipotética. 
 Fundamental - é nela que está o fundamento da constituição; 
 Hipotética – não é uma norma posta do estado é uma norma apenas pressuposta. Seu conteúdo é que todos devem obedecer a constituição.

b) Constituição em sentido jurídico-positivo: é a constituição feita por um poder constituinte (CF/88). É um conjunto de normas jurídicas positivadas. É a constituição conhecida por todos.

É o Poder Constituinte, assim, o responsável pela criação da Constituição, a Lei Maior positivada que traz normas de organização do Estado e garantias fundamentais ao cidadão.

O poder constituinte se subdivide em originário e derivado (ou decorrente). A tarefa de elaborar uma Constituição incumbe ao Poder Constituinte Originário e a tarefa de reformar uma Constituição já existente é de competência do Poder Constituinte Derivado.

O poder constituinte originário se subdivide em histórico e revolucionário.
O poder constituinte histórico: é, de fato, o verdadeiro poder constituinte originário, estruturando, pela primeira vez, o Estado.
O poder constituinte revolucionário é aquele posterior ao "histórico", com o qual rompe por completo, criando um novo Estado e uma nova ordem.
É preciso compreender que a denominação "poder constituinte originário revolucionário" se deve ao fato deste "poder" romper com a ordem constitucional estabelecida sem nenhum tipo de limite jurídico positivo - instalando-se, então, o pode de fato - sendo forte o suficiente para construir uma ordem inteiramente nova. Com efeito, se entendermos o Direito como sendo sinônimo de lei positiva, posto pelo Estado, o poder constituinte originário revolucionário será um poder de fato - com uma força ilimitada.

Titularidade e Espécies

Titularidade do poder constituinte originário: em Estados Democráticos a titularidade do poder constituinte é do povo, como aliás se pode extrair, exemplificadamente, do texto preambular de nossa Constituição, acima transcrito. O indigitado texto, permita-nos repisar, tem a seguinte redação em início: "Nós, representantes do povo brasileiro..." . Neste mesmo sentido o teor do parágrafo único, art. 1.º, da CF/88: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Não há dúvida que o exercício do poder constituinte originário é ato de soberania - cuja titularidade necessária é do povo (apenas o povo tem competência para exercer os poderes de soberania).

Por fim, de considerar que a História nos mostra distorções graves da teoria democrática, onde o titular é um Rei, um ditador, ou um grupo, todos em nome do povo ou legitimados por poderes outros, distintos do poder que efetivamente os sustenta. Nesses casos, uma falsa aparência esconde a real fonte do poder, encobrindo sua real origem.

O poder constituinte derivado se subdivide em revisor e reformador.
O poder constituinte revisor é aquele cuja competência foi estabelecida pelo poder constituinte originário com a finalidade de atualizar e adequar a Constituição à realidade social vigente à época de sua instalação. Assim, o art. 3.º do ADCT estabeleceu que a revisão constitucional seria realizada 5 (cinco) anos contados da promulgação da CF/88, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, em sessão unicameral.
Como fácil de perceber, o poder constituinte derivado revisor pode manifestar-se uma única vez, observados os termos estabelecidos pelo poder constituinte originário, uma vez que a norma autorizadora teve a sua eficácia exaurida e sua aplicabilidade esgotada com a edição de 6 (seis) Emendas Constitucionais de Revisão, publicadas no DOU de 2.3.94 e no DOU de 9.6.94).
O poder constituinte derivado reformador é aquele cuja finalidade, como á própria denominação denuncia, é promover as reformas que se façam necessárias no texto constitucional ao longo do tempo. Assim, enquanto o poder constituinte originário é um poder de fato, o poder constituinte derivado reformador é um poder político, ou, como preferem alguns, uma espécie de força ou energia social.
O poder constituinte derivado decorrente é aquele cuja missão é a estruturação dos Estados-Membros.

CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

a) Inicial: Não existe nenhum outro poder antes ou acima dele.
b) Autônomo: Cabe a ele escolher a ideia de Direito que irá prevalecer.
c) Incondicionado: Não se sujeita a nenhuma condição formal ou material.

MATERIAL LFG
*O Poder Jurídico Originário é poder ilimitado? É independente? É soberano?
• Sim, é ilimitado, independente e soberano.

*Características do Poder Constituinte Originário por Sieyès (principal teórico do Poder Constituinte)

a) Poder Permanente
• Não se esgota no seu exercício, ou seja, permanece existindo mesmo após o exercício da Constituição.
o Isto porque o povo, que é o seu titular, pode fazer uso dele mesmo após a criação da Constituição.

b) Poder Inalienável
• A titularidade deste poder não pode ser transferida.
• O povo nunca perde a titularidade deste poder Constituinte (mesmo que não o exerça, como em caso de um golpe de estado).

c) Poder Incondicionado pelo Direito Positivo
• Por ser um jusnaturalista, Sieyès usava o direito natural para limitar o poder do Monarca.
• O Poder Constituinte Originário seria incondicionado pelo Direito Positivo, mas deveria observar os princípios do Direito Natural.

Vale consignar que apesar de incondicionado e ilimitado, a doutrina registra alguns aspectos no que concerne à limitação. Existem os chamados Limites Transcendentes, que são impostos ao Poder Constituinte Material advindos de imperativos do Direito Natural, de valores éticos ou da consciência jurídica coletiva. Os direitos fundamentais ligados diretamente à dignidade da pessoa humana devem ser consagrados obrigatoriamente nas Constituições.
Fala-se também no Princípio da Proibição (vedação) de Retrocesso, pelo qual os Direitos Fundamentais conquistados por uma sociedade e que são objeto de um consenso profundo não poderão ser desprezados quando da elaboração de uma nova Constituição. É chamado pela doutrina francesa de “Efeito Cliquet”. É um limite meta-jurídico, pois está fora do Direito.

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PARCIAL
Pelo exposto, parece contraditório se pensar em um Poder Constituinte Parcial, ou seja, um poder ilimitado e incondicionado, mas que, no entanto, é restrito a apenas uma parte. A discussão sobre o tema surgiu com as manifestações populares e a iniciativa da Presidente da República em convocar plebiscito para reforma política através de uma assembleia parcial.
Em reportagem jornalística, foram ouvidos alguns Ministros do STF sobre o assunto.
Seguem os trechos mais importantes:


Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo G1dizem que não há previsão legal para uma Assembleia Constituinte destinada a tratar exclusivamente da reforma política, como propõe a presidente Dilma Rousseff.
Na avaliação deles, se uma Constituinte é convocada, os integrantes têm liberdade para reformar toda a Constituição e não precisariam se restringir exclusivamente a um tema. Uma outra corrente de juristas defende que a reforma de uma parte da Constituição pode, sim, ser feita por uma Constituinte exclusiva. Neste caso, teria que ser aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prevendo a possibilidade.
A proposta de um plebiscito sobre um processo constituinte específico para a reforma política foi apresentada nesta segunda-feira (27) pela presidente no discurso de abertura da reunião com os 27 governadores e os 26 prefeitos de capitais realizada no Palácio do Planalto. A convocação da reunião foi uma resposta às manifestações de protesto que desde a semana passada reúnem milhares nas ruas das principais cidades.

A Assembleia Nacional Constituinte é formada por pessoas escolhidas para redigir uma Constituição, lei maior de um país e que rege todas as outras leis vigentes.
Após a ditadura militar, houve um debate sobre a convocação de uma Constituinte com pessoas eleitas exclusivamente para redigir a Constituição (e que depois disso teriam o mandato encerrrado) ou se os deputados e senadores eleitos se encarregeriam dessa tarefa. Na ocasião, preveleceu a segunda hipótese.
Segundo juristas ouvidos pelo G1 não há previsão legal de uma Constituinte específica para um único tema, como propôs a presidente Dilma Rousseff em relação à reforma política.
Na Constituição não há previsão de convocação de Constituinte. Para a formatação da Constituição de 1988, após a ditadura militar, os próprios deputados e senadores eleitos em 1986 tiveram o papel de elaborar a Carta Magna entre 1987 e 1988 e depois puderam cumprir o restante dos mandatos.

Há dúvida se ao definir os critérios do plebiscito, o Congresso poderia estipular as regras para a convocação da Constituinte, ou se primeiro teria que aprovar uma PEC para depois discutir o plebiscito.

A Constituição prevê como competência exclusiva do Congresso aprovar a convocação de plebiscitos, que devem ter temas de relevância nacional ou tratar de formação de estados.
Segundo alguns juristas ouvidos pelo G1, não há nenhuma restrição para que um plebiscito convoque uma Assembleia Constituinte. Mas também, segundo eles, não há como delimitar um tema para uma nova Constituição porque os constituintes, como tais, teriam poder para deliberar sobre quaisquer assuntos.
 
O ministro Marco Aurélio Mello disse que uma nova Constituinte faria uma nova Constituição. Ele afirmou, porém, ver de forma positiva a ideia de reforma política proposta pela presidente Dilma.
"A ideia de uma Constituinte sugere um novo diploma, na totalidade. Agora, o que a presidente quis e é louvável a fala dela, foi escancarar a gravidade da situação e apontar que o Congresso está devendo à sociedade. Mas precisamos é observar um pouco mais a nossa ordem jurídica. Não precisamos de uma nova Constituição em si, precisamos reformar os pontos necessários", disse Marco Aurélio Mello.
Para o ministro, o plebiscito "é sempre possível porque vem do povo". "Talvez seja necessário o povo se pronunciar. Tecnicamente, não há necessidade de convocar Constituinte, mas [fazer a mudança] por emenda."
Proposta 'preocupante'
Para o ministro aposentado Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, qualquer convocação de Constituinte seria feita à margem da Constituição.
"O Congresso não tem poderes constitucionais para convocar uma assembleia constituinte porque nenhuma Constituição tem vocação suicida. Nenhuma Constituição convoca o coveiro de si mesmo. Qualquer um que convoque a Constituinte vai fazer à margem da Constituição", declarou.
Segundo ele, não há possibilidade de delimitar tema para uma Constituinte. "Toda Constituinte é uma ruptura com a Constituição em vigor por definição porque nenhuma Constituição dispõe de Assembleia Constituinte. Toda convocação de Assembleia Constituinte implica atuar no plano dos fatos, não no plano do direito. É a insubmissão à Constituição."
Britto diz ainda que é "preocupante" a proposta de Dilma porque a população, por meio de plebiscito, não poderia deliberar sobre um tema que não é de competência do Congresso, a convocação de uma Assembleia Constituinte. "Não se pense que o povo pode ir além em plebiscito do que o Congresso pode por lei. O povo só pode decidir sobre aquilo que o Congresso pode legalmente", declarou.

'É um despropósito'
Na avaliação do ministro aposentado Carlos Velloso, não há necessidade de convocar plebiscito. "A reforma política poderia ser feita sem necessidade de convocar plebiscito. Isso é caro, vai demorar. Pode ser feito por  meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou projeto de lei."
Segundo ele, não há possibilidade de que uma Constituinte seja específica. "Isso não passa, na verdade, de uma proposta para distrair a opinião pública. Não é plausível. [...] Uma Constituinte é convocada para mudar uma Constituição inteira. Isso é um despropósito. Não se tem Constituinte pela metade, não se tem poder constituinte originário só em alguns pontos. Mas não precisamos disso. Temos uma boa Constituição, democrática, que só precisa ser alterada em alguns pontos."

Voz dissonante
Ao Jornal Nacional, o constitucionalista Ives Gandra Martins afirmou que uma Constituinte exclusiva para um tema, como a reforma política, é possível, mas também é preciso a apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que teria de ser aprovada em duas votações em cada uma das casas do Congresso (Câmara e Senado), com maioria de três quintos.
Segundo Ives Gandra, essa PEC teria que convocar um plebiscito e, por meio dele, a população aprovaria ou não a formação de uma Constituinte específica para tratar da reforma política.

Futuro ministro
Em entrevista disponível na internet de 2011 sobre o tema para o site jurídico Migalhas, o futuro ministro Luís Roberto Barroso, que tomará posse nesta quarta-feira (26), disse que não considera possível uma constituinte parcial.
"A ideia de Poder Constituinte é de um poder soberano, um poder que não deve o seu fundamento de legitimidade a nenhum poder que não a si próprio e à soberania popular que o impulsionou. De modo que ninguém pode convocar um Poder Constituinte e estabelecer previamente qual é a agenda desse Poder Constituinte. O Poder Constituinte não tem agenda pré-fixada", afirmou Barroso na ocasião.
Segundo ele, não haveria necessidade de Constituinte para a reforma política.
"A verdade é que não há necessidade, porque você precisaria de um Poder Constituinte originário se houvesse na própria Constituição uma coisa que impedisse a reforma política de que o país precisa. Não há absolutamente nada. A Constituição tem como cláusulas pétreas a separação de poderes e a federação. Acho que ninguém quer derrotar isso. [...] Eu não vi nenhuma ideia posta no debate sobre reforma política que não possa ser concretizada com a Constituição que nós temos ou, no máximo, com uma emenda à Constituição."

Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/juristas-questionam-proposta-de-constituinte-para-reforma-politica.html>

Prevalece, portanto, a opinião sobre a impropriedade técnica de se limitar o Pode Constituinte Originário, que não pode ser fracionado. Mais coerente com tal situação é a simples emenda constitucional. Ressalta-se que os verdadeiros limites do Poder Originário são de ordem metajurídica, como no caso da proibição do retrocesso.

85. ATO INFRACIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA

 A Justiça Restaurativa é capaz de preencher as necessidades emocionais e de relacionamento e é o ponto chave para a obtenção e manutenção de uma sociedade civil saudável (SLAKMON; DE VITTO; GOMES PINTO, 2005, p. 22) .

A Constituição da República de 1988 dedicou um capítulo exclusivo à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso. O artigo 227, especialmente dedicado à criança, ao adolescente e ao jovem, determina ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Considerando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a Constituição Federal, adotando o critério biológico de inimputabilidade, levando em conta, portanto, o desenvolvimento mental do agente, independentemente se tinha, ao tempo da conduta, capacidade de entendimento e autodeterminação, dispõe, em seu artigo 228, serem penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
A legislação referida na Carta Constitucional foi editada em 1990, Lei 8.069, criando o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, ao contrário do antigo Código de Menores, até então vigente, deixa de considerar a criança e o adolescente como objetos da proteção e passa a considera-los como sujeitos de direitos, que se diferenciam pela condição peculiar de desenvolvimento que possuem.
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, pautado pelos princípios da proteção integral e da absoluta prioridade, considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. 
A proteção integral deve ser compreendida como um conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente. Já o conteúdo da prioridade absoluta se materializa em um rol exemplificativo trazido no parágrafo único do artigo 4º da Lei.
Pautado pelos princípios acima elencados e, em cumprimento ao disposto na Constituição da República, o Título III do Estatuto (artigos 103 e seguintes) trata da prática de ato infracional, considerando como tal a conduta descrita como crime ou contravenção penal, que tem como sujeito ativo uma criança ou um adolescente.   
Com efeito, o crime é, majoritariamente, ato típico, ilícito e culpável. Um dos elementos que compõe a culpabilidade é a imputabilidade, ou seja, uma pessoa inimputável não comete crime. Daí se extrai que a criança ou adolescente não pratica delito, mas sim ato infracional análogo a crime ou contravenção.
Insta observar que, apesar de praticar ato infracional, a criança, ou seja, aquela pessoa com até 12 anos incompletos, não está sujeita ao regramento das medidas socioeducativas, sendo a elas aplicáveis somente medidas de proteção, nos termos do artigo 105 do Estatuto.
Aos adolescentes, portanto, são aplicáveis as medidas socioeducativas, caso em que devem ser respeitados direitos individuais e garantias processuais previstas no próprio Diploma Legal. De acordo com o artigo 112 do Estatuto, verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional ou qualquer das medidas protetivas previstas no artigo 101.
A justiça restaurativa, por sua vez, emerge a partir de um conjunto de iniciativas surgidas na década de 70 do século XX, buscando modificar o modo de lidar com atos caracterizados como crime, sobremaneira, em três grandes esferas:
I. No fundamento do sistema criminal a partir de uma revisão histórico-crítica do modo como são compreendidos os conflitos entre pessoas e grupos sociais e o papel assumido pelo Estado diante deles;
II. No modo de resolução desses conflitos e os direitos das diferentes pessoas envolvidas, tanto direta como indiretamente, inclusive o próprio Estado;
III. Na compreensão dos objetivos pretendidos com essa resolução, considerando o impacto que esses atos produzem nos “ofensores”, “vítimas”, na comunidade em que se inserem e na sociedade como um todo, representada pelo Estado.
Diante da controvérsia na literatura especializada quanto aos fundamentos da justiça restaurativa, atualmente tende-se a considera-la um conceito aberto, que se constrói em torno de valores, processos e/ou seus resultados/objetivos.
De maneira singela, a Justiça Restaurativa pode ser definida como um processo de resolução de conflito participativo por meio do qual pessoas afetadas direta e indiretamente pelo conflito (intersubjetivo, disciplinar, correspondente a um ato infracional ou a um crime) se reúnem voluntariamente e de modo previamente ordenado, para juntas (geralmente com a ajuda de um facilitador) estabelecerem pelo diálogo um plano de ação que atenda as necessidade e garanta o direito de todos afetados, com esclarecimento e atribuição de responsabilidades .
O processo penal tradicional (justiça retributiva) é pautado na relação juiz, réu, promotor, afastando a vítima do processo, que fica desamparada em suas perdas materiais e, mormente, emocionais, causadas pela transgressão a ela e as pessoas de suas relações afetivas, bem como do grupo sentimental do próprio violador, que igualmente padece os reflexos da infração. Ao afastar o foco do prejuízo – ou do abalo social ocasionado pelo delito – a Justiça retributiva afasta a culpabilidade emocional do infrator, visto que nela não há ambiente para a sinceridade, para a transparência afetiva e para o diálogo, elementos constitucionais de procedimentos de pacificação. Por conseguinte, tal aparelhamento gera o aumento das confusões e a persistência da violência.
Tendo em vista que o modelo tradicional de alcançar a justiça, baseado em atribuir ao ato ilícito a imputação de uma pena, não tem alcançado a ressocialização do indivíduo, e sim a reprodução de todo universo gerado pela violência e degradação social, a sociedade passa pelo desafio de encontrar uma saída para a crescente criminalidade entre os jovens. 
A Justiça Restaurativa começa então a ser adotada no sistema da Justiça da Infância e Juventude, com o objetivo de restaurar o trauma emocional, aproximando o adolescente infrator de sua família, da família da vítima e da comunidade em que vivem, de maneira a infligir nele a responsabilidade emocional pelo dano causado. Busca-se, com isso, a redução dos impactos dos atos infracionais sobre os cidadãos, com a redução da criminalidade e a reinserção do adolescente na sociedade.
Segundo estatísticas apresentadas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Estado onde a Justiça Restaurativa já é aplicada nos casos de atos infracionais há algum tempo, na Conferência da Justiça para o século 21, realizada em 2008, em Porto Alegre, as taxas de reincidência de jovens infratores atendidos pelo sistema de Justiça Restaurativa são 1/3 mais baixas e os que reincidem têm a tendência de praticar crimes menos graves. As vítimas que passam por esse tipo de abordagem sofrem menos stress pós-traumático e ficam satisfeitas, por se sentirem tratadas de maneira justa.

Em que pese estudos indicarem que a aplicação da Justiça Restaurativa resulta em sensível melhora nos números da criminalidade infanto-juvenil, ainda não é possível encontrar, na jurisprudência pátria, muitas manifestações de sua aplicação .
Por fim, cumpre observar que a Justiça Restaurativa vem ganhando cada vez mais adeptos, não só no que diz respeito à sua aplicação na apuração de atos infracionais, mas também para certas infrações penais. Com o objetivo de legalizar definitivamente sua aplicação, tramita na Câmara dos Deputados Projeto de Lei (nº 7006/2006), que tem como objetivo alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais . 


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Encontrei no site do TJMG outro conceito de Justiça Restaurativa, que talvez facilite a compreensão e memorização para a prova:
A Justiça Restaurativa é um novo modelo de Justiça voltado para as relações prejudicadas por situações de violência. Valoriza a autonomia e o diálogo, criando oportunidades para que as pessoas envolvidas no conflito (autor e receptor do fato, familiares e comunidade) possam conversar e entender a causa real do conflito, a fim de restaurar a harmonia e o equilíbrio entre todos. A ética restaurativa é de inclusão e de responsabilidade social e promove o conceito de responsabilidade ativa. 
  O principal objetivo do procedimento restaurativo é o de conectar pessoas além dos rótulos de vítima, ofensor e testemunha; desenvolvendo ações construtivas que beneficiem a todos. Sua abordagem tem o foco nas necessidades determinantes e emergentes do conflito, de forma a aproximar e co-responsabilizar todos os participantes, com um plano de ações que visa restaurar laços sociais, compensar danos e gerar compromissos futuros mais harmônicos.
Cumpre destacar que o processo restaurativo é realizado quando as partes envolvidas espontaneamente assumem as suas responsabilidades perante os acontecimentos e manifestam a sua concordância  em participar do Círculo Restaurativo. 
(http://www8.tjmg.jus.br/institucional/programas-projetos/justica-restaurativa/)

86. SISTEMA PRISIONAL
Boa tarde!
Gostaria de cumprimentar o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, por meio de quem estendo meus cumprimentos aos demais membros.
O tema a mim designado foi “A atuação do Ministério Público frente ao sistema prisional”.
Inicialmente, cabe ressaltar que o Ministério público na Constituição de 1988 recebeu uma conformação inédita. Ganhou o desenho de instituição voltada à defesa dos interesses mais elevados da convivência social e política, não apenas perante o Judiciário, mas também na ordem administrativa. Está definido como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis”. A instituição foi arquitetada para atuar desinteressadamente no arrimo dos valores mais encarecidos da ordem constitucional.  
Neste aspecto, destaca-se o relevante papel da instituição da seara criminal. Apesar de comumente ser chamado de “órgão acusatório”, o parquet deve ser visto, acima de tudo, como um promotor da justiça, cabendo a ele a defesa dos direitos individuais indisponíveis, tais como a dignidade da pessoa humana. Desta forma, além de promover, privativamente, a ação penal pública, também incumbe ao Ministério Publico fiscalizar o cumprimento da lei (art. 257, II, CPP).
Sabe-se que após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o apenado ingressa no sistema prisional. Essa passagem, todavia, não determina o fim da atuação ministerial; pelo contrário, a fiscalização da execução penal deve necessariamente ser acompanhada pela Instituição.
Por sistema prisional devemos entender um conjunto de medidas administrativas e instalações destinadas à execução de penas privativas de liberdade. Sua existência está relacionada ao fato de que o indivíduo que praticou um determinado crime, devido a natureza da infração, deve ser afastado do convívio social, objetivando a sua punição e retribuição em virtude da prática do delito. Além de efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal, o sistema carcerário busca igualmente proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
A readaptação social abrange uma problemática que transcende os aspectos puramente penal e penitenciário. Na busca da correção ou da readaptação do delinquente não se pode olvidar que estes objetivos devem subordinar-se à Justiça. Tal conceito é necessário dentro de qualquer relação, e não deve ser interpretado do ponto de vista estritamente individual.
Os estabelecimentos penais são lugares apropriados para o cumprimento da pena nos regimes fechado, semiaberto e aberto, bem como para as medidas de segurança. Servem, ainda, exigindo-se a devida separação, para abrigar os presos provisórios. Conforme a sua destinação, devem contar com áreas e serviços voltados à assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva dos presos. Contudo, o colapso do sistema prisional brasileiro é visível: a superlotação e falta de investimentos inviabiliza o fim ressocializador da pena e demanda maior cuidado dos órgãos estatais que buscam, por técncias já ultrapassadas, evitar a reincidência.
Para assegurar o cumprimento dos direitos individuais daqueles submetidos ao sistema prisional, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIX, assegura aos presos o respeito a sua integridade física e moral. Dentro deste espírito, sendo um dos órgãos da execução penal, é obrigatória intervenção do Ministério Público na fase da execução da pena e da medida de segurança, fiscalizando e intervindo nos procedimentos judiciais, propondo, inclsuive, a interdição de estabelecimentos inadequados a vivência humana (como ocorreu com a cela da 6 Delegacia de Polícia da Capital, interditada em decorrência de ação ajuizada pelo Ministério Público Estadual em julho-agosto de 2013). 
Percebe-se que sua atuação vai muito além do previsto na Lei de Execuções Penais. Em decorrência de suas funções institucionais, há compromisso de atuação na construção de um sistema prisional justo e digno, com respeito aos diretos fundamentais dos detentos e estabelecimentos adequados e sem superlotação. Deve abranger reintegração, educação, saúde, trabalho e profissionalização de todos, sem descuidar do enfrentamento da criminalidade organizada.
Isto porque a ausência do Estado e de investimentos adequados no sistema prisional afrontam a Constituição da República e a Lei de Execução Penal, apesar de constituir dever do Poder Público proceder aos investimentos e repasses de recursos, em âmbito federal e estadual, necessários à melhoria do sistema prisional, sem descuidar da probidade na aplicação de tais recursos. 
A participação do Ministério Publico na formulação e fiscalização das políticas públicas do sistema prisional, assim como a sua atuação na apuração de possíveis violações é essencial. O fortalecimento de atribuições da Instituição na proteção individual e coletiva dos presos e na investigação de crimes é fundamental para o Estado Democrático de Direito e para a defesa dos direitos e garantias individuais, incluindo a segurança pública.
A obrigatória visita mensal aos estabelecimentos penais permite ao membro do Ministério Público verificar a regularidade da execução da pena, ouvindo, sempre que possível, os reclamos dos habitantes prisionais, rica fonte na apuração de desvios e excessos. Sob essa perspectiva, o empenho do CNMP em uniformizar as inspeções realizadas pelos membros do Ministério Público em estabelecimentos prisionais de todo o território nacional parte da preocupação de melhor concretizar os ditames da Lei de Execuções Penais, que, atenta à importância da atuação ministerial junto ao sistema prisional, estabeleceu a obrigatoriedade da realização das visitas. Neste contexto, a Resolução CNMP n. 56/2010 estipulou que relatórios padronizados devem ser preenchidos após cada uma das inspeções realizadas mensalmente pelo Promotor ou Procurador de Justiça nos estabelecimentos penais sob sua responsabilidade. Sem prejuízo do relato mensal, deve o membro responsável apresentar um relatório anual, que viabiliza um retrato ainda mais minucioso sobre as condições do estabelecimento penal.
Dentre os aspectos essenciais a serem retratados, encontram-se as instalações físicas, os recursos humanos, a capacidade e a ocupação do estabelecimento, o perfil da população carcerária e o cumprimento dos dispositivos da LEP no tocante à prestação de assistência, trabalho e observância dos direitos dos presos ou internados.
Por outro lado, além de assegurar o cumprimento dos direitos assegurados aos apenados, há também a fiscalização no tocante aos deveres dos internos.
Cabe ao órgão ministerial requerer as medidas adequadas para assegurar a disciplina e ordem dentro do estabelcimento prisional. Neste aspecto, além de obrigatoriamente ser ouvido em todos os procedimentos de apuração de falta disciplinar, outra medida importante é a transferência de presos para outras unidades da Federação. Existe, expressamente, autorização legal para que o condenado possa cumprir a pena em unidade federativa diversa daquela onde tem origem a sua sentença, em presídio estadual ou da União. Esta, inclusive, pode construir unidades para abrigar sentenciados quando a medida seja justificada no interesse da segurança pública ou do próprio condenado.
Além disto, no ano de 2003 foi incluído na Lei de Execuções Penais o chamado “Regime Disciplinar Diferenciado”. Em que pese as inúmeras críticas tecidas a sua constitucionaliadde, verifica-se sua adequação ao sistema de garantiras da Carta Magna. De fato, a serveridade do sistema foi instituída para atender as necessidades prementes do combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, de dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos. A medida, portanto, não viola direitos e garantias constitucionais, sendo razóavel e proporcional a sua instituição, face ao crescimento das facções criminosas, garantido o contraditório e ampla defesa, bem como a prévia manifestação do Promotor ou Procurador de Justiça com atribuição para atuar perante o estabelecimento prisional.
Assim sendo, verifica-se a importância da atuação ministerial dentro do sistema prisional, especialmente para fiscalizar e assegurar o cumprimento da lei, tomando as medidas adequadas para solucionar os incidentes. Como visto, o Ministério Público, mesmo no processo de execução penal e, quando age perante a administração, até fiscalizando-a em sua esfera de atividade, o faz para que possa desempenhar sua função própria e específica de defesa de interesses indisponíveis.
87. ATUAÇÃO SOCIAL DO MP
Bom dia!
Cumprimento o Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e Presidente da Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, e estendo o cumprimento aos demais membros desta Banca.

O tema a mim confiado foi “A sociedade como fonte de legitimação e atuação do Ministério Público”.

Inicialmente, cumpre destacar a previsão constitucional de que o Ministério Público é instituição essencial à Justiça e à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Para a consecução de seu mister, estabeleceu o art. 129 da Carta Magna uma série de instrumentos visando justamente a dar efetividade aos direitos fundamentais mais importantes ao ser humano individualmente falando, bem como à sociedade com um todo.

As atribuições e funções institucionais do Ministério Público vão muito além de ser apenas um órgão de acusação, como outrora era conhecido. Hoje, mais do que nunca, trata-se de uma instituição que promove a justiça, buscando a efetiva concretização dos direitos fundamentais e inerentes à dignidade da pessoa humana, sempre buscando a solução mais democrática, eficaz e comprometida com a sociedade.

Nesse sentido, o constituinte e o legislador infraconstitucional dotaram a instituição ministerial de uma série de instrumentos, dentre os quais pode-se destacar a legitimidade para instaurar inquérito civil, procedimentos preparatórios, propor a ação civil pública, a ação de improbidade administrativa, ações individuais para a tutela de direitos indisponíveis, bem como, na seara criminal, a possibilidade de instaurar procedimento investigatório criminal e promover, privativamente, a ação penal pública.

No que tange à possibilidade de investigação criminal, frise-se, recentemente houve um reconhecimento da sociedade da importância desse poder implícito conferido ao Ministério Público. Isso porque, diante da iminência da votação e possível aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n. 37, houve uma intensificação das manifestações sociais justamente clamando pela sua rejeição para que não se fechasse um importante portal contra a impunidade – o que muito provavelmente ocorreria se se tirasse do Ministério Público a possibilidade de apurar crimes.

Este momento, entendo, foi um reconhecimento da sociedade como um todo do papel que o Ministério Público exerce, bem como de que se trata de uma instituição que zela pelos direitos fundamentais das pessoas e pelo cumprimento das funções pelos demais Poderes Públicos, notadamente o Poder Executivo.

No que refere à atuação em âmbito civil, há que se fazer um especial destaque à legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública e ação de improbidade administrativa. Ambas as ações possuem especial ligação com as finalidades institucionais do Ministério Público e são importantes meios para implementar políticas públicas e cobrar dos administradores públicos respeito aos princípios constitucionais, em especial no trato com a coisa pública, visando também a coibir condutas que importem em enriquecimento ilícito e danos ao erário.

Verifica-se que as atribuições do Ministério Público ampliaram extraordinariamente nas mais diversas áreas, tais como em relação à pessoa portadora de deficiência (Lei 7853/89); investidores no mercado de valores mobiliários (Lei 7913/89); criança e adolescente (Lei 8069/90); consumidor e outros direitos difusos e coletivos (Lei 8078/90 e Lei 7347/85); patrimônio público (Lei 8429/90, Lei 8625/93); ordem econômica e livre concorrência (Lei 8884/94), dentre tantas outras leis.

A importância do Ministério Público para a sociedade pode também ser percebida pelo fato de haver muito mais que um direito de agir nesses casos: há, antes, um dever, uma vez que, identificando o órgão ministerial uma hipótese em que deva agir, em que há elementos comprobatórios de que houve violação à lei civil ou penal, haverá obrigatoriedade para tanto. Essas características e a maneira como o Ministério Público atua, na teoria e principalmente na prática, é que o torna uma instituição na qual a sociedade como um todo confia e valoriza.

Ademais, cabe ressaltar que o atendimento aos interesses sociais pode ocorrer na atuação extrajudicial e na atuação judicial, mas também quando o Ministério Público busca assegurar a participação da sociedade em audiências públicas, firmando termos de ajustamento de conduta e mesmo atendendo a qualquer do povo e adotando as medidas de sua competência.

Nesse sentido, são providências que o Ministério Público pode adotar como meios de atuação: buscar que seja dado o real atendimento em hospitais e postos de saúde; fiscalizar a existência de vagas em escolas; cuidar das condições em que se encontram os presos; receber petições, notícias de irregularidades, reclamações e representações de qualquer pessoa e de qualquer natureza, por desrespeito aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual; instaurar e presidir sindicâncias; promover diligências, requisitar documentos, dentre outras.

Assim, o Ministério Público deve estar cada vez mais sensível aos anseios e necessidades da nação brasileira, buscando que se efetive a Justiça Social e atuando diligentemente contra a opressão, injustiça, contra a corrupção e a improbidade, pois é a instituição a quem o constituinte e a sociedade como um todo confia como protetor dos valores mais caros da sociedade.

A sociedade, portanto, é a fonte de atuação e a fonte de legitimação do Ministério Público. Por isso, é de suma importância que os órgãos de execução, em especial os Promotores de Justiça, por possuírem uma atuação mais próxima da sociedade, sejam realizadores de efetivas e positivas transformações sociais, a fim de auxiliar, como agentes ativos, na implementação de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e as desigualdades e a grande incidência da criminalidade.

Por tudo isso, pode-se concluir que o Ministério Público atua pela sociedade e para a sociedade.

88. DIFERENÇA DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM RELAÇÃO À DEFENSORIA PÚBLICA



No Brasil, a criação da Defensoria Pública ocorreu por meio da previsão constitucional do art. 134 da CRFB de 1988, sendo abordada como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, devendo ser criada e instalada como órgão da própria estrutura estatal.
Estabelece o dispositivo constitucional em exame que à Defensoria Pública incumbe a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, na forma do art.5º, inciso LXXIV.
O inciso LXXIV do art. 5º da CRFB, por sua vez, estabelece a obrigação, do Estado, de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos cidadãos que comprovem insuficiência de recursos financeiros. 
O art. 134 da CRFB foi regulamentado pela Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, que, em seu art. 1º, confirma a atuação institucional da Defensoria Pública em favor dos necessitados. 
A Defensoria Pública representa importante instrumento de cidadania, com o desiderato primeiro de pôr fim à opressão e à desigualdade social brasileira, em defesa dos necessitados, ou seja, de todos os cidadãos comprovadamente hipossuficientes, comprovada a insuficiência de recursos econômicos próprios.
A CRFB de 1988, logo em seu Preâmbulo, reza que o Estado Brasileiro assegurará os direitos sociais e individuais, e, em seu art. 5º, inciso XXXV, expressa que “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito”. 
Observa-se que não mais se está falando em direito exclusivamente individual, mas incluem-se também os transindividuais. A prestação jurisdicional deixou de ser mero instrumento de direitos subjetivos individuais, expandindo-se também para a seara da tutela dos interesses transcendentais da sociedade. 
Outro importante marco para a defesa dos direitos coletivos se deu com o advento da Lei Federal n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor. 
A partir dessa inovação legislativa infraconstitucional, a Ação Civil Pública passou a ser disciplinada tanto pela Lei n. 7.347/85, como pelos dispositivos processuais do Estatuto Consumerista, compondo, assim, um sistema processual integrado (art. 21 da primeira e art. 90 do segundo).
Pode-se afirmar que Ação Civil Pública é aquela pela qual o órgão do ministério Público ou outros legitimados ativos ingressam em juízo com o escopo de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente, o consumidor, ou, ainda, quaisquer outros interesses difusos e coletivos, com vistas à responsabilização do causador do dano e à reparação pelos que foram causados.
Cumpre indagar, portanto: a quem cabe defender estes relevantes interesses sociais em juízo? Quem são os legitimados ativos para a propositura da Ação Civil Pública? A Defensoria Pública estaria legitimada  a propor a Ação Civil Pública em defesa de interesses difusos?
Dentre os legitimados para propor a Ação Civil Pública, conforme a nova redação dada pela Lei Federal n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007, está a Defensoria Pública. 
Seguindo a esteira do alargamento da legitimação ativa em defesa dos interesses transindividuais, o legislador infraconstitucional, por meio da Lei n.11.448/2007, fez acrescer à Lei n. 7347/85, em seu art.  5º, inciso ii, a Defensoria Pública como um dos legitimados a propor Ação Civil Pública. 
Assim, cumpre indagar sobre a efetiva legitimidade ativa da Defensoria Pública para promover ações coletivas. Quais seriam os limites constitucionais de sua legitimação? A questão a ser debatida é se a Defensoria Pública possui legitimidade universal à propositura da Ação Civil Pública. 
A Defensoria Pública, consequência de sua função constitucional, é instituição que representa e substitui processualmente os necessitados que comprovarem a insuficiência de recursos financeiros para demandar em nome próprio. 
O reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública, com o advento da Lei n. 11.448/2007, é questão superada, encontrando no Texto maior o amparo constitucional necessário para validade e interpretação dos limites de sua atuação institucional. 
A relevância da função institucional da Defensoria Pública na defesa dos direitos individuais, individuais homogêneos e coletivos dos comprovadamente necessitados, é certa, necessária e inquestionável.
Assim, resta apenas estabelecer, a teor do disposto no art. 134; no art. 5º, inciso LXXiV, ambos da CRFB; e no art. 1º Lei Complementar n. 80/1994, os limites constitucionais de sua legítima atuação institucional. 
A Defensoria Pública será parte legítima para propor a Ação Civil Pública somente na defesa dos diretos dos hipossuficientes, ou seja, de todos aqueles necessitados que comprovem a insuficiência de recursos para demandar em nome próprio.
 Assim, a aparente legitimidade universal estampada no inciso ii do  art.5º da Lei Federal n. 7.347/85, acrescido pela Lei n. 11.448/07, deve ser interpretada restritivamente, conforme o comando constitucional. 
Ora, a legitimidade de atuação da Defensoria Pública pressupõe, por  força normativa da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXXiV, art. 134, ambos da CRFB), a existência de dois requisitos básicos: 1) ser direcionada aos necessitados; 2) e que estes comprovem insuficiência de recursos. Com isso já se pode afirmar que a Defensoria Pública somente poderá atuar quando individualizados os interessados, todos imperiosamente necessitados, por situação de hipossuficiência que deverá ser comprovada para efetivo benefício da substituição processual.
Portanto, pode-se concluir facilmente pela constitucionalidade do inciso  II do art. 5º da Lei Federal n. 7.347/85,.com a nova redação dada pela Lei n. 11.448, de 2007, pertinente à legitimidade ativa da Defensoria Pública  para a propositura da Ação Civil Pública quando na defesa de interesses individuais homogêneos e coletivos de cidadãos hipossuficientes, comprovada a insuficiência de recursos econômicos.
 Entendimento diverso deve ser adotado em relação ao reconhecimento da legitimidade ativa da Defensoria Pública na defesa de interesses difusos. É que, presentes interesses difusos, a incompatibilidade entre a pretendida legitimidade ativa e a impossibilidade de identificação dos substituídos processuais, decorrentes do objeto indivisível e dos interesses de grupos indetermináveis, é absoluta, não comportando quaisquer exceções.
Falece, portanto, legitimidade à Defensoria Pública para propor Ação Civil Pública em defesa de interesses difusos, havendo de ser reconhecida obrigatoriamente a inconstitucionalidade parcial do inciso II do art. 5º da Lei Federal n. 7.347/85.
Nada impede, entretanto, que a Defensoria Pública – não atuando somente em face do Poder Judiciário – preste assistência jurídica (e não judiciária) ao eventual necessitado, (embora não determinável), orientando-o como detentor, em tese, de interesses difusos, remetendo-o aos legitimados ativos universais para propor a Ação Civil Pública hipoteticamente cabível. 
Certo é que a Defensoria Pública tem sua atividade destinada à defesa da população pobre, em favor dos cidadãos menos favorecidos econômica e comprovadamente insuficientes de recursos. 
A Constituição da República delimita as funções institucionais da Defensoria Pública de modo a legitimar sua atuação institucional na defesa de interesses individuais homogêneos e coletivos de todos os cidadãos hipossuficientes, desde que comprovada a insuficiência de recursos econômicos por parte dos representados/necessitados. Eis a relevância da tarefa constitucional da Defensoria Pública.
Defende-se, portanto, a tese da constitucionalidade parcial do inciso II do art. 5º do da Lei Federal n. 7.347/85, referente à legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública, para restringi-la exclusivamente à defesa de interesses individuais homogêneos e sociais dos necessitados comprovadamente carecedores de recursos econômicos.



89. O ECAD E A FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO


1 – O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD

O ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) é uma instituição privada, sem fins lucrativos, instituída pela lei 5.988/73 e mantida pela Lei Federal 9.610/98.

Apesar da Lei nº 9.610/98 tratar da proteção aos direitos autorais de forma bem abrangente, englobando todo o tipo de produção intelectual, tais como obras literárias, científicas, audiovisuais, fotográficas, esculturais e etc., o ECAD se limita a centralizar a arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública de obras musicais, lítero-musicais e fonogramas.

A administração do ECAD é realizada por nove associações de gestão coletiva musical.

O titular de música deve se filiar a uma das nove associações e informar seu repertório de produção musical a fim de ver garantido seu direito econômico decorrente da exibição pública de sua obra, já que, com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança (art. 98, Lei nº 9610/98).

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, estão sujeitas à cobrança pelo ECAD as exibições públicas de músicas realizadas pelas rádios, em shows, em festas de casamentos, em trilha sonora de filmes, em quartos de hotel, em clínicas médicas e festas populares gratuitas organizadas pela administração pública, ainda que sem fim lucrativo.

Ou seja, toda e qualquer exibição pública, independentemente de constituir atividade lucrativa, está submetida à obrigação de recolher as cofres do ECAD os valores dos direitos autorais referentes às obras musicais.

Ressalta-se que, também de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, compete ao próprio autor fixar o valor de exibição de sua obra. Todavia, com o ato de filiação as associações de gestão coletiva musical, essa faculdade é transferida ao ECAD, o qual passa a acumular a atribuição de fixação de preços, cobrança e distribuição dos direitos autorais de seus associados.

2 – A música como manifestação cultural nacional

Não há dúvidas de que a música é uma das mais importantes manifestações da arte e da cultura de um povo, portanto, elemento integrante do patrimônio cultural nacional.

A Constituição Federal, no Título VIII, denominado Da Ordem Social, por sua vez, ao mesmo tempo em que prevê que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais, afirma que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem, as criações artísticas (art. 215 e 216, III).

Por meio da recente Emenda Constitucional nº 71, foi instituído o Sistema Nacional de Cultura tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais (art. 216-A).

 Dentre os princípios do Sistema Nacional de Cultura, o poder constituinte derivado reformador estabeleceu a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais e transparência e compartilhamento das informações (art. 216-A, § 1º).

Por isso, a centralização da arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública de obras musicais no ECAD, entidade com personalidade de de direito privado, sempre causou estranheza ao meio jurídico e artístico.

Esse olhar desconfiado sempre teve como fundamento a completa obscuridade das atividades desenvolvidas pelo ECAD, principalmente o montante arrecadado em nome dos artistas e a quantia efetivamente a eles distribuída. Além disso, não é da tradição do nosso ordenamento deixar à iniciativa privada a administração de bens nitidamente públicos e de titularidade difusa, como é a produção musical nacional.

3 – A Lei nº 12.853/13

Por isso, após embates travados pelas comunidades artísticas e órgãos de controle da Administração Pública, valendo citar-se a instalação de comissão parlamentar de inquérito no Senado Federal, em 2011, e a condenação do ECAD pelo Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência – CADE pelo abuso do poder econômico e prática de cartel, no início de 2013, foi aprovada, sancionada e promulgada a Lei nº 12.853, de 14 de agosto de 2013.

Da análise do novo texto legal, infere-se com clareza que o legislador, reconhecendo a importância da produção e divulgação musical para a cultura brasileira, deixando de tratá-la como mera atividade econômica particular, visou criar mecanismos de controle público sobre as atividades desenvolvidas pelo ECAD.

Dentre elas, vale citar a menção expressa de que as associações que integram o ECAD exercem atividade de interesse público, devendo atender a sua função social, as quais devem obter prévia habilitação junto à Administração Pública Federal para o exercício de suas atividades. Além disso, foi imposto às referidas associações a obrigação de observarem os princípios da isonomia, eficiência e transparência, assim como de encaminhar informações relativas às atividades do ECAD ao Ministério da Cultura.

Assim, pode se afirmar que a Lei nº 12.853/13 representou a publicização dos interesses culturais ligados a produção e exibição musical, os quais estavam, repita-se, indevidamente a cargo de entidades privadas, sem nenhuma forma de controle estatal.

4 – O Ministério Público e as funções correlatas à cultura

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses socais e individuais indisponíveis, conforme formatação dada à instituição pela Constituição Federal de 1988.

Dentre as suas funções, está a de promover, na forma da lei, a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos (art. 129, III, da CF/88 e art. 25, IV, a, da Lei nº 8.625/93).

A produção e exibição de obras musicais sempre foram consideradas manifestações da cultura nacional, possuindo evidente valor artístico, constituindo-se, assim, um direito difuso por excelência.

Todavia, a atuação do Ministério Público neste campo sempre encontrou dificuldades, uma vez que, conforme já mencionado, as Leis nº 5.988/73 e nº 9.610/98  atribuíram às entidades privadas a administração desses bens culturais, sem abertura para o controle estatal.

Porém, a partir da edição da Lei nº 12.853/13 e a da previsão de instrumentos públicos de controle e intervenção nas atividades desenvolvidas pelas entidades integrantes do ECAD, a nuvem que pairava sobre a possibilidade de intervenção do Ministério Público na defesa dos direitos culturais correlatos à produção e exibição de obras musicais se dissipou.

Nesse sentido, apenas a título de exemplo, cumpre destacar que a omissão completa da Lei nº 9.6010/98 em relação ao Ministério Público foi substituída por previsão expressa de necessidade de comunicação ao órgão ministerial nos casos em que o fiscal arrecadador receber do usuário numerário a qualquer título ou a associação tiver cassada sua habilitação ao órgão de fiscalização da Administração Pública na Lei nº 12.853/13 (arts. 98-A, § 2º e 99, §6º).

Em conclusão, se no regime anterior existia oposição a respeito da possibilidade de atuação do Ministério Público como fiscal do ECAD, uma vez que este é uma entidade privada e que, em tesem geria interesses iminentemente privados dos titulares de direitos autorais ligados às obras musicais, hoje essa resistência não pode mais subsistir.

Isso porque, ao definir que as associações que integram o ECAD exercem atividade de interesse público, a Lei nº 12.853/13 deixou claro que o Ministério Público tem legitimidade para atuar no controle e fiscalização do ECAD, como substituto processual da sociedade, em defesa dos direitos culturais de valor artístico.


90. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Amanda Gualtieri Varela


“O Ministério Público, por conseguinte, nem é governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; é a Constituição em ação, em nome da sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e salvaguarda das instituições”.       
                                                 (Paulo Bonavides)

1. Panorama legislativo
A atual Constituição da República dotou o Ministério Público de novo perfil, outorgou garantias e impôs vedações aos seus membros, elencou novas atribuições para a instituição a fim de que cumpra a vocação social que lhe fora cometida pelo constituinte. 
O artigo 127, caput, da Constituição Federal aduz ser o Ministério Público instituição permanente – o que o confere, bem como às prerrogativas, o status de cláusula pétrea implícita –, essencial à função jurisdicional do Estado e cujas atribuições são as seguintes: defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É nesse mesmo sentido que dispõem os artigos 1º da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e 1º da Lei Complementar 197/00 – Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

2. Breves considerações acerca das demais funções do Ministério Público
Antes de abordar de forma mais detida a atribuição do Ministério Público como defensor do regime democrático, passarei, brevemente, a discorrer sobre as outras nobres funções que também são conferidas pelo constituinte ao órgão ministerial. 

2.1. Defesa da ordem jurídica
De acordo com o que ensina Emerson Garcia, o Ministério Público tem o dever funcional de defender a ordem jurídica, o que pressupõe a análise de todos os atos praticados por órgãos estatais e possibilita o ajuizamento de medidas necessárias à coibição de abusos ou ilegalidades. 
A ordem jurídica deve ser compreendida em sua acepção ampla, ou seja, não guarda similitude tão somente com a lei, mas sim com o Direito – noção mais abrangente. Por essa razão, há quem entenda que o mais correto seria se falar em “custos iuris”, em vez de se utilizar a expressão consagrada “custos legis”, na medida em que a tutela da ordem jurídica pelo membro do Ministério Público deve ir muito além da proteção pura e simples da lei.
Em vista dessa atribuição, o art. 27 da LONMP impõe ao Ministério Público a defesa dos direitos assegurados tanto na Constituição Federal como na Constituição do Estado, a fim de que ambas sejam respeitadas pelos poderes estatais e municipais; pelos órgãos da Administração Pública, direita ou indireta, em âmbito estadual ou municipal; pelas concessionárias e permissionárias de serviço público na órbita dos entes estatais e municiais; bem como por qualquer entidade que exerça funções delegadas pelo Estado ou pelo Município ou que executem serviços de relevância pública.
É no mesmo sentido do ora exposto a redação do art. 82, inciso VII, da Lei Orgânica do MPSC.
Para a consecução de seu mister, o Parquet dispõe de diversos instrumentos, como a emissão de recomendações dirigidas aos órgãos ou entidades mencionadas, a realização de audiências públicas, a propositura de ações no controle de constitucionalidade (concentrado ou difuso) e a tomada de termo de ajustamento de conduta.
Por fim, adverte-se que, segundo Mazzilli, a função de guardião da ordem jurídica não confere ao Parquet o zelo pelo cumprimento de toda e qualquer lei do país, mas tão só daquelas que se coadunem com suas finalidades institucionais. Assim, segundo o autor, se uma lei disser respeito a um direito disponível, sem qualquer expressão social, não seria justificável a intervenção do Ministério Público.



2.2. Defesa dos interesses sociais
Os direitos (ou interesses) sociais estão dispostos no art. 6º da Constituição Federal; trata-se, pois, de direitos fundamentais de 2ª dimensão, na medida em que se caracterizam, em regra, por prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente. São exemplos de direitos sociais o direito à saúde, ao trabalho, à moradia e ao lazer. Os direitos sociais encontram relação com o direito de igualdade, conforme ensina José Afonso da Silva.
Em vista de ser conferida ao Parquet a tutela dos direitos sociais, é que se torna possível uma ação civil pública que tutele direitos disponíveis de um grupo de indivíduos, por exemplo, mas desde que esses direitos estejam revestidos de interesse coletivo – o que, em última análise, também será considerado interesse público (primário). É o caso, por exemplo, de ações propostas para a defesa de interesses individuais homogêneos de larga abrangência social.
Assim, a par dos casos em que haja indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, será também exigível a atuação do Ministério Público se a defesa de qualquer interesse – disponível ou não – convier à coletividade como um todo.

2.3. Defesa dos interesses individuais indisponíveis
Os interesses indisponíveis são aqueles que, por sua precípua relevância para a coletividade, se apresentam como indispensáveis à manutenção da integridade do corpo social, e, por conseguinte, da própria existência do Estado. Por sua magnitude, esses direitos são tutelados por meio de normas cogentes. 
Por ter o constituinte conferido ao Ministério Público a tutela dos direitos individuais indisponíveis, não há como afastar a legitimidade da instituição ministerial da ação de alimentos proposta em favor de uma criança ou adolescente, por exemplo, ou então, da ação civil que visa a compelir o ente estatal a fornecer medicamento indispensável à sobrevivência de uma pessoa carente. Até mesmo porque, em última análise, o interesse de um único indivíduo, se indisponível, também será um interesse público, cujo zelo, portanto, é cometido ao Ministério Público. 


3. A defesa do regime democrático pelo Parquet
3.1. Algumas considerações sobre o Estado Democrático de Direito
Primeiramente, cabe salientar que o termo “Estado de Direito” significa uma limitação do poder do Estado pelo Direito. Contudo, é indispensável que seu conteúdo reflita um determinado ideário, uma perspectiva de esperança social e não apenas um Estado marcado sob a ótica formal de direito, não apenas um “Estado Legal”. 
Isso porque, se o direito se confunde com o mero enunciado formal da lei, privado de conteúdo, sem compromisso com a realidade política, social, econômica e ideológica, todo Estado acaba por ser Estado de Direito, ainda que totalitário. Assim, o “Estado Democrático de Direito” se diferencia do Estado meramente de Direito por oferecer garantia da tutela dos direitos da personalidade. Ao vincular o termo “democrático” ao Estado, para qualificá-lo, todos os valores da democracia (igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana) se propagam sobre os elementos constitutivos do Estado e também sobre a ordem jurídica. O Direito, então, revestido desses valores, terá de ajustar-se aos interesses coletivos. 
Sobre o tema, importante a lição de José Afonso da Silva:
 “É da essência de seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais (...) A lei deve influir na realidade social (...) A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social”.
Estado Democrático de Direito traz em seu bojo um “plus normativo”, um conteúdo utópico de transformação da realidade, que o difere do Estado Liberal (no qual a lei possuía um conteúdo geral e abstrato, destinado a restringir a atuação estatal) e também o diferencia do Estado Social (no qual a lei, além de restringir a atividade estatal, assumia papel de implementar prestações exigidas pela população).  É a tendência à transformação da ordem estabelecida, o que pressupõe a participação da sociedade, que gera seu caráter democrático.
No Estado Democrático de Direito, ocorre um sensível deslocamento da esfera de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo para o Poder Judiciário. Nessa medida, se o Judiciário assume a tarefa de adequar o direito ao aspecto de transformação social preconizado pelo Estado Democrático, necessária será a existência de uma instituição apta a veicular os pleitos de índole transformadora junto àquele Poder, que, por sua natureza, é inerte. É nesse contexto que se deve abordar o papel do Ministério Público na contemporaneidade.

3.2. Ministério Público como agente de transformações sociais no Estado Democrático de Direito
O Ministério Público é indispensável ao florescimento da democracia. Entretanto, Estados totalitários também podem servir-se do Ministério Público; isso porque, o Parquet é investido de parcela da soberania estatal e comunga da estrutura do Estado do qual faz parte como órgão, razão por que tende a espelhar a realidade do Estado o qual integra. Dessa forma, para que seja realmente instrumento democrático, se faz indispensável um Ministério Público forte e independente, nos moldes que foram traçados pelo constituinte de 1988, na “Constituição-Cidadã”.
O Ministério Público só é capaz de atingir sua destinação última em meio essencialmente democrático. Um Estado Democrático é aquele no qual o povo, de acordo com seu entendimento livre, toma decisões concretas em matéria política, ou, ao menos, estabelece as diretrizes que devem ser observadas por aqueles que governarão. 
Ora, para tornar concreto o mandamento constitucional de que o Ministério Público está a serviço da defesa do regime democrático, se faz mister que o Parquet tome, por exemplo, a iniciativa de propor mandados de injunção, quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, como a falta de regulamentação da participação popular nas decisões políticas, quer pelo plebiscito, quer pelo referendo, quer pela iniciativa no processo legislativo. Também é necessário que proponha ações diretas de inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional; que fiscalize e intervenha em todo o processo eleitoral, bem como nas hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos o no livre funcionamento dos partidos políticos. Além disso, deverá promover as competentes ações de responsabilidade – na área civil ou criminal – pela prática de crimes que ofendam os princípios democráticos. 
Dentro do novo perfil traçado para a Instituição do Ministério Público pelo constituinte, destaca-se a função de “ombudsman”. Com efeito, o artigo 129, inciso II, do texto constitucional, estatuiu como função do Parquet o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição através da promoção das medidas necessárias. Tal mister confere ao Ministério Público a função de guardião da Constituição, dos seus princípios e valores mais caros , dos deveres e direitos fundamentais que consagra, configurando, assim, a própria tradução e síntese da função de garante da legalidade democrática.
Nessa perspectiva, cumpre concluir que, com a mudança de paradigma constitucional, a função institucional mais relevante do Ministério Público passou a ser a de órgão agente (resolutivo), promotor das mudanças tão esperadas na ordem social contemporânea. O Promotor da atualidade deve estar capacitado a intermediar conflitos, visando a incrementar sua maior atuação extrajudicial, mediante a celebração de TACs ou instrumentos semelhantes, a proposta de transações penais, realização de audiências públicas , a elaboração de recomendações, de cartilhas cidadãs etc. O promotor demandista deve ceder espaço, quando possível, ao promotor resolutivo, que atua, no plano extrajudicial, como um grande intermediador e pacificador da conflituosidade social. Além disso, deve estreitar e ampliar seu relacionamento com a sociedade, pois ele nada mais é senão seu mandatário constitucional. 
Assim, integrando a sociedade civil, o Ministério Público, nos limites de suas atribuições, deve participar efetivamente do processo democrático, alinhando-se com os demais órgãos do movimento social comprometidos com a concretização dos direitos já previstos e a positivação de situações novas que permitam o resgate da cidadania para a maioria excluída desse processo, numa prática transformadora orientada no sentido da construção de uma nova ordem, do projeto democrático.


Referências 
ALMEIDA, Gregório Assagra de.  O Ministério Público no neoconstitucionalismo: perfil constitucional e alguns fatores de ampliação de sua legitimação social. In: Temas atuais do Ministério Público. Salvador: Jus podivm, 2013.
JATAHY, Carlos Roberto de C. 20 anos de Constituição: o novo Ministério Público e suas perspectivas no Estado Democrático de Direito. In: Temas atuais do Ministério Público. Salvador: Jus podivm, 2013. 
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2013.
ZENKNER, Marcelo; MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Ministério Público (LONMP). Salvador: Jus podivm, 2012. 


91. FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

O direito à Justiça, representado sobejamente pelo amplo acesso ao Poder Judiciário e também pela duração razoável do processo, está contemplado na Carta Constitucional de 1988, alterada pela EC n. 45, que inclusive o alçou ao plano dos direitos fundamentais, conforme se verifica da leitura do artigo 5°, incisos XXXV e LXXVIII do Diploma Maior. 
No entanto, diante do elevado número de demandas levadas ao conhecimento do Estado-juiz e o consequente abarrotamento das instâncias ordinárias, tal direito não tem sido observado, pondo em xeque a própria efetividade do processo.
Nas palavras de Cláudio Cintra Zarif: “Não basta o acesso à justiça, com os meios e recursos a ela inerentes, se não se puder também garantir que o resultado desses processos irá realmente dar ao titular do direito tudo aquilo que obteria se não tivesse precisado se socorrer do Judiciário". 
Dada à importância social e jurídica do tema, já que a morosidade produz intenso descrédito na solução de litígios pelas vias formais, procurou o legislador, ainda que superficialmente, dar verdadeira aplicabilidade a tal direito fundamental, criando para tanto as tutelas processuais de urgência.
As tutelas de urgência são divididas em tutela antecipatória ou satisfativa, tutela cautelar e a tutela inibitória.
A tutela antecipada, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, trata, como a nomenclatura já sugere, da própria obtenção, ainda que parcial, do bem da vida almejado no processo, numa clara antecipação do fim colimado pelo autor.
Já a tutela cautelar, por sua vez, disciplinada em livro próprio no Código de Processo Civil, busca assecurar a eficácia plena do provimento jurisdicional, a ser obtido por meio de futuro ou concomitante processo. Classifica-se em preparatória e incidental. É incidental a cautelar quando é ajuizada nos autos de um processo principal e preparatória a cautelar proposta anteriormente ao processo principal.
Por fim, a tutela inibitória é aquela que tem natureza preventiva, cabível para evitar o início de ato ilícito, a sua repetição ou o seu desenvolvimento, em casos de atos sucessivos.
Certamente a aplicação eficaz dos referidos institutos mostra-se remédio de importância substancial para a garantia da efetividade do processo, na medida em que distribui o tempo de forma igual para as partes da lide. Digo isto porque anteriormente havia a ideia de que o tempo era um fator neutro no processo, concepção deveras ultrapassada, já que por evidente se porta, ao menos em regra, a beneficiar o réu em detrimento do autor.
Pois bem, no intuito de aprimorar ainda mais a utilização das tutelas de urgência e com isso dar azo à observância da razoável duração do processo, acrescentou o legislador ao artigo 273 do Código de Processo Civil o seu sétimo parágrafo, por meio da Lei n. 10.444-2002, formalizando entendimento já consolidado na doutrina e jurisprudência com respeito a fungibilidade das tutelas de urgência, especialmente das tutelas antecipatória e cautelar.
De acordo com o citado dispositivo: "Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.".
A norma, além de privilegiar a razoável duração do processo, observa o princípio da instrumentalidade das formas, que orienta o funcionamento de todo o sistema processual civil moderno, tal como trazido pelos artigos 154 e 244 da Legislação Civil Adjetiva. 
Assim, diante da evidente relação entre as espécies de tutelas, pois ambas tratam de situações de urgência, onde há o iminente risco de lesão e que não podem prescindir da pronta resposta do Estado-juiz, acrescentou-se ao Código a já aludida disposição, resguardando dessa forma o interesse da parte mesmo que a via eleita não se mostre a mais correta.
Vê-se que a alteração legislativa possibilitou o deferimento de medidas cautelares no âmbito do processo de conhecimento quando pleiteadas a título de antecipação de tutela. Nesses casos, por via transversa acaba por se dispensar a propositura de um processo autônomo e acessório para a obtenção do provimento acautelatório exigido pela situação de urgência.
Mas a fungibilidade não é automática. Faz-se necessário para operá-la, segundo o parágrafo sétimo do artigo 273 do CPC, a presença dos requisitos autorizadores da espécie de tutela que será concedida.
Nesse passo, se no bojo de uma ação de conhecimento, o autor, a título de tutela antecipada, pleitear uma medida de natureza estritamente cautelar, para que esta possa ser deferida nos moldes da Lei, é necessário que se conjuguem os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Com efeito, a aplicação do artigo em discussão está subordinada, portanto, a que de fato exista a plausibilidade do direito invocado a partir de um juízo de cognição sumária, verossimilhança esta suficiente para que seja deferida a medida acautelatória do direito da parte.
Do contrário, estando ausentes os requisitos, a medida não será deferida, já que o texto do § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil é claro ao dispor que poderá ser deferida a medida cautelar pleiteada a título de tutela antecipada no âmbito do processo de conhecimento, se presentes os pressupostos.
Tal como já assinalado, a fungibilidade das tutelas de urgência já vinha sendo aceita pela doutrina, por vários aspectos, cabendo citar dentre eles: primeiro, conforme também restou salientado, em razão da instrumentalidade do processo e do desapego ao excesso de formalismo; segundo, porque os requisitos da tutela antecipada são mais exigentes do que o da tutela cautelar, além de outros argumentos como a economia e celeridade processual.
A partir do autorizativo legal surgiu a indagação acerca da (im)possibilidade da via inversa, ou seja, o deferimento de uma medida de antecipação de tutela no âmbito do processo cautelar, aplicando-se a fungibilidade nas duas direções.
A doutrina não é pacífica sobre o assunto. Existem posicionamentos tanto pela viabilidade como pela impossibilidade e ambas as correntes valem-se de contundentes e substanciais argumentos jurídicos, parecendo preponderar a aceitação da fungibilidade em mão dupla, entendimento do qual compartilho em razão sobretudo da eficácia dos princípios constitucionais tratados no decorrer da presente apresentação.
São essas, em resumo, as considerações que faço a respeito do tema proposto.


92. O MINISTÉRIO PÚBLICO COM A IMPRENSA

A relação do Ministério Público com os meios de comunicação social pode ser analisada sob duas óticas distintas:
1) o papel do Ministério Público no controle dos meios de comunicação social e;
2) o papel da mídia como instrumento de legitimação social do Ministério Público.  (mais importante e que gera mais desconforto aos que detêm o poder político e econômico).  

1) Após os anos setenta, a mídia tem cada vez mais exercido um papel predominante na formação de opinião pública por dificultar a formação do senso crítico e massificando determinado pensamento. A mídia faz caminhar a imagem do mundo como um todo, com a capacidade de alterar conteúdos e a própria realidade de um determinado fato. Esta característica faz surgir a preocupação com o controle dos abusos nos meios de comunicação. Em nosso ordenamento jurídico, tivemos recentemente dois modelos de controle dos meios de comunicação social: o controle total, caracterizado pela censura do regime ditatorial pós-1964 e a fase de liberdade de imprensa, percebida com o advento da CF/88, e caracterizada apenas pelas recomendações de caráter etário.
O momento atual vivenciado reflete o relaxamento do controle dos meios de comunicação fez com que fatores econômicos ditassem as regras da seleção da programação das rádios e canais televisivos, o que por seu turno desvinculou o seu conteúdo do interesse público. Por exemplo, o papel da televisão não é mais o de informar, mas sim, como toda empresa, vender os seus espaços de propaganda. 
Neste sentido o Ministério Público, em face de suas funções institucionais de proteção dos interesses sociais preconizadas pela CF/88, possui legitimidade para exercer o controle dos meios de comunicação social, buscando adequar os excessos das programações aos padrões de normalidade e respeito aos direitos e interesses previstos na Constituição Federal. 
Há vários exemplos desta atuação tomadas pelo Ministério Público, tais como: a) que o “Programa do Ratinho” exibido pelo SBT viesse a se adequar aos padrões ditados pela ordem pública, especialmente no que concerne ao respeito à dignidade humana; b) Filme Calígula – ofensa ao direito das crianças e dos adolescentes;c) outro caso foi a condenação na editora Abril S/A em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa Catarina porque ela divulgou anúncio de circulação nacional intitulado “filhota”. No a anúncio, uma menina obtém autorização do pai para fazer "sexo selvagem" e acordar "a vizinhança toda"; d) a condenação da empresa de telefonia Claro, postulada pelo Ministério Público de Santa Catarina, porque veiculou publicidade considerada abusiva. Na peça publicitária, o menino chamava o pai de "picareta", porque teria adivinhado o valor da fatura telefônica que a mãe manuseia.

2) Devido às atribuições definidas para o Ministério Público pelo texto constitucional resta claro que este se tornou um dos mais importantes agentes políticos que compõe nossa estrutura social. Esse fato impõe ao parquet um relacionamento estreito com a sociedade, principal destinatária de sua atuação. 

O Ministério Público é hoje, por sua postura corajosa em favor dos legítimos interesses da sociedade brasileira,fonte permanente de notícias para os meios de comunicação do país. Tudo quanto é dito e feito pelos membros do Parquet repercute na imprensa, de modo positivo ou negativo. Não há como negar essa realidade.

Em razão disso, faz-se imperioso e que Ministério Público divulgue didaticamente sua atuação e demonstre o sentido e a finalidade de suas ações. O membro do Ministério Público deve considerar que a maior parte da população não tem o mínimo conhecimento de seus direitos básicos e, neste sentido, a divulgação didática e importância de sua atuação, além de legitimar a instituição perante a sociedade também cumpre uma finalidade social, que é a dar à sociedade o conhecimento mínimo de seus direitos e deveres. 
Porém, essa divulgação por meio da imprensa das atuações do Ministério Público deve ser pautada pela precaução e cautela, principalmente quando se tratar de ações penais ou relacionadas à improbidade administrativa. 
É que a imprensa tem o poder de distorcer, ainda que involuntariamente, o sentido das informações apresentadas pelo membro do Ministério Público. Além disso, as informações oferecidas pelo membro do Ministério Público à imprensa podem dar início a chamada publicidade opressiva, que pode estigmatizar uma pessoa inocente perante a sociedade. 
Não faltam exemplos de julgamentos antecipados pela mídia, destacando-se no cenário nacional o caso da Escola Base de São Paulo . O direito à imagem e à intimidade dos “investigados” é o principal argumento contra a divulgação das investigações para os meios de comunicação social e destes para o público. Com a cautela necessária, o membro do Ministério Público evita de ser taxado de autoridade-show e não compromete a imagem da instituição como um todo.  
Outra crítica sofrida pelo Ministério Público está relacionada ao abastecimento da imprensa com notícias de crimes e investigações, que depois são utilizadas pelo próprio Ministério Público como “prova” nas ações que ajuíza. Ou seja, alimenta a imprensa e depois se vale dela para justificar suas ações.   
Os abusos cometidos e das críticas recebidas nasce a vontade política de restringir o campo de atuação do Ministério Público e limitar sua relação com os meios de comunicação social, como, por exemplo, foi a tentativa de aprovar a “lei da mordaça”, que estipula sanções penais ao agente público que “revelar (...) ou permitir, indevidamente, que cheguem ao conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas”. 
Ante o exposto, pode-se concluir que:
a) No controle dos abusos dos meios de comunicação social o membro do Ministério Público deve se pautar pelos termos da lei e pelos ditames da Carta Magna, pelo interesse público e pela própria convicção.
b) Quanto ao uso da mídia como instrumento de legitimação da atuação do Ministério Público, o Promotor ou Procurador de Justiça deve agir com cautela e procurar sempre fazer deste um canal em benefício da sociedade e da própria instituição. Faz-se necessário compreender a função da Imprensa, com suas qualidades e defeitos e buscar uma convivência harmoniosa, produtiva para a sociedade. É fundamental explicar detalhadamente o assunto ao repórter, traduzindo o “juridiquês”,  como por exemplo: a) traduzindo termos muito técnicos, que não são de conhecimento do grande público para uma linguagem coloquial; b) ser didático nas entrevistas; c) ser objetivo e também claro nas suas exposições.


Referência:

ZARIF, Cláudio Cintra. Da necessidade de repensar o processo para que ele seja realmente efetivo. Artigo publicado no livro Processo e constituição – Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.



93. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Bom dia a todos! Cumprimento o Excelentíssimo Presidente da Comissão de Concurso (Dr. LIO MARCOS MARIN) e, em seu nome, a todos os membros da Banca.
O tema a mim confiado foi a “O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA”.
Trata-se de tema vasto, propício a diversas abordagens, e, de forma a me manter fiel ao tempo disponível para a apresentação, procurarei desenvolvê-lo abordando a natureza jurídica da probidade administrativa, a legitimidade ministerial e os instrumentos legais disponíveis para o seu controle.
A atuação proba dos agentes públicos é fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito, que deve atuar na busca do bem-estar social coletivo, seguindo os princípios maiores da supremacia do interesse público sobre o privado; e da indisponibilidade dos interesses públicos, pelo administrador
Não por outra razão que a Constituição Federal estabelece no art. 37, § 4º, que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”, comando que foi regulamentado por meio da Lei nº. 8.429/1992. 
Conquanto não tenhamos uma definição constitucional de probidade administrativa, em breves palavras, tendo por substrato a Lei 8429/92, é possível defini-la como o exercício de qualquer função pública com honestidade, moralidade e eficiência, abstendo-se, do abuso das prerrogativas inerentes ao mandato, cargo, emprego ou função pública para angariar vantagem ilícita (econômica ou não), para si ou para outrem, bem como de praticar condutas imprudentes que comprometam o bom funcionamento da administração, atentem contra seus princípios ou lhe causem prejuízo.
A probidade administrativa deve informar toda atuação da Administração Pública, configurando requisito imprescindível para os agentes públicos, sendo a sua observância fundamental para a efetivação das prestações sociais, para o atendimento das necessidades básicas da população, do que se conclui que é a probidade administrativa um elemento inerente à boa Administração Pública. Daí porque se pode afirmar que uma Administração Pública proba e honesta configura inquestionavelmente um direito público subjetivo de todos, verdadeiro direito difuso.
Por sua vez, O Ministério Público, definido pela constituição de 1988 como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, ao qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui dentre suas funções jurisdicionais, os deveres de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” E “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”
Da compreensão dessas funções, observa-se a evidente legitimidade constitucional do Ministério Público para a defesa dos interesses sociais em face dos atos de improbidade administrativa.
Não se trata de representação judicial de entidades públicas, mas sim da proteção do patrimônio público e social, numa amplitude que ultrapassa interesses diretos da pessoa jurídica pública, de forma a contemplar interesses metaindividuais manifestados no direito de cada brasileiro ter bem gerido o patrimônio público e tê-lo usado no interesse da coletividade.
Infraconstitucionalmente, a Lei n. 8429/92 confirma essa legitimidade, e em diversos dispositivos deixa claro o papel primordial do Ministério Público no combate aos atos de improbidade, tanto como autor das ações de improbidade administrativa, como custos legis. 
Da mesma forma, apresenta instrumentos valiosos a efetiva proteção e reparação da probidade administrativa, tais como a possibilidade de requerimento da indisponibilidade de bens do indiciado (art. 7º), o pedido de sequestro de bens (art. 16) ou o afastamento do agente público do cargo (art. 20).
Porém, os instrumentos de atuação não ficam limitados à Lei 8429/92, pois sendo a probidade administrativa bem supra individual, classificado como direito difuso, é plenamente aplicável ao seu combate o instrumental jurídico afeto aos direitos coletivos lato sensu.
O inciso IV do art. 1º da Lei nº 7.347/1985, ao prever que regem-se pelas disposições desta lei as ações de responsabilidade por danos morais ou patrimoniais causados “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, engloba perfeitamente a tutela do patrimônio público e, consequentemente, da probidade administrativa.
Neste contexto, insta destacar a possibilidade de utilização de medidas pré-processuais, tais como a instauração, mediante despacho, de procedimento preliminar ou, por portaria, de inquérito civil público; a requisição de informações e a oitiva de pessoas; e a expedição de recomendações.
Quanto ao inquérito civil para investigação de atos de improbidade administrativa, muito embora não haja previsão na Lei nº. 8.429/92 de tal instrumento, por ter havido veto no projeto original, é inegável a possibilidade de sua utilização pelo Ministério Público. Primeiro em face de autorização expressa na Constituição Federal (art. 129, III), segundo pela própria aplicação da regra prevista nos arts. 1º, inc. IV, 5º e 8º da Lei nº. 7.347/85, que é inteiramente aplicável para os processos coletivos de improbidade administrativa.
Ademais, a Lei Orgânica do Ministério Público da União (arts. 6º, VII, 25, IV e 26, incs. I a III) e Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 26, inc. IV, b), também representam suportes legais para legitimar a investigação do Ministério Público em relação aos atos de improbidade administrativa por meio do inquérito civil, o que também encontra eco na doutrina e jurisprudência.
Trata-se de instrumento investigativo preparatório fundamental para a colheita de elementos necessários a propositura da ação civil pública por improbidade administrativa, principalmente ante a exigência de que a ação seja instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade, conforme o parágrafo 6º, do art. 17, da LIA.
Encerradas as investigações por ato de improbidade administrativa, de acordo com a Lei nº. 8429/92, o Ministério Público terá basicamente dois caminhos: 1) promover o arquivamento; 2) ajuizar a competente ação. 
Em relação ao arquivamento, em face de omissão da Lei nº. 8.429/1992, devem ser observadas as regras do art. 9º, da Lei nº. 7.347/85, perfeitamente aplicável nos casos de improbidade administrativa.
Quanto à Ação de Improbidade Administrativa, conquanto haja alguma divergência doutrinária, tem sido plenamente aceito o seu manejo por meio de Ação Civil Pública, sendo que as palavras acima expostas sobre a natureza difusa do direito à probidade administrativa e a busca de preservação do patrimônio público, são argumentos suficientes a aceitação de seu uso.
Já encerrando, cabe ainda expor a existência de celeuma quanto à  possibilidade, ou não, de serem firmados termos de ajustamento de conduta em matéria de improbidade administrativa.
O § 1º do art. 17 da Lei nº. 8.429/92 veda expressamente a transação ou conciliação nas ações de improbidade na fase processual. Por consequência, muitos autores chegam à conclusão de que também é vedado ao Ministério Público, na fase investigativa, celebrar acordos, termos de ajuste de condutas (art. 5º, § 6º, da Lei nº. 7.347/85) com os agentes ímprobos, sob pena de esvaziamento da regra referida. Logo, sendo aquela norma especial, acaba prevalecendo sobre a geral.
Ao que parece, a razão da vedação de transação se deve evidentemente às sanções que são previstas para o agente ímprobo (art. 12), incompatíveis com a celebração de um acordo, bem como em vista do princípio da obrigatoriedade.
Por outro lado, existem tese no sentido de que a vedação do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser interpretada restritivamente, já que se trata de restrição ao poder do Ministério Público, limitando a possibilidade de acordo entre as partes apenas no bojo da ação de improbidade, não havendo ainda "ação de improbidade administrativa", não estaria vedada a celebração de TAC, principalmente nos casos de atos menores, nos quais a sanção provável seria apenas a de multa e reparação do dano.
De todo o exposto, verificada a importância fulcral da probidade administrativa na manutenção do Estado Democrático de Direito e sua caracterização como direito difuso, resta inequívoca a legitimidade constitucional e infralegal do Ministério Público para o combate aos atos de improbidade, sendo dotado de uma gama ampla de instrumentos a auxiliá-lo no desempenho dessa função.



94. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

O poder de investigação do Ministério Público na seara criminal tem sido objeto de acalorados debates na doutrina e na jurisprudência, que, por sua vez, tem reconhecido essa função constitucional do parquet dentro de previsões constitucionais expressas e também do princípio dos poderes implícitos.
A possibilidade de investigação levada a efeito pelo Ministério Público, não obstante conte com alguns detratores e críticos, é uma realidade em nosso ordenamento jurídico e tem suporte na própria Constituição Federal.
Primeiramente, é importante destacar que em todos os sistemas processuais de países desenvolvidos não se nega ao titular da ação penal a possibilidade de, por meios próprios, realizar investigações com a finalidade de colher elementos de informação para a formação do seu convencimento.
Estamos, portanto, diante de uma polêmica genuinamente brasileira.
No Brasil, fundamentalmente após a promulgação da Constituição de 1988, adota-se um processo penal de estrutura acusatória. Nesse sistema, as funções de acusar, defender e julgar são incumbidas a diferentes pessoas. É marcado, portanto, pela presença das partes e de um órgão imparcial, que assegure a paridade de armas e aja de forma equidistante e imparcial.
A existência de uma fase investigatória sob a responsabilidade do Ministério Público está em perfeita sintonia com o sistema acusatório, que não sofre nenhuma violação ou ofensa. Ao contrário, a investigação cometida ao Ministério Público reforça a índole acusatória do processo penal, visto que não está imune ao simultâneo ou posterior controle judicial.
É importante lembrar, de outra parte, que a investigação criminal não é realizada por um órgão imparcial, que é atributo do Poder Judiciário. O que se espera e exige de uma investigação preliminar é que ela seja conduzida nos estritos limites constitucionais e legais e pautada no interesse público ou social.
E nesse cenário, a possibilidade de realizar procedimentos investigatórios não desincumbe o Ministério Público de seu papel de defensor dos direitos fundamentais do investigado.
A possibilidade de o Ministério Público realizar procedimentos investigatórios pode ser extraída expressamente de diversos dispositivos constitucionais e legais.
Tal legitimidade é encontrada, por exemplo, nos incisos VI e VIII do art. 129 da Constituição, nos artigos 7° e 8° da LC 75/93, art. 26 da Lei 8.625/93 e artigos 4°, parágrafo único, e 47 do Código de Processo Penal.
Ainda, a referida atribuição pode ser extraída do princípio basilar de hermenêutica constitucional dos poderes implícitos, segundo o qual, quando a Constituição concede os fins, dá os meios. São esclarecedoras as palavras da então Ministra do STF, Ellen Gracie: “Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de provas para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a denúncia”.
Portanto, se a última palavra acerca de um fato criminoso cabe ao Ministério Público, visto ser o titular da ação penal publica (art. 129, inc. I, CF), deve se conceder a ele todos os meios para formar seu convencimento, inclusive a possibilidade de realizar investigações criminais.
Diante de vasta legislação autorizadora e da aplicação do princípio dos poderes implícitos, indaga-se a razão pela qual, somente depois de tantos anos de vigência desses diplomas, esteja sendo questionada com tanta veemência a atribuição investigatória do Ministério Público.
A resposta se encontra na grande mudança no plano dos fatos. Com a Constituição Federa de 1988 e com o seu amadurecimento institucional, o Ministério Público passou a desenvolver seu trabalho com cada vez mais eficiência, incomodando, assim, quem nunca havia sido incomodado.
Não se pode ignorar que, entre os defensores da tese contrária à investigação realizada pelo Ministério Público, não faltam exemplos dos que a defendem por plena convicção jurídica. Porém, os argumentos utilizados são derrubados com uma simples análise do nosso ordenamento jurídico.
A ideia de que nossa Constituição, em seu artigo 144, §1°, inc. IV, conferiu à Polícia a exclusividade da investigação criminal. não se sustenta. O que a Constituição fez foi conferir à Polícia Federal a exclusividade do exercício das funções de polícia judiciária da União, mas funções de polícia judiciária não se confundem com funções de polícia investigativa (apuração de infrações penais).
O inciso I, do mesmo parágrafo 1°, trata da atribuição específica de “apurar infrações penais” (investigar), e para tal não conferiu nenhuma exclusividade.
Afastando qualquer dúvida, o §4° do mesmo art. 144, faz clara distinção entre as funções investigatórias e de polícia judiciária. Eis o parágrafo:
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Por uma questão sistêmica, nossa Constituição não poderia repetir, num mesmo inciso, duas expressões sinônimas (polícia judiciária e investigação criminal). Portanto, o que se extrai de uma interpretação do art. 144 é que apenas a função de polícia judiciária da União (auxílio ao Judiciário na execução de seus atos e decisões) é privativa da Polícia Federal. Em relação às policias civis dos estados, no §4° não há qualquer referência à exclusividade, do que se extrai que nem as funções de polícia judiciária dos estados, nem a apuração de infrações penais, são exclusivas das polícias civis.
Reforça-se tal entendimento o fato de ter tramitado no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (rejeitada) que acrescentaria o §10 ao art. 144 da CF para definir que a apuração da infração penal fosse de exclusividade das polícias civis e federal. Ora, se nossa Constituição fosse tão explícita como se afirma, não haveria tal necessidade.
A asserção de que não existe norma regulamentando o procedimento investigatório a cargo do Ministério Público não é verdadeira. O Conselho Nacional do Ministério Público, órgão heterogêneo e de extração constitucional, editou resolução sobre o tema (Resolução de n° 13). Além disso, a regulamentação desses atos não exige lei formal, visto que a própria portaria do inquérito policial não é regulamentada por lei.
A questão ainda não foi sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal. Porém, em vários julgados a maioria dos ministros se posicionaram a favor da investigação pelo Ministério Público. Na atual composição da corte, podemos concluir que são favoráveis a investigação os ministros Celso de Melo, Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Posicionando-se contrariamente, temos os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
Diante da importância do tema, é muito importante que o Supremo Tribunal Federal dê uma definição final sobre o tema. A solução do dilema, há muito instaurado no país, contribuíra para a consolidação de um processo penal justo e em sintonia com o Estado Democrático de Direito, conciliando a correta aplicação do direito penal com o devido respeito aos direitos fundamentais.
Por tudo aqui exposto, conclui-se que os poderes investigatórios do Ministério Público decorrem logicamente da sua atividade de exercer privativamente a ação penal pública, tendo por fonte a própria Constituição, as Leis Orgânicas do Ministério Público, as Resoluções do CNMP e o Código de Processo Penal.


95. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PLANEJAMENTO URBANO

Impende inicialmente esclarecer que a legitimidade do Ministério Público para agir em sede de planejamento urbano decorre da Constituição Federal em seu art. 129, III, sendo função institucional promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente, não sendo demais lembrar que as leis infraconstitucionais 7.347/85 e 8.625/93  repisam aludido comando constitucional.
Nesse diapasão, insta dizer que o planejamento urbano é imprescindível para a proteção do meio ambiente artificial, compreendido, segundo a doutrina, por todo o espaço urbano construído. Isso porque o ordenamento das cidades visa garantir o direito difuso fundamental de terceira geração previsto no art. 225 da Carta de 1988, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ainda em sede constitucional, o art. 182 dispõe que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes.
Assim, pode-se dizer que o planejamento urbano, bem como a atribuição do Ministério Público para atuar na sua efetivação, encontra farto amparo na Constituição Federal.
Infraconstitucionalmente, não é diferente. Além da Lei do Parcelamento do Solo Urbano – 6.766/79 -, o Estatuto das Cidades traçou inúmeros instrumentos para que o Poder Público exerça de forma eficaz o planejamento urbano das cidades brasileiras.
Primeiramente, pode-se dizer que o planejamento urbano deve nortear-se pela busca do cumprimento da função social da propriedade urbana, que nada mais é do que o atendimento às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano direitor.
O planejamento urbano possui inúmeros instrumentos previstos no Estatuto das Cidades. Segundo a Lei n. 10.257/01, referido planejamento deve ser multisetorial, abrangendo aspectos físicos do solo, questões econômicas, sociais, orçamentárias, ambientais e urbanísticas, conforme dispõe o rol exemplificativo previsto no art. 5o de referida lei.
Cumpre enaltecer que o instrumento básico do planejamento urbano é o plano diretor. Segundo prevê o art. 40 da Lei n. 10257/01, ele é aprovado por lei municipal e faz parte integrante do processo de planejamento da cidade, devendo, inclusive, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporarem as diretrizes e as prioridades contidas no plano diretor.
De outra banda, o Estatuto das Cidades enumera mecanismos de participação popular em sede de planejamento urbano, como por exemplo a realização de audiências públicas. Nesse ponto, merece destaque a atuação dos órgãos de execução do Ministério Público.
Considerando o Princípio da Prevenção, somado ao Princípio da Participação Comunitária, deve-se dar vital importância à oitiva da comunidade no que pertine ao planejamento urbano, pois a opinião dos cidadãos, aliada à efetivação de estudos técnicos - como os de impacto ambiental e de impacto de vizinhança -, pode ser muito útil para evitar o crescimento de cidades desordenadas e não sustentáveis causadoras de inevitáveis desequilíbrios ambientais, realidade essa que infelizmente é praxe nas cidades de nosso País.
Nesse aspecto, deve o Ministério Público agir proativamente, participando do planejamento urbano e impulsionando a realização de audiências públicas pelo Poder Público a fim de angariar maiores e melhores elementos daqueles que vivenciam cotidianamente os problemas urbanísticos e que são os próprios destinatários do planejamento: os moradores da cidade.
Outra questão que merece ser salientada diz respeito aos Municípios Catarinenses que não possuem plano diretor. Tal omissão dos Poderes Legislativo e Executivo municipais não se coaduna mais com a realidade. A crescente e desordenada ampliação dos núcleos urbanos tem trazido inúmeros prejuízos não só ao meio ambiente artificial, mas sobretudo ao meio ambiente natural. A falta de saneamento básico é um exemplo, dentre outros problemas sociais que a falta de planejamento urbano acarreta. 
Desse modo, ao Ministério Público incumbe, também, provocar os Poderes Executivo e Legislativo Municipal na elaboração do plano diretor, pois esse é a base de toda a legislação urbana que deve ser produzida pelos municípios. Diversos instrumentos previstos no Estatuto das Cidades só podem ser implantados se tratados previamente no plano diretor, razão pela qual a doutrina urbanística o define como ato-condição.
Dessarte, pode-se concluir, em síntese, que o Estatuto das Cidades prevê inúmeros instrumentos a serem objetos do planejamento urbano, sendo o plano diretor a pedra angular em sede de prevenção de danos ambientais urbanísticos.
Ultrapassado esse viés preventivo dos planejamentos urbanos, não se pode deixar de mencionar o seu caráter reparatório.
Como já mencionado alhures, a realidade das grandes cidades apresenta inúmeros problemas sociais decorrentes da urbanização desordenada.
Nesse ponto, deve-se chamar a atenção para os núcleos urbanos formados informalmente por pessoas de baixa renda, geralmente habitados nas periferias dos municípios.
Um dos desafios das cidades é assegurar o direito social de moradia para todos os seus habitantes. O fenômeno da urbanização nas últimas décadas não foi planejado, sendo que a migração do campo para a cidade foi e é uma realidade vertiginosa. Em decorrência disso, muitas famílias vivem em situação de risco em áreas precárias ou terrenos irregulares. São favelas, loteamentos irregulares e outros assentamentos. Sem contar os “moradores de rua”.
Dentro desse quadro, a regularização fundiária surge como uma das alternativas do planejamento urbano sob uma ótica reparadora. O Poder Público resolveu enfrentar a questão e editou a Lei n. 11.977/09, que trouxe a possibilidade de regularização fundiária dentro do Programa Minha Casa Minha Vida.
Segundo o art. 46 de referida lei, a regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Assim, deve o Ministério Público promover ações visando à regularização das submoradias, não tão somente no afã de tutelar o meio ambiente artificial, mas também porque a informalidade do direito à moradia compromete a dignidade humana das pessoas. Elas não têm como fruir do seu direito à cidade e, portanto, nem são efetivamente cidadãs. Morar irregularmente é o mesmo que navegar em permanente insegurança. Além disso, a regularização fundiária, uma vez levada a efeito, repercutirá na gestão racional dos territórios urbanos, já que, regularizados, os assentamentos passam a integrar os cadastros municipais, possibilitando a efetivação de inúmeros meios de proteção ambiental, como por exemplo o serviço imprescindível de sanemento básico.
Portanto, pode-se dizer que o planejamento urbano baseia o seu passo inicial na própria Constituição Federal, cujo comando soberano é muito claro: subordina a propriedade urbana ao atendimento da sua função social e assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 
Depois, o legislador, tanto no Estatuto da Cidade como na Lei da Minha Casa Minha Vida, previu mecanismos capazes de alavancar no planejamento urbano enfoques preventivos e reparadores, como a necessidade de impulsionar a elaboração de plano diretor nos municípios, a efetivação da participação popular na democratização da gestão municipal e a regularização fundiária na política urbana para reparação dos malefícios causados pela formação de núcleos habitacionais desordenados.
Se os órgãos de execução do Ministério Público levarem a sério esse desafio, muito se pode fazer pela sociedade. A Constituição e a legislação infraconstitucional possibilitam o exercício institucional em prol da proteção do meio ambiente artificial, sendo que o planejamento urbano se afigura imprescindível tanto para prevenir danos quanto para reparar os já causados no que toca à urbanização ocorrida nas últimas décadas. 
O que cabe ao Ministério Público, agora, é fazer uso da sua atribuição para integrar o processo de planejamento urbano no afã de habilitar a obediência do Poder Público às diretrizes previstas no Estatuto das Cidades, assegurando o bem-estar da coletividade e a preservação do meio ambiente urbanístico ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.



96. REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2004, NAS JUSTIÇAS MILITARES ESTADUAIS

Após doze conturbados anos, repletos de discussões calorosas em todos segmentos sociais, finalmente veio a lume a primeira parte da tão esperada reforma do Poder  Judiciário. Por evidente, o presente não possui como escopo maiores digressões acerca da essência, objetivos e eventuais reflexos práticos de todo o texto da Emenda em comento, o qual provavelmente será ampliado a partir da aprovação da parte restante da proposta, renumerada como Proposta de Emenda à Constituição 29A, que ainda deve ser submetida à devida apreciação. Aliás, neste ponto, cabe destacar que a aludida proposta aditiva sugere a alteração da composição do Superior Tribunal Militar e a ampliação da competência da Justiça Militar da União, a fim de que esta possa “exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas” , tomando rumo semelhante, neste aspecto, ao dado às Justiças Militares estaduais pela emenda promulgada pelo Congresso no dia 08 de dezembro.

Analisando perfunctoriamente a Emenda em comento, percebe-se que houve basicamente as seguintes alterações do texto constitucional anterior: a inclusão da figura do juiz de direito como órgão das Justiças Militares estaduais, ao lado dos já consagrados Conselhos de Justiça; a ampliação da competência da Justiça Militar para o julgamento das ações contra atos disciplinares militares; a expressa ressalva da competência do Tribunal do Júri quando a vítima for civil; e, finalmente, a inovação da competência exclusiva do juiz de direito para, singularmente, apreciar os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais movidas contra atos disciplinares militares.
Por certo, o tema tratado, de profundo interesse não apenas para aqueles que ainda labutam exclusivamente na área militar, despertará  profícuas e laboriosas apreciações, merecedoras de obras extensas, o que não se faz possível no presente momento. Todavia, imprescindível, por ora, suscitar algumas breves considerações e questionamentos relevantes no que tange às aventadas alterações constitucionais, não propriamente com o fito de apontar ou induzir a um caminho específico, mas ao menos para facilitar a emersão dos inevitáveis questionamentos a serem solucionados pela doutrina e pelos tribunais pátrios.

Primeiramente, há que se observar que, embora o texto constitucional, dentro do tratamento das Justiças Militares estaduais (CF, art. 125, §§ 3º e 4º), não tratasse especificamente da figura do Juiz-Auditor, ou Juiz Militar, conforme alude o seu art. 122, II, quando trata da Justiça Militar da União, é certo que, na maioria dos Estados, há previsão legal de tal cargo, como no Estado de Santa Catarina, que trata da matéria no Código de Divisão e Organização Judiciárias e na própria Constituição catarinense, inclusive ao prever concurso específico para provimento do mencionado cargo. 

De tal arte, vê-se a premente necessidade de readaptação das normas infraconstitucionais atinentes à matéria através do devido processo legislativo, possivelmente agregando estes magistrados ao corpo dos demais juízes estaduais. 

A segunda alteração do texto constitucional, certamente a mais polêmica e que surtirá inúmeras interpretações até que se chegue a um consenso, diz respeito à ampliação da competência da Justiça Militar estadual. Reza o novo texto constitucional que “as ações judiciais contra atos disciplinares”  deverão ser apreciados pelo foro castrense.

Tal inovação traz nova responsabilidade a esta Justiça especializada, porquanto a aproximação deste ramo da área cível somente ocorria eventualmente em percalços processuais, como nos casos de medidas preventivas e assecuratórias previstas no Código de Processo Penal Militar (leilão, seqüestro, hipoteca legal, arresto...), e em questões prejudiciais (art. 122 e ss. do CPPM), casos em que, inclusive, dependendo da relevância e complexidade, declinaria da competência para que fosse solucionada a matéria no juízo cível. Agora, diante do novo contexto, nos casos em que a ação, mesmo não possuindo caráter penal, deverá emanar seu juízo, entregando a prestação jurisdicional almejada pelo litigante, valendo-se, por óbvio, da legislação processual atinente, ou seja, a legislação processual civil.

Neste aspecto, merece destaque, num primeiro momento, a observação no sentido de que os atos militares a serem apreciados devem ser somente aqueles possuidores de caráter “disciplinar”, ou seja, aqueles que trazem em seu bojo a concepção de uma “punição”, como advertência, repreensão, detenção, prisão, suspensão, licenciamento e exclusão a bem da disciplina, resultantes de processos administrativos disciplinares e/ou sindicâncias movidos em decorrência de falta cometida pelo servidor militar, não obstante ainda eventual submissão a Conselho de Disciplina ou de Justificação. Ou seja, refoge competência à Justiça Militar estadual quando se tratar, por exemplo, de caso de licenciamento pela “conclusão de tempo de serviço” ou por “conveniência do serviço”, diferentemente do que poderia ocorrer caso tal se desse “a bem da disciplina”.

Mas a questão ainda não se esgota de maneira tão singela, posto que haverá ações em que o controle jurisdicional não deverá cingir-se tão somente ao ato atacado, mas também apreciar seus reflexos, como no caso de eventual punição de exclusão, onde se busca, além da cassação da decisão tida como ilegal, a reintegração do servidor, a percepção de vencimentos não recebidos no período e até indenização por danos morais eventualmente sofridos, ou mesmo uma promoção. Nestes casos, parece que ainda assim a ação, em sua totalidade, deve ser apreciada na Justiça castrense, posto que a causa de pedir é a mesma e o Código de Processo Civil admite tal cumulação de pedidos (art. 292).

Seria por demais injusto exigir que a parte ajuíze ação na Justiça castrense visando combater ato disciplinar e, ao mesmo tempo, ingresse com outra no Juízo Cível Comum visando ser ressarcido de eventuais danos arcados em decorrência do ato recorrido, atravancando ainda mais a atividade jurisdicional e sugerindo a possibilidade de ocorrer decisões antagônicas, salvo a suspensão do processo no Juízo Comum, ante a ocorrência de questão prejudicial. E a questão da prescrição, sobretudo do direito às parcelas devidas a título de vencimentos no caso de posterior ajuizamento de nova ação na Justiça Comum, como seria solucionada? Ademais, como ficariam as ações já propostas junto à Justiça Comum e que agora devem ser remetidas às Justiças Militares estaduais?  Parece ser o objetivo da reforma empreendida facilitar o acesso à Justiça e combater a morosidade, escopos que não se coadunam com interpretação que, neste aspecto, restrinja a nova competência das Justiças Militares estaduais.

Encerrando este tema, cumpre mais uma vez ressaltar que, diante da nova competência, deverão ser admitidas e utilizadas as ferramentas processuais pertinentes e postas à disposição do jurisdicionado no que tange às ações cíveis eventualmente propostas, como os institutos do mandado de segurança e habeas data, as ações cautelares preparatórias e incidentais, a tutela antecipatória, e também os recursos cíveis inerentes, seguindo os procedimentos previstos na legislação processual civil, organização judiciária e regimento interno dos tribunais. Aliás, neste ponto, aparentemente os tribunais estaduais não terão maiores dificuldades de adaptação, posto que já atuam neste campo, ao contrário dos três Estados em que há Tribunal de Justiça Militar e ainda não operam em processos deste jaez, mormente considerando a intervenção da Fazenda Pública e a necessidade de reexame necessário em segundo grau, os ônus da sucumbência e a assistência judiciária gratuita, aspectos novos que deverão incorporar.

Não adentrando no mérito da pertinência ou não da previsão constitucional referente à soberania do Tribunal do Júri nos casos de vítima civil, já apreciada em valorosas manifestações anteriores neste periódico, resta-nos apenas comentar que a questão finalmente teve uma solução eminentemente jurídica, afastando a inconstitucionalidade que pairou durante anos sobre a malfadada Lei nº 9.299/96, que acrescentou o parágrafo único ao art. 9º do Código de Processo Penal Militar, muito embora já tivesse o Supremo Tribunal Federal afastado tal pecha em alguns julgados. Aliás, neste ponto, impende remeter o leitor às considerações concisas e contundentes expendidas na obra Direito Penal Militar , onde Célio Lobão, com a maestria que lhe é peculiar, solucionava objetivamente a questão. Agora não resta a menor dúvida, crime doloso contra a vida, consumado ou tentado, e praticado contra civil, é, indubitavelmente, de competência do Tribunal do Júri.

Finalmente, com referência à competência do juiz de direito para, singularmente, apreciar os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais movidas contra atos disciplinares militares, cabe apenas ressalvar algumas situações no que se refere à primeira hipótese, posto que a segunda, acredita-se, não surtirá maiores discussões ante sua clareza, já que se afigura totalmente despicienda a participação de juízes militares em ações de natureza eminentemente civil.

Ao que parece, a Emenda, ao excluir os crimes praticados contra civis da apreciação dos Conselhos de Justiça, aparentemente quis afastar a participação dos juízes militares dos casos em que houver interesse maior do particular na apuração do fato criminoso. Embora particularmente não concorde in totum com a alteração, posto que se há tipificação no Código Penal Militar esta se dá justamente por interessar sobretudo à própria organização militar, tal servirá muito bem para afastar eventuais comentários desairosos acerca de eventual “corporativismo” que paira sobre a Justiça castrense, fato este que efetivamente a prática deste subscritor tem revelado justamente o contrário. De qualquer sorte, cumpre relembrar que qualquer vítima de crime militar poderia ingressar no feito através de procurador para atuar como assistente da acusação.

Analisando o Código Penal Militar, percebe-se que as hipóteses de julgamento singular pelo magistrado cingem-se, em tese, a alguns crimes contra a pessoa, contra a honra, contra a liberdade, crimes sexuais e contra o patrimônio, por exemplo, desde que seja o civil diretamente a vítima do fato delituoso. Contudo, deve ser muito bem sopesado e observado os casos de crimes contra a Administração Militar e a Administração da Justiça Militar, porquanto nestes crimes a Administração será propriamente a vítima, sendo o particular meramente sujeito passivo secundário, não justificando o juízo singular.

De outro norte, haverá certamente casos onde haverá concurso de crimes (conexão ou continência) de competência do juízo monocrático e do colegiado. Nestes casos, embora a lógica e a prática insinuem ser do segundo a competência para apreciação, deve-se ter em mente que a Constituição ressalvou expressamente a competência do primeiro e, sendo residual a que cabe aos Conselhos, tudo indica que o juiz deverá apreciar de forma monocrática tais delitos, muito embora haja ainda, em tese, a possibilidade de cisão do processo, como já ocorre em casos de concurso de crimes de competência da Justiça Comum e Militar. 

Irrefutável, pois, que a Emenda Constitucional nº 45, ao trazer profundas alterações à Justiça Militar estadual, fortaleceu ainda mais esta instituição, pois, apesar das alterações procedimentais, ao ampliar sua competência trouxe ainda mais responsabilidades aos seus agentes, e não apenas pelo volume de demandas a serem apreciadas, mas sobretudo no que diz respeito à forma de atuação e aprimoramento pessoal de seus integrantes, a fim de que possa contribuir cada vez mais para o florescimento de uma sociedade cada vez mais justa e humana, estabelecendo fortes e duradouras colunas a sustentar as organizações militares estaduais, forças indispensáveis à segurança da sociedade.


Rodrigo Tadeu Pimenta de Oliveira
Advogado-de-Ofício da Justiça Militar de Santa Catarina, Professor de Direito Processual Penal na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC) e Professor de Direito Penal na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

97. RELACIONAMENTO DO MP COM O PODER JUDICIÁRIO

Bom dia a todos! 

Cumprimento o Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e Presidente da Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, e estendo o cumprimento aos demais membros desta Banca.

O tema a mim confiado foi  “O relacionamento do Promotor de Justiça com o Poder Judiciário e a OAB”.

Em primeiro lugar, cumpre destacar a previsão constitucional, de que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Para o cumprimento do seu mister constitucional, a Carta Magna, no artigo 129, elencou as funções institucionais do Ministério Público, as quais foram, posteriormente, especificadas e regulamentadas na Lei Orgânica Nacional e respectivas Leis Orgânicas dos Estados, que em Santa Catarina trata-se da LC 197/2000.

Dentre as inúmeras e relevantes funções institucionais do Ministério Público está a de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” e também a de exercer “outras funções que lhe forem conferidas, quando compatíveis com sua finalidade”. 

Como se vê, o Ministério Público não mais se caracteriza por ser apenas órgão de acusação. É muito mais, é um órgão promotor de justiça, incumbido da busca pelo bem de todos – objetivo constitucional expresso – e, da dignidade da pessoa humana, preceito fundamental e supraprincípio norteador da interpretação de toda a ordem jurídica. 
Todavia, importante salientar que o Ministério Público, quanto atua em defesa da sociedade, não deve caminhar sozinho, sendo salutar o diálogo com outras instituições, a exemplo do Poder Judiciário e da Ordem dos Advogados do Brasil.

O Poder Judiciário é incumbido da prestação jurisdicional, entendida esta como uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito, para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Assim, embora o Poder Judiciário somente se manifeste mediante provocação (princípio da inércia de jurisdição), não se pode negar que sua atuação é pautada pela busca da verdade e da justiça.

Por sua vez, a Ordem dos Advogados do Brasil, órgão representativo dos advogados brasileiros e responsável pela regulamentação da advocacia no Brasil, tem como principais funções, estabelecidas no Estatuto da OAB, a defesa da Constituição, da ordem jurídica, do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, da justiça social, a busca pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Portanto, a atuação da OAB e, consequente, dos advogados por ela regulamentados, também se pautam na defesa da sociedade e da justiça.

Imperioso reconhecer que as instituições acima referidas são essenciais na prestação jurisdicional e têm como objetivo comum, o interesse público e a efetivação da justiça. 

Nesse ponto, destaca-se que o Ministério Público, assim como a Advocacia, estão elencados no Título IV, da Constituição Federal, mais especificamente, no Capítulo IV, o qual é intitulado “Das funções essenciais à Justiça”. E o Poder Judiciário, embora não figure neste Capítulo, insere-se no mesmo Título IV, sendo possível afirmar que também é instituição essencial à Justiça, mormente sua atividade típica de exercício da jurisdição.

Portanto, ainda que cada instituição tenha seu papel constitucional, todas têm o mesmo objetivo: a efetivação da Justiça no caso concreto. Mas para tanto, faz-se necessário o fortalecimento das carreiras jurídicas, que somente se dará com o alinhamento do discurso.

Daí a importância de uma boa relação entre as instituições, superando uma eventual visão, já muito ultrapassada, de conflito interinstitucional. Não pode haver espaço para disputas mesquinhas, inócuas e de nenhum valor relevante para a sociedade.

O resultado obtido a partir da atuação conjunta entre as instituições, na prestação jurisdicional e na busca pela concretização dos direitos fundamentais, será muito mais efetivo do que a atuação de apenas uma delas. Não resta dúvida de que os anseios da sociedade serão melhor atendidos se houver discurso uníssono em sua defesa, desde, é claro, que presente o interesse público.

Finalmente, salienta-se que o exercício das funções institucionais do Ministério Público, compete a todos os seus membros. Todavia, dentre eles, o Promotor de Justiça figura como o contato direto da instituição com a Sociedade, haja vista, a sua atuação, notadamente, em primeira instância.

Assim, tudo o que foi referido anteriormente como atuação do Ministério Público, deve ser entendido também, como atuação do Promotor de Justiça, que no exercício de suas funções institucionais, especialmente na defesa dos direitos fundamentais da sociedade, não atua sozinho, mas sim em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil e o Poder Judiciário, dentre outras instituições.

Portanto, o relacionamento do Promotor de Justiça com o Poder Judiciário e a OAB, além do que já foi referido, deve ser pautado pelo respeito mútuo às respectivas instituições, sempre prevalecendo o interesse da sociedade como um todo e a busca incessante pela justiça.

 
98. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

O instituto da Coisa Julgada é tratado no nosso ordenamento Jurídico sob o prisma da Constituição Federal, que reza, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, que a lei não prejudicará a coisa julgada. 
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, trata do instituto, no art. 6º, quando diz que a Lei em vigor respeitará a coisa julgada, e a conceitua, como sendo a decisão judicial de que já não caiba recurso (§ 3°).
O Código de Processo Civil, no artigo 467, define a coisa julgada material como "a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".
A Coisa Julgada ocorre a partir do momento que, prolatada uma sentença, não for mais cabível qualquer recurso, pelo decurso do prazo ou pelo exaurimento de todas as vias recursais. A sentença torna-se imutável e indiscutível, ou seja, a sentença transita em julgado. O papel do processo só estará cumprido por completo quando essa decisão estiver segura, invariável, conferindo certeza às partes.
Na definição Liebmann, adotada pelo sistema brasileiro, coisa julgada é uma qualidade da sentença que se agrega a todos os efeitos, tornando-os imutáveis.
Quando tal impedimento de modificação da decisão se dá dentro do próprio processo, temos a chamado coisa julgada formal, ou, como alguns chamam, a preclusão máxima, pois se trata de fenômeno endoprocessual.  A coisa julgado formal ocorrerá em qualquer espécie de sentença.
Por sua vez, a coisa julgada material, é a projeção da coisa julgada para fora do processo, tornando a decisão imutável e indiscutível além dos limites do processo em que foi proferida. Assim, a decisão não poderá mais ser alterada ou discutida em outros processos.  A coisa julgada material atinge as sentenças de mérito proferidas mediante cognição exauriente.
Ainda, temos a coisa soberanamente julgada, que se configuraria após transcorrido o prazo de 2 anos para ajuizamento de uma ação rescisória. Quando não seria mais possível rediscutir a questão de forma alguma.
A coisa julgada material constitui uma garantia fundamental (art. 5o, XXXVI, da CF), protegida em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4o, IV, da CF), sendo elemento estrutural do princípio de acesso ao Judiciário para efetivação do direito (art. 5o, XXXV, da CF) que, por sua vez, é inerente ao Estado Democrático de Direito, nos termos proclamados no art. 1o da Constituição Federal.
A segurança nas relações jurídicas é um valor que deve ser buscado pelo ordenamento positivo, constituindo poderoso fator de paz social.
No entanto, muito se tem discutido, em sede de doutrina e jurisprudência, a respeito da impossibilidade de rediscutir algum caso já julgado, diante de eventual inconstitucionalidade, invalidade ou injustiça na decisão, no caso concreto.
Assim, passaram os Tribunais Superiores a entender, que em alguns casos, a Coisa Julgada poderia ser relativizada, dando azo à chamada relativização da coisa julgada, que é toda uma discussão entorno da não possibilidade de discussão da matéria após o prazo de discussão da matéria. 
O debate em torno do tema envolve, primordialmente, o confronto entre dois princípios: o da segurança jurídica, através da coisa julgada, e o da decisão justa.
Ex. Investigações de paternidade ajuizadas há anos atrás quando não havia o DNA, só havia o exame HLA, julgadas improcedentes e transitadas em julgado e hoje esses supostos filhos pretendem ajuizar de novo essas ações com argumento que o processo civil e o direito não podem ficar alheios aos avanços tecnológicos e, afinal de contas, o DNA é um avanço tecnológico. Por outro lado eles sustentam ainda a proteção ao direito fundamental a identidade, que por ser um direito fundamental constitucional e consequentemente deve se sobrepor à coisa julgada.
O argumento preponderante em prol da relativização da coisa julgada é o nobre primado da justiça. Segundo essa corrente, o valor da segurança jurídica não é um valor absoluto no ordenamento jurídico, dado que deve conviver com um valor de primeiríssima grandeza, qual seja o da justiça das decisões emanadas pelo judiciário.
O princípio da segurança jurídica pode e deve ser harmonizado com outros princípios que entendam ser de igual ou maior relevância, dado que os princípios não constituem um fim em si mesmos, mas fazem parte de um todo, sendo essa a razão pela qual devem ser sopesados.
Com essas idéias acabam sustentando a possibilidade de repropositura de ações,  ou a anulação de uma sentença já transitada em julgado.
O primeiro acórdão que se manifestou foi do Min. Delgado, que relativizou a coisa julgada em benefício da fazenda pública, foi ela a destinatária da tese. CASO: Em SP foi ajuizada ação de indenização por desapropriação indireta, e as pessoas que se sentiram prejudicas ajuizaram ação. No curso da ação fizeram um acordo que foi homologado, passaram-se dois anos da rescisória, os novos procuradores descobriram que a terra já era do Município e não dos indenizados. Houve o ajuizamento de ação anulatória sob o argumento de que a moralidade administrativa estava acima da coisa julgada, e a tese acabou sendo acolhida. A partir de então, esta se espalhou.
O grande fundamento da tese é o princípio da proporcionalidade, na exata medida em que, se estiver em jogo direitos fundamentais e a coisa julgada, devem preponderar os direitos fundamentais. Ou se estiver em jogo o interesse público e a coisa julgada, o interesse público deve predominar.
Aqueles que aceitam a relativização, tratam ainda de quais os meios que se tem para relativizar, o STJ admitiu o cabimento por meio de ação anulatória (no caso do Delgado, da fazenda, cumulada com repetição de indébito). E a jurisprudência, de um modo geral, aceita a ação anulatória. 
Nas investigações o entendimento dominante é que não precisa ser ajuizada nem a ação anulatória, nem as declaratórias de inexistência, mas que bastaria o ajuizamento de uma nova ação de investigação de paternidade.
Importante salientar que a regra é a prevalência da Coisa Julgada. Os tribunais Superiores têm admitido, em casos excepcionais, a relativização da coisa julgada, levando sempre em consideração o direito em conflito.
A Segurança jurídica, primada na proteção da confiança e na boa-fé, não pode ser abalada sem que haja uma ponderação sensata e prudente dos princípios e direitos em jogo. 
Há quem defenda a natureza de garantia fundamental da coisa julgada e, como tal, o vê como “verdadeiro direito fundamental”, indispensável à concreta eficácia do direito de segurança, expressamente previsto no caput do art. 5o da Constituição Federal. Sendo assim, a coisa julgada trata-se de “uma garantia essencial do direito fundamental à segurança jurídica”.
A admissibilidade da relativização da coisa Julgada não é tem pacífico em sede de doutrina, e nem de jurisprudência. Muita se debate ainda.
Não se pode admitir é que, a parte que foi desleixada com a produção probatória ou a situação que se pôs no momento, venha a se valer de tal instituto para desconstituir uma obrigação, quando poderia e deveria tê-lo feito no momento oportuno, sob pena de grave de insegurança jurídica, incondizente com o Estado Democrático de Direito.
O Ministério Público, por sua vez, a quem foi atribuída a função de proteger a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como os meios para fazê-los, no art. 129, CF, deve atuar seja como parte ou em sua ação fiscalizatória, para que eventual relativização da coisa julgada, se for o caso, ocorra apenas nos casos estritamente necessários e, que a ponderação de interesses e justifique tal medida.

Referências: 
1. Manual de Processo Civil. Daniel Assumpção.
2. A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL. Wantuil Luiz Cândido Holz. http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Discente/Wantuil.pdf. 
3. Material Aula – Jakqueline Mielke. Verbo Juridico.

ANEXO, para fins de conhecimento! Notícia do site do MPSC de 14/08/2013 –
Direitos Humanos e Cidadania

Justiça nega direito de rever paternidade
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e anulou decisão de segundo grau que permitia a um homem apresentar prova pericial a fim de negar paternidade já reconhecida por ação transitada em julgado.
No caso, o homem ajuizou ação negatória de paternidade em 2006, quando já havia decisão transitada em julgado declarando a paternidade. A decisão havia sido baseada em prova testemunhal, tendo em vista que o réu mudou-se para os Estados Unidos sem cumprir a intimação para realização do exame de DNA que ele concordou em fazer.
Inconformado, o réu apelou ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), que atendeu o pedido para realização do exame de DNA na ação negatória, por entender que só há coisa julgada material propriamente dita quando tiver ocorrido o esgotamento de todos os meios de prova hábeis.
Porém, a Coordenadoria de Recursos Cíveis do MPSC ingressou com recurso especial no STF contra a decisão do TJSC, por entender que - conforme a jurisprudência - só é admissível a flexibilização da coisa julgada quando a ação investigatória de paternidade foi julgada improcedente por insuficiência de provas. Isso acontece a fim de resguardar o direito da criança ou em caso de não haver, na época da ação, a disponibilidade do exame de DNA.
No entanto, conforme sustentou o Coordenador de Recursos Cíveis do MPSC em exercício, Procurador de Justiça Robinson Westphal, no recurso, "o exame de DNA já se encontrava disponível na ocasião da instrução da ação investigatória e não foi realizado em virtude da inércia do investigado, que preferiu agarrar-se à oportunidade de ir residir nos Estados Unidos a levar a efeito seu direito à ampla defesa, mediante a realização de todas as provas que entendia pertinentes".
Segundo o relator no STJ, Ministro Luís Felipe Salomão, não há registros de que o suposto pai tenha buscado a antecipação da prova ou a sua realização em data que lhe fosse mais favorável, tendo em vista sua mudança para o exterior.
Assim, de acordo com a Súmula 301 do STJ, "em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção de paternidade". Essa disposição foi o fundamento para que o juízo declarasse a paternidade. Por maioria de votos, a Turma entendeu que a relativização é possível em casos excepcionalíssimos, que não é o do recurso.
*Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ


99. A IMPORTÂNCIA DO SUS E A SUA IMPLEMENTAÇÃO
 
            A conquista do Estado Democrático de Direito, em seu alcance e sentido mais amplo, traz para o centro do ordenamento jurídico os direitos fundamentais, e com eles princípios e programas sociais para a concretização do plano nacional de uma sociedade livre, justa e solidária.
 
            Do ponto de vista do tratamento normativo-constitucional dado a saúde é possível afirmar que o avanço jurídico refletido nas normas da Constituição foimarcante.
 
            Para se ter uma real dimensão da importância do Sistema Único de Saúde devem ser colocados alguns pressupostos a esta explanação, com base nas disposições constitucionais sobre o tema.
           
            O direito à saúde é um direito fundamental. 
 
            Vê-se que a Constituição da República tratou da saúde no art. 6º, como Direito Social. Assim procedendo, reconheceu que a saúde, enquanto um direito de 2ª geração e de conteúdo prestacional, é um direito fundamental a ser tutelado e implementado pelo Estado.
 
            Nesse ponto é válido que se diga que a saúde, para além de um fator individual, é tratado como conjunto de fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
 
            Ou seja, dizem respeito à saúde o complexo de ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.
  
            Saúde é um dever do Estado.
           
            Ao cuidar da Ordem Social, em Seção “Da saúde” (art. 196 a 200), a Constituição inaugura as disposições estabelecendo que saúde é um direito de todos (confirmando sua fundamentalidade) e, além disso, é um dever do Estado (enaltecendo sua prestabilidade).
 
            O Estado utiliza-se de uma organização, de uma estrutura, de um sistema para efetivar esse dever.
 
            Essas ações e serviços de saúde (para a PREVENÇÃO e ACESSO), citados como conteúdo do dever e do direito prestacional, integram uma rede regionalizada e hierarquizada.  Daí, constitui-se em um sistema único, o Sistema Único de Saúde.
 
            Para esmiuçar a estrutura normativa da Constituição, a ordem jurídica sanitária foi detalhada na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde.
 
            Daí conceitua-se: o SUS como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público (inclusive instituições de controle de qualidade, equipamentos de saúde, insumos, medicamentos); (À iniciativa privada resta a possibilidade de participar do SUS em caráter complementar).
 
            Por mandamento constitucional do art. 198, são diretrizes a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade, todas com reflexos direto na política de implementação do sistema – Municipalização, complexo de serviços, Conselhos Municipais.
 
Assim, nesse passo, podemos chegar a conclusão que: Saúde é um direito fundamental; Saúde é um programa social constitucionalmente reconhecido; Saúde é um dever estatal; Saúde é um dever a ser implementado por um Sistema Único, o SUS.
 
            Logo, a implementação descentralizada, efetiva, universal, integral do SUS é, de todos os ângulos que possa se analisar, uma essencialidade a democracia a alcançar o bem-estar social.
           
            Assim a importância dessa implementação, além de falar por si, frente a natureza do direito que se visa implementar, também atende a uma exigência estatal. Ela reflete a expressão da organização social e econômica do país, o momento histórico de conquista e, principalmente, o conhecimento dos desafios sociais e políticos a serem enfrentados.
 
            Fica claro com isso o encontro de ideias e a inserção do papel do MP nesse contexto. Frente as atribuições outorgadas ao Ministério Público após 1988 (art. 127), a defesa da ordem social, em especial à saúde, cresceu a partir que o próprio SUS começou a se tornar realidade. E o desafio ainda é enorme frente a missão institucional.
 
             A falta de tratamento médico adequado, o não fornecimento de medicamentos ou a cobrança irregular, no atendimento, na rede pública de saúde e a ainda incipiente implementação dos órgãos, agentes e estrutura básica para realização das ações de saúde (visando a sua universalidade, integralidade e gratuidade), bem como a  participação da população nas políticas públicas, são alguns exemplos de casos em que deve ocorrer a intervenção do Ministério Público em defesa do cidadão na seara da saúde.
 
            Frise-se, como já dito, que a saúde é uma matéria multidisciplinar, envolvendo esforços dos aplicadores do direito e dos colaboradores com as políticas públicas, e uma especial atenção dos membros do MP, em coordenar e integrar as políticas públicas que envolvem o conteúdo do direito, tais como: meio ambiente, saneamento básico, moradia, alimentação, consumo, entre outras.
 
            Para sanar as irregularidades que se apresentam e para efetivar o papel ministerial, o Promotor de Justiça deve atuar ativamente, seja por intermédio de termos de ajustamento de conduta ou recomendações, reuniões com a comunidade, participação dos Conselhos Municipais, realização de audiências públicas, seja por ação civil pública.
 
            Portanto, pela sua importância refletida diretamente no bem-estar populacional, a multidisciplinaridade da matéria, revelando verdadeira vontade de concretização da Constituição e a tutela de sua efetivação, mister a atenção a esta seara de atuação ministerial e a efetiva implementação do SUS. 


100. TRANSGÊNICOS E O DIREITO À INFORMAÇÃO



A expressão organismos geneticamente modificados, os transgênicos, acabou por fazer parte do cotidiano dos consumidores brasileiros nos últimos anos, em razão da comercialização de produtos com organismos geneticamente modificados ou derivados destes.
Os alimentos transgênicos são apenas uma das formas de atuação da biotecnologia, que embora de recente conhecimento e divulgação, já é estudada desde meados do século XIX, quando o monge austríaco Gregor Mendel lançou as bases da genética, explicando a transmissão de características de geração a geração.
Com o conhecimento e estruturação do DNA (ácido desoxirribonucleico) e o correspondente código genético, teve início a biotecnologia moderna, sendo desenvolvida, então, a biologia molecular, e o uso dos genes pela engenharia genética.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, §1º, inciso II, incumbiu o Poder Público e a coletividade de defender e preservar o meio ambiente para às presentes e futuras gerações, cabendo ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país, e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.
Regulamentando mencionado artigo constitucional, foi editada a Lei 11.105/2005, que dispõe sobre normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados, dentre outros.
Assim, passou-se a admitir atividades e projetos que envolvessem organismos geneticamente modificados e seus derivados, sendo criados, ainda no âmbito da mencionada lei, o Conselho Nacional de Biossegurança e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
A esta comissão coube a competência de estabelecer normas para as pesquisas com OGM e seus derivados, aos projetos relacionados, bem como critérios de avaliação, monitoramento de riscos, dentre outras.
O primeiro organismo geneticamente modificado liberado pela CTNBio para cultivo experimental no Brasil foi a soja Roundup Ready, que foi desenvolvida para resistir ao herbicida Roundup Ready, que além de exterminar ervas daninhas, acabava por exterminar a própria soja natural.
Para se conseguir a soja Roundup Ready, cientistas introduziram na soja natural um gene encontrado em algas e bactérias capaz de resistir ao dito herbicida.
Ao lado da possibilidade de avanços tecnológicos na indústria alimentícia, no que tange a criação de produtos geneticamente modificados, encontra-se a garantia dos consumidores aos seus direitos básicos elencados no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, dentre eles, o direito a vida, segurança, educação, e principalmente, a informação clara e precisa dos produtos, seus riscos e benefícios.
A Carta Magna de 1988 estabeleceu como princípios a serem verificados quando da realização de atividades que causem significativa degradação do meio ambiente, o da prevenção e da precaução, que informam todo o ordenamento jurídico vigente,
O princípio da precaução é o que deve ser obedecido quando não se tem certeza científica acerca das consequências que determinado ato possa acarretar ao meio ambiente e a saúde da população, como no caso, os alimentos transgênicos.
A liberação para o comércio e utilização dos alimentos transgênicos, sem que se possa ter a efetiva certeza de seus riscos para a saúde e meio ambiente, infringe normas básicas de proteção e defesa do consumidor. 
A Resolução nº 39, da 248ª Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou os Direitos Fundamentais do Consumidor. Segundo tal resolução, estão entre os direitos básicos dos consumidores: direito à segurança – garantia contra produto ou serviço nocivo à saúde; direito de escolha – opção entre vários produtos de serviços com qualidade satisfatória e preços compatíveis; direito à informação – conhecimento sobre dados indispensáveis sobre produto ou serviço para uma decisão consciente; direito à indenização – reparação financeira por dano causado por produto ou serviço; direito à educação para o consumo – meios para o cidadão exercitar conscientemente sua função no mercado; e, direito a um meio ambiente saudável – defesa do equilíbrio ecológico para melhorar a qualidade de vida agora e preservá-la para o futuro.
O Código de Defesa do Consumidor, como já dito, elenca entre os direitos básicos do consumidor o direito a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam.
Mencionado diploma consumerista, em seu art. 10, estabelece a proibição de que o fornecedor coloque no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar algo grau de nocividade ou periculosidade à saúde e a segurança dos consumidores. 
Imprescindível, portanto, que o produto colocado a disposição dos consumidores tenha sido avaliado e monitorado quanto a riscos pela CTNBio, bem como que traga, em seus rótulos, como corolário do direito a informação dos consumidores, informações claras e precisas sobre seu conteúdo e riscos que eventualmente possam causar aos consumidores.
Por certo, haverá que se realizar a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico do país, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio das relações de consumo, o que se consubstancia em princípios a serem observados pela Politica Nacional da Relações de Consumo (art. 4º, inciso III do CDC).
Por oportuno, destaca-se a atuação do Ministério Público, mediante ação civil pública, sempre que se constate qualquer infringência às normas constitucionais e legais aplicáveis, bem como ante a ocorrência de efetivo dano aos consumidores.

101. TRIBUNAL DO JÚRI

A instituição do Júri é prevista na Constituição Federal de 1988 como direito fundamental em seu art. 5º, a qual assegura a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, além de assegurar os princípios da soberania dos veredictos e plenitude de defesa.
Estão sujeitos à júri popular pela sua natureza, o homicídio, o aborto, o infanticídio e o induzimento, auxilio ou instigação ao suicídio, sejam eles consumados ou tentados.
A soberania dos veredictos é a alma do Tribunal Popular, assegurando-lhe o efetivo poder jurisdicional e não somente a prolação de um parecer, passível de rejeição por qualquer magistrado togado. Esse princípio assegura que seja esta a última voz a decidir o caso, quando apresentado a julgamento no Tribunal do Júri.
No plenário, certamente que está presente a ampla defesa, mas com um toque a mais: precisa ser, além de ampla, plena. Os dicionários apontam a diferença existente entre os vocábulos: enquanto amplo quer dizer muito grande, vasto, largo, rico, abundante; pleno significa repleto, completo, absoluto, cabal, perfeito. Há necessidade de cercar a defesa do acusado de maiores garantias, mormente porque as decisões dos jurados não são motivadas, julgando pela sua intima convicção, devendo, assim, a defesa ser a mais completa possível, como a dizer, plena.
O procedimento do júri está previsto em capítulo próprio no Código de Processo Penal, o qual prevê divisão do procedimento em duas partes: a primeira denominada de judicium accusatione ou sumário de culpa, abrangendo os atos praticados desde o recebimento da denúncia até a decisão de pronúncia; e a segunda, chamada judicium causae, compreendendo os atos situados entre a pronúncia e o julgamento pelo Tribunal do Júri, por isso, que a doutrina menciona que o rito do júri é escalonado, bipartido.
A divisão do procedimento em duas fases ocorre porque o julgamento popular expõe o réu perante a sociedade, envolvendo grave constrangimento. Dessa forma, no Estado Democrático de Direito, sob pena de constrangimento ilegal, não se pode colocar o indivíduo no banco dos réus quando não haja ao menos o mínimo de elementos apontando que o fato ocorreu e que o agente tenha praticado o delito. Por isso, que o juiz analisa a acusação e a existência de crime doloso contra a vida antes de remeter o processo ao julgamento pelo Tribunal popular, impedindo que processos sem mínimo lastro probatório conduzam o réu a júri popular.
Em 2008, pela lei 11.689, houve substancial alteração no procedimento de apuração nos crimes dolosos contra vida, objetivando essa nova sistemática uma tramitação mais célere ao rito, buscando aproximar ao máximo o julgamento da época dos fatos.  Isso pode ser verificado na simplificação do procedimento, concentrando-se as provas orais, o interrogatório e as alegações finais em uma só audiência (art. 411); a possibilidade de intimação da decisão de pronúncia do réu não localizado por edital (art. 420, parágrafo único) e, inclusive seu julgamento a revelia (art. 457); e, ainda, suprimindo-se formas legais como o libelo-acusatório, que apenas reproduzia a pronúncia em forma de quesitos.
Com a reforma, buscou também o legislador adequar o procedimento à nova ordem constitucional, o que resta claro com o estabelecimento da obrigatoriedade de apresentação de resposta à acusação pelo réu, nem que seja por meio de defensor nomeado pelo juiz (art. 408); e com o deslocamento do interrogatório para fase posterior à produção de prova oral, permitindo o réu refutar, com sua versão, fatos narrados pelas testemunhas que depuseram antes dele (art. 411, caput).
Ainda, importante referir que houve preocupação do legislador atender um reclamo da comunidade jurídica – acusadores, defensores e magistrados-, no sentido de uma quesitação menos complexa, permitindo os jurados compreender exatamente as consequências do “sim” e do “não” oposto na resposta de cada quesito (art. 483).
Não só acertos foram inseridos no novo procedimento estabelecido. Muito criticado é o prazo de 90 dias para o término da primeira fase do procedimento do júri (art. 412). A doutrina menciona que tal dispositivo acabará resultando a liberação de indivíduos perigosos em razão do excesso de prazo, pois o prazo de 90 dias é incompatível com a realidade brasileira, em que a criminalidade crescente faz com que os fóruns criminais estejam assoberbados de serviço. 
Quanto ao procedimento em si, na primeira fase, denominada sumário de culpa, com o oferecimento da denúncia ou queixa-crime subsidiária (no caso de ação penal privada subsidiária da pública), o juiz irá receber a inicial ou rejeitar liminarmente nas hipóteses previstas no art. 395: quando for manifestamente inepta; faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. Não sendo caso de rejeição, receberá a inicial e ordenara a citação do acusado para resposta, o qual terá o prazo de 10 dias para responder.
Na sua resposta, o acusado poderá arguir preliminares, bem como alegar tudo que interesse a sua defesa, além de juntar documentos e justificações, especificar provas pretendidas e arrolar testemunhas (art. 406, §2º), verificando, assim, verdadeiro caráter de contestação, muito diferente da tradicional defesa prévia, que era limitada as alegações genéricas de inocência e apresentação de rol de testemunhas.
Após a resposta à acusação, o juiz ouvirá o Ministério Público ou querelante em 05 dias (art. 409); Em seguida, será designada audiência de instrução, a qual será aprazada para realização dentro de 10 dias. Visando concentrar os atos processuais, ficou estabelecido que todas as provas orais serão realizadas em uma só audiência. Encerrada a instrução, são realizados debates orais e, posteriormente, o magistrado irá se manifestar pela pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação da infração penal.
A única decisão que importará no prosseguimento do processo com o subsequente julgamento do réu perante o júri é a decisão de pronúncia. O juiz pronunciará o acusado se estiver convencido da materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou participação (art. 413), fundamentando sua decisão apenas com a indicação da materialidade e a existência de indícios de autoria e participação, declarando também o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificando as circunstâncias qualificadoras e causas de aumento da pena (art. 413, §1º). Assim, depreende-se que não pode o magistrado se manifestar sobre as causa de diminuição de pena, bem como, não poderá se manifestar sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes.
Encerrada a primeira fase do procedimento do Júri com a decisão de pronúncia, os autos são remetidos ao juiz-Presidente do Tribunal do Júri com vistas à preparação do processo para o Julgamento perante o Conselho de Sentença. Ao receber os autos, o magistrado intimará as partes para que apresentem rol de testemunhas (máximo de 5) e documentos e, após, não havendo diligências a serem cumpridas, fará relatório sucinto do processo e determinará a inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.
Importa destacar a possibilidade de deslocamento do julgamento pelo júri para comarca distinta da que tramitou o processo criminal, podendo o Tribunal competente  determinar o desaforamento para comarca próxima, da mesma região, mediante requerimento das partes ou do juiz.  Havendo interesse da ordem publica, dúvida sobre a imparcialidade do Júri ou a segurança pessoal do acusado, bem como, comprovado excesso de serviço, não podendo o julgamento ser realizado em 06 meses após a decisão de pronuncia, poderá o Tribunal determinar o desaforamento.
Quanto à habilitação do assistente da acusação, diferentemente da regra geral, no Procedimento do Júri, o assistente deve se habilitar até 05 dias antes da sessão na qual pretenda atuar. 
A sessão de julgamento não será adiada, como regra geral, inclusive será realizada mesmo sem a presença do acusado solto, desde que devidamente intimado. Contudo, conforme disposto no art. 455, se o Ministério Público não comparecer, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido.
Serão convocados 25 jurados e para a instalação dos trabalhos, ao menos 15 devem comparecer, em seguida é feito o sorteio de 07 jurados que formarão o conselho de sentença, podendo a acusação e a defesa recusar 03 nomes imotivadamente. 
Formado o conselho de sentença, os jurados se comprometem a examinar a causa com imparcialidade e a proferir a decisão de acordo com a sua consciência e os ditames da justiça. Prestado o compromisso será iniciada a instrução com a oitiva do ofendido, se possível, a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa e ao final, se o réu estiver presente, será procedido o seu interrogatório. Os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente. 
O uso de algemas pelo réu não será permitido durante o período em que permanece no plenário, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, a segurança das testemunhas ou a garantia da integridade física dos presentes. De acordo com a Súmula Vinculante 11, a excepcionalidade do uso deve ser justificada por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal e de nulidade do ato processual, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. 
Finda a instrução, serão abertos os debates, a começar pela acusação, após a defesa se manifestará, podendo a acusação replicar e a defesa treplicar, inclusive, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário.
Durante os debates, as partes não poderão fazer referência à decisão de pronúncia, as decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou a determinação do uso de algemas como argumento de autoridade de prejudiquem ou beneficiem o acusado; ao silêncio do acusado ou a ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo. 
Objetivando evitar interferências excessivas de qualquer dos polos no curso da exposição que estiver sendo realizada pela parte adversa, dispõe a lei que compete o juiz regular a intervenção de uma das partes quando a outra estiver com a palavra durante os debates, concedendo até 03 minutos para cada aparte.
Concluídos os debates, os jurados serão indagados se estão habilitados a julgar e caso positivo, serão realizados os quesitos e sua votação. O Conselho de sentença será questionado sobre a materialidade e autoria, sendo os quesitos redigidos de forma simples, em proposições afirmativas. 
Se houver mais de 3 votos negativos quanto à materialidade ou quanto à autoria ou participação será encerrada a votação, implicando absolvição do réu. Também serão os jurados questionados quanto às causas de diminuição, qualificadoras e causas de aumento da pena. 
Encerrada a votação, o Juiz-presidente proferirá a sentença condenatória, fixando a pena-base ou sentença absolutória, se for o caso. Ainda, se reconhecidos pelos jurados a desclassificação para outro delito de competência do juiz singular caberá ao juiz-presidente proferir a sentença, agindo assim, também quanto aos delitos conexos aos crimes desclassificados. 
Ao final da sessão de instrução e julgamento, o juiz lerá a sentença em plenário. 

102. O USO DE ALGEMAS - GIAN

Primeiramente, cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Senhor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca os meus cumprimentos.

O tema que me foi proposto é o de número 13, que diz respeito ao uso de algemas na atividade policial repressiva e na condução de pessoas presas, tema de intenso debate na doutrina e na jurisprudência.

Em uma primeira abordagem legal, necessário mencionar que, embora a prática seja corriqueira, até o presente momento, não é disciplinada expressamente no Código de Processo Penal, sendo o diploma adjetivo, portanto, omisso. 

Registre-se que a única referência expressa na legislação é taxada no art. 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), dispositivo que remete a regulamentação de seu emprego à emissão de decreto federal, decreto esse editado, enfim, em meados de 2016.

Porém, até a edição deste ato normativo, tortuoso caminho se deu até a pacificação do uso das algemas.

Ora, até 2016, diante da situação lacunosa no ordenamento jurídico, a possibilidade de seu emprego começou a ser analisada por intermédio de interpretações doutrinárias e sistemáticas da legislação em vigor. 

Num primeiro olhar hierárquico, o tema em voga é disciplinado no art. 5º da Constituição, mediante a conjugação de incisos que proíbem a submissão do preso a tratamento desumano e garantem o seu direito à intimidade, à imagem e à honra.

Num patamar internacional, em análise de convencionalidade, oportuno mencionar as regras mínimas da ONU a respeito do tratamento de prisioneiros, as quais dispõem que o uso de algemas jamais poderá ocorrer como medida de punição.

Mais abaixo, no plano infraconstitucional, mesmo não fazendo menção expressa, conforme já mencionado, o Código de Processo Penal admite a utilização de força física, desde que aquela estritamente necessária, nos casos de resistência à prisão ou tentativa de fuga do agente. 

Dessa maneira, entende-se que, quando realmente indispensável, o uso da força mediante o emprego de algemas pode ser aceito, e, inclusive, é recomendável em face da pessoa que está sendo segregada. 

Constata-se, porém, que o emprego do objeto em ações policiais sempre foi tratado de modo excepcional.

Assim que, considerando a omissão legal e a superveniência de decisões conflitantes que afetavam a segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal editou, em agosto de 2008, a Súmula Vinculante n. 11.

O enunciado determina que: 

Só é lícito o uso de algemas em caso de 

1) Resistência, 
2) Fundado receio de fuga,
3) Ou de perigo à integridade física própria ou alheia;

Imperiosa a justificativa da excepcionalidade da medida por escrito, sob pena de responsabilidade 
1) Disciplinar, 
2) Civil e 
3) Penal 
Bem como de nulidade do ato processual a que se refere, 
Sem prejuízo da responsabilidade do Estado. 


Portanto, logo se nota que a posição tomada pelo Supremo, quando da elaboração do enunciado sumular, veio a referendar e reiterar os entendimentos à possibilidade excepcional e justificada do uso de algemas.
Atente-se que a decisão tem por finalidade, sem dúvidas, a prevenção ao cometimento de abusos por agentes policiais no exercício das atividades repressivas. 

De 2008 até 20016, portanto, o vácuo legal foi preenchido por meio do enunciado sumular até que, neste ano, valendo-se da disposição da Lei de Execução Penal, houve enfim a publicação de decreto federal pelo então Presidente em exercício Michel Temer.

Nele, 

O emprego de algemas tem como diretrizes:

I - A proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante;

III – tem como fundamento também o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos; 

II – e a Resolução das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras;

Além de referendar o enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal, o decreto inovou ao dispor ser vedado o emprego de algemas em mulheres durante 
o trabalho de parto, 
o trajeto da unidade prisional até a unidade hospitalar e 
após o parto, enquanto estiver hospitalizada.

Examinando, o teor da súmula, que permanece em vigor, e o do decreto federal,

Percebe-se que o entendimento firmado parte de três requisitos básicos concomitantes e justificadores do uso de força e, em consequência, do emprego de algemas, 

a) a indispensabilidade dessa medida; 
b) a necessidade do meio utilizado; 
c) a justificação. 
Ressalte-se a observância de tais requisitos a fim de que não sejam cometidos abusos, pois esses: 

a) poderão constituir crime de abuso de autoridade
b) infração administrativa e 
c) ilícito civil; 

Por essas razões, obriga-se a fundamentação escrita, sendo que, existindo irregularidade no ponto, isto é, sendo desnecessária a sua utilização, poderá, inclusive, ser a prisão em flagrante considerada ilegal, importando seu imediato relaxamento.

Eis, portanto, que as atividades do Ministério Público, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, 

adiciona ao exercício do controle externo da atividade policial mais uma importante atribuição: aquela de velar pela proporcionalidade e razoabilidade do uso da força física pelos agentes públicos repressivos.

Pode, para tanto, 
manifestar-se no processo penal pugnando pelo relaxamento da prisão vexatória, 
requerendndo a responsabilização do agente por improbidade administrativa, 
oferecer denúncia por ilícito penal e, ainda, 
informando o órgão correicional a fim de que sejam apuradas violações funcionais.

Relevante, por fim, apontar que, mesmo diante da preocupação tomada pelo Judiciário e Executivo, o subjetivismo de seus termos poderá gerar discussões no momento do exame do caso concreto, especialmente no que toca aos limites dos requisitos de indispensabilidade, necessidade e justificação.

No entanto, deve-se dar o devido crédito aos poderes estatais, em elogiável intenção de impedir o aviltamento da dignidade da pessoa humana, inerente também aos indivíduos presos, evitando excessos e constrangimentos desnecessários.

103. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.

O tema que me foi proposto é o de número 10, que diz respeito ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público.

Nessa matéria, é inegável que, a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado. 

Volta-se, portanto, para o exercício de relevantes atribuições, como a defesa dos interesses sociais, individuais indisponíveis e do regime democrático 

e, em especial para o estudo do controle externo da atividade policial, a proteção da ordem jurídica.

Assim, dentre as várias funções institucionais atribuídas ao Ministério Público, destaca-se a fiscalização de atos que digam respeito à chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações penais.

E o fundamento de tal importante atribuição esbarra no próprio surgimento do Estado Democrático de Direito, que se pauta na contenção do poder estatal e na supremacia da lei sobre todos os agentes públicos. 

Dessa maneira, é de fundamental importância a participação efetiva de instituição capaz de conter possíveis arroubos autoritários em face dos cidadãos e, por que não, a proteção do próprio Estado e regime democrático, tendo em vista a criação de sistema de freios e contrapesos.


Daí a função do Ministério Público no controle da atividade policial, fazendo com que esta atue sempre pautada nos princípios constitucionais e legais regentes da persecução penal, salvaguardando a sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos e garantias sociais e individuais indisponíveis, conquistados duramente ao longo das gerações.


Outro fundamento à atividade ministerial, para além de salvaguardar o próprio Estado de Direito, encontra guarida na titularidade exclusiva da Ação Penal Pública pelo Ministério Pública.

É a instituição a maior interessada na normalidade e legitimidade com que se emana o procedimento investigatório do delito, do qual se utilizará para a formação de sua opinio delicti em eventual propositura da peça acusatória.

Tem, portanto, relação com a qualidade do inquérito, visando a revesti-lo de fortes elementos de convencimento e suficientes à propositura da ação penal. 

Ou seja, o controle externo deve ser entendido como um instrumento de realização do jus puniendi. 

Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia, sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo.

O controle externo da atividade policial tem a exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste controle. 

A respeito especificamente das atividades que integram a atribuição ministerial, 

Encontram-se, nas Leis orgânicas da carreira diversos dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo, pelo órgão ministerial, das atividades policiais. 

Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas ao Ministério Público, 

1. ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; 
2. ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade da polícia judiciária ou requisitá-los; 
3. requisitar à autoridade competente a adoção de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
4. d) requisitar à autoridade competente a abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a investigações, quando necessário;
5. e) acompanhar atividades investigatórias;
6. f) recomendar à autoridade policial a observância das leis e princípios jurídicos;
7. g) requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
8. h) exigir comunicação imediata sobre apreensão de adolescente;
9. i) avocar inquérito policial em qualquer fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se fizerem necessárias;

Como se vê, a fiscalização é ampla, incidindo não só sobre os atos diretamente relacionados à persecução penal, como também sobre a esfera administrativa da unidade policial.

É pautada no conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos definidos como infrações penais, na preservação dos direitos e garantias constitucionais das pessoas presas, sob custódia direta da Polícia e no cumprimento das determinações judiciais.

Assim, a primeira espécie de controle externo da atividade policial, é denominada de controle externo ordinário, consistente naquela atividade ministerial exercida corriqueiramente, seja através dos controles realizados na verificação do trâmite dos inquéritos policiais, e conseqüente cumprimento de diligências requisitadas, seja através de visitas periódicas (ao menos mensais) às Delegacias de Polícia e organismos policiais, a fim de verificar a regularidade dos procedimentos policiais e da custódia dos presos que porventura se encontrem no local.

Já no que se usou denominar controle externo extraordinário, observa-se que este se dará quando da verificação concreta de um ato ilícito por parte de alguma autoridade policial no exercício de suas funções. Tendo o membro do Ministério público o dever de representar à autoridade hierarquicamente superior daquela que é fiscalizada sempre que detectar omissão indevida, ilegalidade ou abuso de poder.

Controle externo, claro, não é sinônimo de subordinação ou hierarquia, fazendo com que a esfera administrativa não abranja o poder disciplinar. 

Trata-se, a bem verdade, de função correicional extraordinária, que coexiste com a ordinária inerente à hierarquia administrativa e que é desempenhada pela própria polícia.

Não se deve esquecer que, de acordo com o art. 129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições, notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas cabíveis no âmbito administrativo e judicial.

Munido dos instrumentos legais supra, revela o Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção dos direitos e das garantias fundamentais.
104. O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A CORRUPÇÃO

Excelências, boa tarde. Primeiramente, gostaria de cumprimentar o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, em nome de quem estendo aos demais membros da banca os meus cumprimentos.
O tema que foi a mim proposto diz respeito à atuação do Ministério Público contra a corrupção,
nessa matéria, é inegável que, a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado. 
Volta-se, portanto, para o exercício de relevantes atribuições, como a defesa dos interesses sociais, individuais indisponíveis e do regime democrático 
e, em especial para o estudo da corrupção, a proteção da ordem jurídica.
Isso porque, na construção de um Estado do Bem-Estar Social, norte traçado pela Constituição, não se concebe que as prestações sociais, pelo menos em seu mínimo existencial, como saúde, educação, segurança, sejam tolhidas em face da malversação dos bens públicos para fins escusos e antirrepublicanos.
Daí se dizer que a corrupção se apresenta como prática deletéria, e por que não, uma doença a corroer o sistema político e social.
E uma das formas de se observar esse fenômeno é por meio daquelas práticas realizadas na esfera privada das relações pessoais.
Relevante, portanto, a reflexão sobre práticas enraizadas no dia-a-dia da nação, é o chamado jeitinho brasileiro: comprar produto falsificado; furar a fila; tentar subornar o guarda de trânsito.
Diante dessas corruptelas, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em projeto pioneiro no país, iniciou programa de conscientização social intitulado “O que você tem a ver com a corrupção?”.
De modo geral, o programa consiste num processo de formação de consciência, mediante o estímulo à sociedade e especialmente às novas gerações a adotar uma conduta comprometida com o bem-estar coletivo.
Paralelamente a esses projetos educacionais de médio e longo prazo, a instituição também conta com forte aparato para coibir a corrupção das instituições e dos servidores públicos, diversificando seu enfoque em diversos eixos: 
1) a responsabilidade por improbidade administrativa, 
2) o oferecimento de denúncia por crimes contra a administração pública em geral, 
3) o acompanhamento da normalidade e da legitimidade das eleições e dos concursos públicos,
4) a fiscalização dos cargos políticos,
5) a idealização de reformas legislativas, fomentando a iniciativa popular.
Num primeiro eixo, a atuação proba dos agentes públicos é fundamental para a manutenção do Estado Democrático, que deve se pautar seguindo os princípios maiores da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
Não por outra razão que a Constituição Federal, em seu art. 37, § 4º, estabelece que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Junto à responsabilidade da improbidade administrativa, portanto, soma-se a punição criminal dos funcionários públicos e dos partícipes na atividade delitiva, cuja progressão de regime está condicionada, inclusive, à reparação do dano.
Isso com vistas a penalizar o agente, mas também objetivando a impedir que a lesão seja pulverizada e suportada pela população. 
Se é certo que as atividades dos funcionários públicos são observadas após a investidura no cargo, o Ministério Público também busca garantir que a sua ascensão pública seja idônea.
Logo, as práticas deletérias não devem ser combatidas somente durante o exercício do poder público, sendo indispensável averiguar de que modo o agente alçou a tal posição. 
Se o fez por modos escusos, é de se deduzir que o exercício de seu múnus também será pautado por esses conchaves.
Portanto, a fiscalização dos concursos públicos e dos pleitos eletivos se torna indispensável atividade para garantir que os funcionários e mandatários sejam selecionados de forma igualitária e impessoal. 
Dessa forma, impugnar concursos públicos e chapas eleitorais que abusam da influência econômica, política e social, são fundamentais para garantir que a participação popular seja livremente exercida.
 Enfim, conjuntamente à responsabilização civil e criminal, 
à fiscalização dos concursos e das eleições, 
bem como o acompanhamento do mandato eletivo, 
Não se olvida a atividade do Ministério Público em fomentar a iniciativa popular de leis.
A esse respeito, as 10 medidas contra a corrupção contam com incessante apoio do órgão. 
Dentre elas estão a criminalização do caixa 2, a busca por maior transparência dos órgãos públicos, o aumento de pena dos crimes contra a administração pública, a definição destes como crimes hediondos, a busca pela celeridade nas ações judiciais e a efetiva recuperação dos produtos do crime fruto da corrupção.
Valendo-me de frase institucional para encerrar o debate aqui proposto, “Se queremos um país livre de corrupção, precisamos nos unir. É possível transformar a indignação com a corrupção em mudanças efetivas para a sociedade, implementando mudanças sistêmicas e estruturais, que buscam o fim da impunidade”.
Enfim, gostaria aqui de agradecer e de externar a minha profunda vontade de integrar a carreira do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

105. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Primeiramente, cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Senhor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca os meus cumprimentos.

O tema que me foi proposto diz respeito à investigação criminal pelo Ministério Público, abordagem de intenso debate na doutrina e jurisprudência, especialmente nas últimas décadas.

E numa passagem histórica, percebe-se que, por muito tempo, o Ministério Público realizou, de forma direta, a investigação criminal, sem que se fosse questionada a sua legitimidade. 

Todavia, a partir da década de noventa do século passado, com o Ministério Público Federal e Estadual agindo de forma eficiente e oferecendo denúncias em face da alta cúpula do poder, surgiu, de forma mais vigorosa, forte oposição às investigações criminais realizadas pelo órgão.

A posição insurgente dos que se opõem à atividade investigativa pelo Ministério Público é sintetizada em dois principais argumentos: 
1) o primeiro, de que a investigação pré-processual é de monopólio da Polícia Judiciária e 
2) e o segundo, de que a ausência de previsão explícita para o Ministério Público apurar, diretamente, infrações penais, retira-lhe a legitimidade para realizá-la.

Esses argumentos, no entanto, não encontram guarida no entendimento majoritário. 

Isso porque, adianto, não há falar em monopólio da Polícia na investigação criminal. 

Verifica-se existir tão-somente exclusividade da polícia no exercício na função de polícia judiciária, o que, notoriamente, é diferente da função de apurar delitos.

E não apenas inexiste norma a conferir tal monopólio, como há diversos artigos que permitem concluir do contrário. 


1. Além de a Constituição da República incumbir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), 

promoveu-lhe, entre outras a atribuição de exercer, privativamente, a ação penal pública e exercer o controle externo da atividade policial (art. 129).

Ora, pela teoria dos poderes implícitos (quem pode o mais pode o menos), o simples fato de a Constituição da República conferir ao Ministério Público o exercício, privativo, da ação penal pública (art. 129, I, da CF) já lhe dá a atribuição para investigar. 

Do contrário, o Órgão Ministerial ficaria refém da Polícia para uma possível deflagração de ação penal, ou seja, tornar-se-ia um mero repassador de provas colhidas por outra instituição.

Destarte, se a finalidade das investigações criminais é recolher indícios suficientes para a propositura da ação penal e se o Ministério Público, prescinde do inquérito policial para a deflagração desta, 

tal investigação é apenas um dos meios para constituir a justa causa. 

Em outras palavras, é possível concluir que a denúncia do Ministério Público é o mais, e a investigação criminal, o menos, e quem tem a função maior também tem aquele que lhe está contida.

2. Há, também, determinadas situações que recomendam a atuação do Ministério Público e não da Polícia. 

Em alguns casos, seja pela magnitude da infração, seja pelas pessoas envolvidas na autoria do delito, é mais coerente que o Ministério Público exerça diretamente as investigações criminais, sobretudo pelos princípios e garantias que lhe foram atribuídos na Constituição da República

(principalmente a independência funcional e a inamovibilidade). 

Em função disso, situando-se as investigações da macrocriminalidade e figurando autoridades, deve o Ministério Público apurar tais infrações, por estar imune a influências externas indevidas, capazes, como se sabe, de mitigar ou, até mesmo, inviabilizar as investigações.

3. Além disso, já tendo a instituição o monopólio do inquérito civil, não é incomum, e de fato ocorre, que, no exercício da proteção de direitos coletivos, vislumbre-se a ocorrência de ilícito penal. 

Nesses casos, muito mais evidente que não se justifica a instauração de inquérito, pois tais diligências são suficientes para a formação da convicção acerca da opinio delicti. 

Assim, nada mais razoável do que se instaurar uma ação penal com subsídio nos autos de um inquérito civil.

4. Essa conclusão é, frise-se, referendada pelo Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no Recurso Extraordinário proveniente de Minas Gerais. 

5. Enfim, o próprio Conselho Nacional do Ministério Público e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina já disciplinaram essa atribuição ministerial por meio de atos regulamentares, que estabelecem a possibilidade de instauração de procedimento investigatório criminal – o PIC.

Não se quer, aqui, afirmar que a Polícia não sejaórgãos de extrema importância dentro da administração da justiça,

Eis que deve continuar seu ofício de repressão à criminalidade. 

Contudo, em determinados casos, quando o detentor da ação penal pública entender necessário, pode ele mesmo colher elementos que configurem justa causa para a deflagração da denúncia, uma vez que, enfim, legitimado para tanto.

106. OFENSAS NO JÚRI
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos membros da banca as minhas saudações.

O tema que me foi proposto é o de número 10, que diz respeito ao Comportamento do Ministério Público quando ofendido no Júri.

Nesse sentido, é imperioso observar que o Ministério Público se firma, no final do século passado, tanto no ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, recebendo, da Constituição de 1988, a responsabilidade por importantes atribuições de nítida destinação social. 

Se, anteriormente, o papel do Ministério Público cingia-se de modo estreito à persecução criminal, como é a instituição do júri e o objeto de estudo da presente exposição, atualmente, passa também pela ampliação de seus poderes: alcançando as funções de garantidor do regime democrático, do ordenamento jurídico e protetor dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Efetivamente, vem o Ministério Público ocupando, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas de atuação, espaços cada vez maiores no exercício de funções de grande relevo à manutenção do equilíbrio jurídico, seja como órgão fiscal do ordenamento jurídico, seja como agente da proteção dos valores e interesses do povo.

E na busca por defender a vida em comunidade, a atuação frente ao Tribunal do Júri ganha destaque por ser o lócus em que o Promotor de Justiça é o advogado da sociedade. É o advogado daquele que muitas vezes já não está mais entre nós. O Ministério Público dá voz aos emudecidos, na medida em que atua como porta voz da vítima.

Para tais consecuções, foram assegurados a plena independência e o elevado grau de autonomia frente aos Poderes do Estado


A atribuição não é das mais singelas, sendo a honra e a função de quem a exerce protegidas pela Constituição e pela legislação ordinária, de modo a permitir o livre exercício do seu trabalho.

E por honra entende-se o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua auto-estima. 


Dentre as prerrogativas do órgão, inclusive, encontram-se a 

VI - receber o mesmo tratamento jurídico protocolar dispensado aos membros do Poder Judiciário perante os quais oficiem;


Tanto é assim que o Código Penal tipifica, nos artigos 139 a 140, os crimes contra a honra, que são: calúnia, injúria e difamação.

A esse respeito, o próprio código traz a imunidade judiciária, como causas de exclusão da ilicitude dos crimes de difamação e injúria, 

segundo a qual não constitui injúria ou difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.

Essa excludente abrange tanto a ofensa oral, que pode ocorrer em Júris e debates em audiência, quanto a ofensa escrita, por meia de petições, alegações finais, recursos e outras peças processuais, desde que exista nexo entre a ofensa e a discussão da causa.

Todavia, não se pode compreendê-la como absoluta, sob pena de tolher o direito fundamental de todos serem tratados de forma digna e com respeito

Assim, vale destacar que o dispositivo abrange apenas ofensas feitas em juízo, que não consistam na imputação de crimes, porquanto apenas afasta a difamação e a injúria.

. Para que haja a exclusão, a ofensa deve relacionar-se diretamente com a causa em questão, ou seja, somente incidirá a excludente se a ofensa irrogada em juízo tiver nexo com a discussão da causa. Logo, dois requisitos precisam fazer-se presentes: 
a) que a ofensa seja irrogada em juízo; e
b) que se relacione com a causa em discussão, havendo, necessariamente, relação causal entre o embate e a ofensa.

A excludente, neste caso, justifica-se por duas razões básicas: de um lado, para assegurar a mais ampla defesa dos interesses postos em juízo, sem o receio de que determinado argumento ou determinada expressão possa ser objeto de imputação criminal; de outro lado, a veemência dos debates, o ardor com que se defende esses direitos pode resultar, eventualmente, em alusões ofensivas a honra de outrem, embora desprovidas do animus ofendendi.

Em suma, deve-se ter em mente que é o ânimo de debater, movido pelo interesse público e pela utilidade processual, que justifica a exclusão do crime, e não de ofender a honra dos denunciantes, havendo limites à imunidade judiciária.

107. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PLANEJAMENTO URBANO

Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.

O tema que me foi proposto é o de número 05, que diz respeito ao Ministério Público e o Planejamento Urbano.

Impende inicialmente esclarecer que a legitimidade do Ministério Público para agir em sede de planejamento urbano decorre da própria Constituição Federal, que, em seu art. 129, III, dispõe a função institucional de promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente.

Nesse diapasão, insta dizer que o planejamento urbano é imprescindível para a proteção do meio ambiente artificial, compreendido por todo o espaço urbano construído artificialmente pelo homem. 

Isso porque a organização das cidades visa a garantir o direito difuso fundamental de terceira geração, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ainda em sede constitucional, o art. 182 dispõe que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes.

Para além do amparo constitucional, o ordenamento jurídico legal não destoa dessas diretrizes traçadas. 


Assim, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, o Estatuto das Cidades e, mais recentemente, o Estatuto das Metrópoles traçam instrumentos para que o Poder Público exerça de forma eficaz o planejamento urbano das cidades brasileiras.

Num primeiro olhar, diz-se que o planejamento urbano deve se nortear pela busca do cumprimento da função social da propriedade, adequada às exigências fundamentais de ordenação.

Para tanto, são inúmeros os instrumentos previstos.

Instrumento básico do planejamento urbano é o plano diretor, aprovado por lei municipal e ampla participação popular, sendo parte integrante do processo de organização da cidade.

A omissão dos Poderes Legislativo e Executivo municipais não se coaduna mais com a crescente ampliação dos núcleos urbanos.

A falta de plano diretor tem trazido inúmeros prejuízos não só ao meio ambiente artificial, mas, sobretudo, ao meio ambiente natural. A falta de saneamento básico, de serviços de iluminação, coleta de lixo, praças, áreas verdes, são exemplos do que a falta de planejamento urbano acarreta. 

Desse modo, ao Ministério Público incumbe provocar os Poderes Executivo e Legislativo Municipal na elaboração do plano diretor, pois esse é a base de toda a legislação urbana que deve ser produzida pelos municípios. 

Diversos instrumentos previstos no Estatuto das Cidades só podem ser implantados se tratados previamente no plano diretor, razão pela qual a doutrina urbanística o define como ato-condição.

O plano diretor é a pedra angular em sede de prevenção de danos ambientais urbanísticos.

Referido planejamento deve ser multisetorial, abrangendo aspectos físicos do solo, questões econômicas, sociais, orçamentárias, ambientais e urbanísticas.

De outra banda, o Estatuto das Cidades enumera mecanismos de participação popular em sede de planejamento urbano, como por exemplo a realização de audiências públicas. Nesse ponto, merece destaque a atuação dos órgãos de execução do Ministério Público.

Considerando o Princípio da Prevenção, somado ao Princípio da Participação Comunitária, deve-se dar vital importância à oitiva da comunidade no que pertine ao planejamento urbano, pois a opinião dos cidadãos, aliada à efetivação de estudos técnicos - como os de impacto ambiental e de impacto de vizinhança -, pode ser muito útil para evitar o crescimento de cidades desordenadas e não sustentáveis causadoras de inevitáveis desequilíbrios ambientais, realidade essa que infelizmente é praxe nas cidades de nosso País.

Nesse aspecto, deve o Ministério Público agir proativamente, participando do planejamento urbano e impulsionando a realização de audiências públicas pelo Poder Público a fim de angariar maiores e melhores elementos daqueles que vivenciam cotidianamente os problemas urbanísticos e que são os próprios destinatários do planejamento: os moradores da cidade.

Ultrapassado esse viés preventivo dos planejamentos urbanos, não se pode deixar de mencionar o seu caráter reparatório.

Como já mencionado alhures, a realidade das grandes cidades apresenta inúmeros problemas sociais decorrentes da urbanização desordenada.

Nesse ponto, deve-se chamar a atenção para os núcleos urbanos formados informalmente por pessoas de baixa renda, geralmente habitados nas periferias dos municípios.

Um dos desafios das cidades é assegurar o direito social de moradia para todos os seus habitantes. O fenômeno da urbanização nas últimas décadas não foi planejado, sendo que a migração do campo para a cidade foi e é uma realidade vertiginosa. Em decorrência disso, muitas famílias vivem em situação de risco em áreas precárias ou terrenos irregulares. São favelas, loteamentos irregulares, pessoas em situação de rua.

Dentro desse quadro, a regularização fundiária surge como uma das alternativas do planejamento urbano sob uma ótica reparadora. 

Segundo o Programa Minha Casa Minha Vida, a regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Assim, deve o Ministério Público promover ações visando à regularização das submoradias, não tão somente no afã de tutelar o meio ambiente artificial, mas também porque a informalidade do direito à moradia compromete a dignidade humana das pessoas. 

Elas não têm como fruir do seu direito à cidade e, portanto, nem são efetivamente cidadãs. Morar irregularmente é o mesmo que navegar em permanente insegurança. 

Além disso, a regularização fundiária, uma vez levada a efeito, repercutirá na gestão racional dos territórios urbanos, já que, regularizados, os assentamentos passam a integrar os cadastros municipais, possibilitando a efetivação de inúmeros meios de proteção ambiental, como por exemplo o serviço imprescindível de sanemento básico.

Portanto, pode-se dizer que o planejamento urbano baseia o seu passo inicial na própria Constituição Federal, cujo comando soberano é muito claro: subordina a propriedade urbana ao atendimento da sua função social e assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

Depois, o legislador, tanto no Estatuto da Cidade como na Lei da Minha Casa Minha Vida, previu mecanismos capazes de alavancar no planejamento urbano enfoques preventivos e reparadores, como a necessidade de impulsionar a elaboração de plano diretor nos municípios, a efetivação da participação popular na democratização da gestão municipal e a regularização fundiária na política urbana para reparação dos malefícios causados pela formação de núcleos habitacionais desordenados.

O que cabe ao Ministério Público, agora, é fazer uso da sua atribuição para integrar o processo de planejamento urbano no afã de habilitar a obediência do Poder Público às diretrizes previstas no ordenamento jurídico, assegurando o bem-estar da coletividade e a preservação do meio ambiente urbanístico ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.




108. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.

O tema que me foi proposto é o de número 10, que diz respeito ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público.

Nessa matéria, é inegável que, a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado. 

Volta-se, portanto, para o exercício de relevantes atribuições, como a defesa dos interesses sociais, individuais indisponíveis e do regime democrático 

e, em especial para o estudo do controle externo da atividade policial, a proteção da ordem jurídica.

Assim, dentre as várias funções institucionais atribuídas ao Ministério Público, destaca-se a fiscalização de atos que digam respeito à chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações penais.

E o fundamento de tal importante atribuição esbarra no próprio surgimento do Estado Democrático de Direito, que se pauta na contenção do poder estatal e na supremacia da lei sobre todos os agentes públicos. 

Dessa maneira, é de fundamental importância a participação efetiva de instituição capaz de conter possíveis arroubos autoritários em face dos cidadãos e, por que não, a proteção do próprio Estado e regime democrático, tendo em vista a criação de sistema de freios e contrapesos.


Daí a função do Ministério Público no controle da atividade policial, fazendo com que esta atue sempre pautada nos princípios constitucionais e legais regentes da persecução penal, salvaguardando a sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos e garantias sociais e individuais indisponíveis, conquistados duramente ao longo das gerações.


Outro fundamento à atividade ministerial, para além de salvaguardar o próprio Estado de Direito, encontra guarida na titularidade exclusiva da Ação Penal Pública pelo Ministério Pública.

É a instituição a maior interessada na normalidade e legitimidade com que se emana o procedimento investigatório do delito, do qual se utilizará para a formação de sua opinio delicti em eventual propositura da peça acusatória.

Tem, portanto, relação com a qualidade do inquérito, visando a revesti-lo de fortes elementos de convencimento e suficientes à propositura da ação penal. 

Ou seja, o controle externo deve ser entendido como um instrumento de realização do jus puniendi. 

Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia, sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo.

O controle externo da atividade policial tem a exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste controle. 

A respeito especificamente das atividades que integram a atribuição ministerial, 

Encontram-se, nas Leis orgânicas da carreira diversos dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo, pelo órgão ministerial, das atividades policiais. 

Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas ao Ministério Público, 

10. ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; 
11. ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade da polícia judiciária ou requisitá-los; 
12. requisitar à autoridade competente a adoção de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
13. d) requisitar à autoridade competente a abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a investigações, quando necessário;
14. e) acompanhar atividades investigatórias;
15. f) recomendar à autoridade policial a observância das leis e princípios jurídicos;
16. g) requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
17. h) exigir comunicação imediata sobre apreensão de adolescente;
18. i) avocar inquérito policial em qualquer fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se fizerem necessárias;

Como se vê, a fiscalização é ampla, incidindo não só sobre os atos diretamente relacionados à persecução penal, como também sobre a esfera administrativa da unidade policial.

É pautada no conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos definidos como infrações penais, na preservação dos direitos e garantias constitucionais das pessoas presas, sob custódia direta da Polícia e no cumprimento das determinações judiciais.

Assim, a primeira espécie de controle externo da atividade policial, é denominada de controle externo ordinário, consistente naquela atividade ministerial exercida corriqueiramente, seja através dos controles realizados na verificação do trâmite dos inquéritos policiais, e conseqüente cumprimento de diligências requisitadas, seja através de visitas periódicas (ao menos mensais) às Delegacias de Polícia e organismos policiais, a fim de verificar a regularidade dos procedimentos policiais e da custódia dos presos que porventura se encontrem no local.

Já no que se usou denominar controle externo extraordinário, observa-se que este se dará quando da verificação concreta de um ato ilícito por parte de alguma autoridade policial no exercício de suas funções. Tendo o membro do Ministério público o dever de representar à autoridade hierarquicamente superior daquela que é fiscalizada sempre que detectar omissão indevida, ilegalidade ou abuso de poder.

Controle externo, claro, não é sinônimo de subordinação ou hierarquia, fazendo com que a esfera administrativa não abranja o poder disciplinar. 

Trata-se, a bem verdade, de função correicional extraordinária, que coexiste com a ordinária inerente à hierarquia administrativa e que é desempenhada pela própria polícia.

Não se deve esquecer que, de acordo com o art. 129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições, notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas cabíveis no âmbito administrativo e judicial.

Munido dos instrumentos legais supra, revela o Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção dos direitos e das garantias fundamentais.

109. DEFESA DOS VULNERÁVEIS
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.

O tema que me foi proposto é o de número 05, que diz respeito à tutela dos vulneráveis pelo Ministério Público.

No entanto, antes mesmo de ingressar nas importantes atribuições conferidas ao órgão na tutela dos vulneráveis, cumpre delimitar, de antemão, dois assuntos essenciais para a compreensão do tema:

1. O primeiro diz respeito à própria concepção de vulneráveis, conceito esse que permite delimitar o aspecto subjetivo da tutela;
2. E uma segunda abordagem preliminar abrange quais direitos são tuteláveis pela instituição.

Quanto à conceituação do que se entende pelo termo vulneráveis, uma primeira acepção é retirada do dicionário:

Diz-se vulnerável alguém que está suscetível a ser 
Ferido ou
Ofendido

Conforme a sua capacidade 
de prevenir, 
de resistir e 
de conformar 
impactos

Em acepção jurídica, vulnerabilidade é uma situação 
permanente ou provisória, 
individual ou coletiva, 
que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando sua relação com outras pessoas. 
É um sinal de necessidade de proteção.

Daí decorre que a falta de recursos não se presta para analisar, por si só, o que configura a fragilidade pessoal, uma vez que esta decorre não apenas do contexto econômico, mas também das relações sociais e culturais com o meio que o cerca.

E, aqui, a clássica definição Aristotélica acerca do conceito de igualdade material de: “tratar desigualmente os desiguais, na proporção da desigualdade” auxilia a compreender a importante atribuição de tutelar esses interesses. 

Ora, os desiguais merecem maior proteção e defesa pelas instituições públicas, seja pela facilitação do acesso à justiça seja pela facilitação do procedimento, inclusive por meio da criação de varas especializadas e da inversão do ônus da prova.

Ao exemplificar a parte vulnerável, o ordenamento jurídico traz uma gama de situações aptas a ensejar a atuação do parquet.

Relembre-se, a respeito, a defesa na relação de consumo, 
dos interesses das pessoas com deficiência, 
das crianças e dos adolescentes, 
dos idosos, 
dos incapazes, 
das populações indígenas, 
das pessoas em situação de rua, 
das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.


Afora o estudo acerca da parte subjetiva da relação, é necessário averiguar também quais os direitos que podem ser tutelados pelo Ministério Público.

E, nesse sentido, a atribuição é ampla, recaindo a proteção tantos nos interesses
Difusos, marcados pela indivisibilidade e pela indeterminação dos sujeitos, ligados por circunstância de fato;
Coletivos em sentido estrito, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica base;
Mas também, e ainda mais interessante, os direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum, 
e os direitos indisponíveis, ainda que de um único sujeito.

E nessa matéria, voltando-se agora para a atribuição institucional, 

É inegável que, a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado. 

Volta-se, para o exercício de relevantes atribuições, como do regime democrático, a proteção da ordem jurídica

e, em especial para o estudo em comento, a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme então mencionados anteriormente.

Nesse ponto, revela-se importante referir que, na tutela dos vulneráveis, o órgão pode figurar tanto como 

INTERVENTOR de tais interesses ou quanto como 
AGENTE transformador. 



1) A atividade interveniente ocorre quando o Ministério Público atua como fiscal da ordem jurídica, não havendo, aqui, ação direta e enfática na defesa dos vulneráveis, mas a precípua tarefa de defender o ordenamento como um todo. A instituição está, de certa forma, portanto, desvinculada dos interesses das partes e voltada à defesa do Estado Democrático de Direito.

2) Por outro lado, ao exercer a atividade pro populo, isto é, para o povo, na chancela dos interesses transindividuais, a instituição se revela como órgão agente. 

E poderá o fazer no plano judicial como no plano extrajudicial.

a) Atuando fora do processo, a instituição tem importante tarefa 
- na homologação de acordos, como ocorre com a fixação de alimentos perante o Promotor de Justiça, 
- na investigação de danos transindividuais, por meio do inquérito civil, 
- na celebração de Termo de Ajustamento de Conduta.

b) Já a atividade de quebrar a inércia da Jurisdição é forma incisiva que se soma à atuação do Ministério Público na defesa dos vulneráveis.

Nessa seara em especial, poder-se-ia questionar, de forma errônea, que a  legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública, julgada recentemente constitucional, esvaziaria aquela do órgão executor ministerial.

Todavia, não há 

Esse embate na atuação de ambas as instituições essenciais à função da justiça. 
Existe, sim, a legitimidade 

autônoma, 
concorrente e 
disjuntiva de ambas.

Implica dizer que a previsão de mais de um legitimado não importa a ilegalidade ou até mesmo a inconstitucionalidade progressiva dos demais, e sim que se confere proteção extra à defesa de grupo ou de indivíduo, conforme decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal.

A situação é diferente da solução trazida na ação civil ex delicto.

Isso porque, conforme se assentou neste precedente judicial, a ação civil para reparação de danos decorrentes de ilícito penal, não configuraria 
nem interesse individual indisponível, 
tampouco se fazia presente o interesse social, 
sendo causa a envolver direitos patrimoniais renunciáveis de pessoas hipossuficientes, embora não necessariamente vulneráveis.

Enfim, seja na defesa do ordenamento jurídico, na atuação extraprocessual ou na legitimidade para a ação civil pública, a atuação ministerial revela-se imprescindível.

E aqui, finalizando com citação de Bryan Garth e Mauro Cappelletti, que bem elucida a busca pela proteção e a justiça dos vulneráveis:
“A titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.

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